Entre os quase 400 dispositivos do projeto de lei, o presidente vetou 63. Entre os vetos, estão o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio potencial poluidor, o que a mantém apenas para obras de baixo impacto ambiental.
Lula assinou também uma medida provisória que confere eficácia imediata à Licença Ambiental Especial (LAE). Essa licença confere um procedimento facilitado para atividades e empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo. A LAE foi criada pelo PL do Licenciamento e só entraria em vigor em seis meses. No entanto, a medida assegura que a LAE possa ser aplicada imediatamente.
O PL vinha sendo acusado por organizações ambientalistas e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) como um grave retrocesso ambiental para o país. Para especialistas do Instituto Internacional ARAYARA, que se manifestaram após a sanção parcial de Lula por meio de nota, "o Brasil corre o risco de assistir a uma explosão de projetos de alto impacto sem controle adequado e em pleno ano de COP 30 no país".
John Wurdig, gerente de transição energética do ARAYARA, concedeu entrevista ao Jornal do Comércio sobre os impactos da nova lei para o controle ambiental brasileiro e a relação com as mudanças climáticas.
Jornal do Comércio — Com a sanção parcial da Licença Ambiental Especial (LAE), o que muda no cenário da legislação ambiental brasileira?
John Wurdig — Pela primeira vez, teremos o licenciamento ambiental trabalhado como instrumento político. O licenciamento sempre teve uma autonomia no seu rito, mas não tinha essa influência. Era um processo no qual as empresas entravam conforme a ordem do licenciamento e tinha todos os trâmites da da Lei Complementar 140, que tratava de resoluções do CONAMA, dos prazos que o órgão ambiental tinha para atender a licença prévia de instalação e operação dos empreendimentos. Agora, será definido por esse conselho por esse conselho político, chamado conselho de governo, que definirá os projetos estratégicos.
JC — Segundo a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, a decisão do governo foi guiada por quatro diretrizes, sendo elas: garantir a integridade do processo de licenciamento; dar segurança jurídica para os empreendimentos e investidores responsáveis; assegurar os direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas, e tornar o licenciamento mais ágil sem prejudicar sua eficiência. Na visão da Arayara, os vetos podem assegurar isso?
Wurdig — Em partes. Com a asseguração do direito dos territórios indígenas e quilombolas, e da Lei da Mata Atlântica, percebemos um ponto positivo. Mas não se tem a garantia que esses vetos vão ser mantidos, não tem uma segurança jurídica sobre isso. Outra questão também que traz essa insegurança jurídica, é que não aparece no projeto a questão das mudanças climáticas. Há dois anos a gente vive no Brasil uma situação de emergência climática. Teve a Conferência Nacional do Meio Ambiente com essa pauta.Tivemos a tragédia no Rio Grande do Sul; queimadas na Amazônia; calor extremo. Não termos a questão das mudanças climáticas ou do licenciamento é uma afronta.
JC — No texto aprovado pelo congresso, há menção às mudanças climáticas? Como ele se situa em meio à prevenção da emergência climática e avanços ecológicos do Brasil?
Wurdig — Zero. Zero mudança climática em qualquer um dos temas. Seja no PL, seja na sua sanção. Não trata nada de mudança climática, inclusive [o País] tendo um Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima. É uma fragilidade ecológica. Foi feito um lobby para dizer que o licenciamento ambiental é algo que entrava o desenvolvimento e sabemos que ano que vem é ano eleitoral. Então, o que mais se quer é que o Brasil vire um grande canteiro de obras. E muitas vezes essas obras, a qualquer custo, não vão levar um nível técnico e inclusive constitucional do licenciamento como vinha sendo tratado. O discurso é uma coisa, mas na prática a gente ainda não tem segurança jurídica desses instrumentos novos do licenciamento.
JC — Estamos há 3 meses da COP30, sediada pelo Brasil que quer estar à frente da transição energética e da proteção do planeta. Como a aprovação do PL do Licenciamento Ambiental se relaciona com isso politicamente?
Wurdig — No cenário internacional, é algo que vai preocupar o Brasil. O Brasil não está fazendo o tema de casa. São leilões de petróleo ocorrendo, uma legislação como essa - quando incluído o instrumento da LAC, não houve debate, não houve consenso. No Brasil, o meio ambiente está ficando como um plano de fundo em termos de política pública. Ele está no discurso, mas na efetivação prática enquanto plano de governo, tem uma proposta de expansão dos combustíveis fósseis do petróleo, do gás, enfim. E aí, vemos um contexto complicado para um ano de COP, onde a gente deveria estar tratando sobre mitigação, sobre compensação, sobre transição energética. Como o Lula tinha dito que precisa do dinheiro da margem equatorial para financiar a transição, estamos vendo que se está fazendo a transição do petróleo para o petróleo. É uma falsa transição energética em pleno ano de COP.
JC — Como o PL afeta a transição energética?
Wurdig — [A transição] está com uma disruptura total do seu conceito e de como foi pensada. Primeiro,[seria uma] transição sem subsídios para combustíveis fósseis. Enquanto oferecermos subsídios, não tem transição. O governo usa um discurso que não condiz com o contexto e com o que realmente deveríamos estar investindo esse recurso: em eficiência energética; em eletrificação de frota; em modernização da indústria em mitigação de gás de efeito estufa; em recuperação ambiental; em mudança do solo, e de uso da terra e das queimadas. O Brasil ainda é um país que não tem os aviões para combates de incêndio na floresta amazônica. A transição energética é muito mais sistêmica, ela envolve muitas outras áreas que o governo não está colocando na pauta central dessa discussão.
JC — Diante do protagonismo do Brasil nos temas climáticos, como fica a imagem do Brasil para a comunidade internacional?
Wurdig — Fica cada vez mais distante do Brasil cumprir as suas NDCs, e principalmente o Acordo de Paris, no que tange o abatimento em 50% das emissões de gás de efeito estufa até 2030. 2030 é amanhã. Vai ficar muito difícil - o Brasil não consegue olhar que no contexto global as emissões vem de gás de efeito estufa, da indústria fóssil. Nós temos uma realidade local, mas o Brasil está dentro de um mundo que está em constante ebulição e efervescência das mudanças climáticas, com um número cada vez maior de eventos climáticos extremos condensados num curto período de tempo e atingido em inúmeras pessoas. Nos últimos dois anos, no Rio Grande do Sul foram quase 300 pessoas que morreram por desastres de eventos climáticos. Parece que esses números não condizem com a mudança de alerta da emergência climática, que vem com um discurso de desenvolvimento - e a que custo é esse desenvolvimento, dessa expansão da indústria fóssil?
JC — Há uma expectativa que o congresso derrube os vetos do presidente?
Wurdig — Acredito que não haverá, porque o governo fez a medida provisória e está encaminhando um projeto de lei do licenciamento que ainda não tornou público. Está acontecendo essa articulação política.