“As pessoas andam com o equipamento sem ter dimensão do risco”, define Tamires Cordeiro sobre o caso que provocou a morte do seu irmão, Vinícius de Andrade Cordeiro, em 1º de novembro do ano passado. Ele atravessava pela faixa de segurança a avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, conduzindo uma patinete elétrica disponibilizada para uso por meio de aplicativo; na saída do corredor de ônibus, perdeu o equilíbrio ao tentar frear, caiu na pista e foi atropelado por uma moto. O motociclista teve ferimentos leves e não foi indiciado — a perícia constatou que o sinal estava verde para ele, que trafegava dentro da velocidade permitida.
Vinícius tinha 43 anos e foi uma das duas vítimas fatais de acidentes com patinete elétrica compartilhada já registrados pela prefeitura da Capital. A colega Giovanna Sommariva apurou que, em março deste ano, um acidente envolvendo também um caminhão resultou na hospitalização do condutor da patinete, que foi a óbito alguns dias depois. Não foram divulgadas informações do acidente nem a identidade desta vítima. Os dois casos fatais incluem um levantamento da EPTC que aponta 24 acidentes no primeiro semestre de 2025, frente a 16 em todo o ano de 2024.
“É preciso ter noção que não foi um caso aleatório”, sustenta Tamires. Com tristeza, ela lembra que, à época da perda do irmão— que ela chama de “um acidente estúpido” —, comentários e notícias induziam à responsabilização individual da vítima. Isso porque a orientação é que a travessia na faixa de segurança deve ser feita empurrando a patinete. O mesmo vale para a bicicleta, embora essa não seja a prática.
Na avaliação da irmã, falta orientação aos usuários por parte das empresas que oferecem o serviço, bem como planejamento por parte do poder público. A percepção é compartilhada por Maria Luisa Puig Belan, mãe de um dos dois filhos de Vinícius. Ela relata a impressão de que a prefeitura de Porto Alegre “abriu a cidade para virem duas empresas transformar a cidade em um grande estacionamento de patinetes”.
Quando ocorreu o acidente, Maria Luisa conta que passou a pesquisar e percebeu que não há regramento adequado para o uso deste equipamento na Capital. O que existe é regulamentação para que empresas operem na cidade. Isso a motivou, junto a Tamires, a buscar amparo legal para regrar as patinetes elétricas compartilhadas em Porto Alegre. O respaldo no Legislativo da Capital veio dos vereadores Roberto Robaina (PSOL) e Alexandre Bublitz (PT). Em junho deste ano, os parlamentares protocolaram o
projeto de lei do legislativo nº 341/25, que tem por objetivo "regulamentar a operação dos serviços de locação de patinetes elétricos em Porto Alegre, visando a integração harmoniosa desses novos modais à dinâmica urbana".
Robaina, que foi procurado pela família de Vinícius, conta que já tinha preocupação com as patinetes circulando pelas calçadas ou em alta velocidade. Com o pedido para tomar a frente do caso na esfera política, criou no início do ano uma frente parlamentar sobre o assunto. Foi neste espaço que se construiu o projeto, a partir de conversas com quem utiliza patinete, com o governo municipal e com a empresa Whoosh*, que disponibiliza o equipamento na cidade. A empresa Jet não compareceu aos debates.
Com uma reunião no dia 4 de agosto, na volta do recesso parlamentar que inicia em 17 de julho, a frente será encerrada. Já o projeto precisa passar pelas comissões, ser aprovado pelos vereadores e sancionado pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) para então virar lei. Caso isso aconteça, terá o nome de Lei Vinícius Cordeiro. Enquanto isso, as patinetes vão forjando seu espaço nas vias da Capital e a segurança dos usuários depende principalmente deles mesmos.
* Correção: A primeira versão do texto indicava equivocadamente que a empresa Whoosh não havia participado da frente parlamentar, sendo que compareceu; a empresa Jet não compareceu.