Com uma frota de quase 2,5 mil equipamentos e 150 mil viagens por mês, as patinetes elétricas estão ganhando cada vez mais espaço em Porto Alegre e mudando o cenário da mobilidade na cidade. Com o aumento do número de usuários, surgem preocupações relacionadas à segurança, fiscalização e se a Capital está pronta para acomodar um novo meio de transporte.
De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), de janeiro até 30 de junho de 2025 foram registrados 24 acidentes de trânsito envolvendo patinetes elétricas na capital gaúcha - um deles, em março, fatal para o usuário do equipamento. O total desse período já é maior do que todo o ano de 2024, que teve 16 registros e também um óbito, este em novembro. É válido lembrar que no ano passado a operação das patinetes foi afetada por cerca de um mês em decorrência das enchentes.
Segundo a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU), a inserção das patinetes elétricas em Porto Alegre é um complemento ao atual sistema de transporte público e faz parte de um projeto de qualificação urbana do município. O objetivo é que as patinetes operem no formato de “última milha”, que compreende o trecho final de uma viagem, como da parada de ônibus até a casa do usuário, por exemplo.
Atualmente são três empresas com permissão para oferecer o serviço na capital gaúcha, porém somente duas estão ativas no momento. A Whoosh, identificada pela cor amarela, que opera desde outubro de 2023 na Capital, e a Jet, de cor azul, que iniciou as atividades em abril de 2024. A Adventure, empresa gaúcha que chegou a contar com quase 200 patinetes elétricas em alguns pontos da cidade, não atua mais em Porto Alegre.
O engenheiro João Paulo Cardoso Joaquim, coordenador de planejamento da SMMU e fiscal do contrato e responsável pela regulamentação das patinetes em Porto Alegre, explica que, até o momento, o processo para uma empresa receber a permissão do município é bastante simples. “Nem estamos chamando de credenciamento nessa etapa, porque é apenas um pedido que as empresas fazem para utilizar a nossa infraestrutura. O que as empresas têm hoje é um termo de permissão de uso”, explica. Com esse termo vigente, que é único e não precisa ser renovado, a empresa pode utilizar a infraestrutura da cidade para operação das patinetes.
Cardoso reconhece que o termo atual é “simples até demais”, já que não incumbe às empresas realizações de campanhas educacionais e ações de segurança, por exemplo. “As empresas nos entregam um plano operacional e o cadastro preenchido, e não tendo nada de errado nos seus documentos, essas empresas recebem o termo de permissão”, afirma.
Júlio Celso Borello, doutor em Engenharia de Transportes e professor de Planejamento Urbano e Mobilidade Urbana na Ufrgs, comenta sobre o cenário atual da Capital. “Porto Alegre é muito ruim para outros modos de transporte que não o carro. É uma cidade feita para o carro. Ela torna muito hostil o ambiente para o pedestre e para a bicicleta, por exemplo, que já são os mais fracos dos modais, e quando coloca a patinete nesta equação, já começa sem chance de dar certo. É um ambiente selvagem, primitivo, Porto Alegre se tornou um grande vale tudo no trânsito”, avalia. Segundo o professor, o problema não está no modal em si, mas no modo como ele foi introduzido na cidade, sem uma política urbana clara.
A SMMU iniciou, neste ano, o desenvolvimento de um novo termo, “mais robusto e também para aumentar a responsabilidade das operadoras”, descreve Cardoso. O processo passou por consulta pública e deve incluir contrapartidas mais específicas para as empresas.
Apesar das críticas e dos acidentes registrados até o momento, Cardoso avalia que a operação das patinetes em Porto Alegre é positiva. “É difícil a gente conseguir zerar os casos [de acidentes e óbitos]. De forma alguma nós tiramos a responsabilidade da empresa, mas talvez, por ser um serviço novo, o usuário ainda não tem tanta consciência, como tem gente que excede o limite de velocidade com carro, com moto. É uma questão educacional, sabemos que é um processo”, avalia.
Regulamentação das patinetes elétricas em Porto Alegre
A operação das patinetes na Capital é regulamentada por dois principais dispositivos legais. A resolução nº 996/2023 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que classifica os patinetes como equipamentos de mobilidade individual autopropelidos e estabelece diretrizes gerais para circulação em território nacional, e o Decreto Municipal nº 20.358/2019, que especifica a operação dos serviços em Porto Alegre.
Conforme o decreto, as patinetes podem circular por ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, respeitando o limite de velocidade de até 20 km/h. Em áreas de pedestres, o limite é de 6 km/h, e na orla do Gasômetro, de 10 km/h. Os patinetes não levam emplacamento e a condução não exige habilitação. O uso de capacete e equipamentos de proteção não é obrigatório.
Como funciona a fiscalização
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não possui um artigo específico que trate diretamente das patinetes elétricas, já que elas não são classificadas como veículos motorizados nos termos do CTB, o que limita a fiscalização direta sobre o modal. Em alguns casos, o uso dos equipamentos pode ser enquadrado em artigos genéricos do CTB, a depender da ocorrência.
Agentes da EPTC não têm permissão legal para aplicar multas específicas aos usuários de patinetes, nem possuem obrigação formal de autuar infrações cometidas. Quando um patinete está estacionado de forma irregular ou circula em local proibido, por exemplo, a única medida cabível aos agentes de fiscalização é comunicar à empresa operadora, que então aciona seus próprios monitores para verificar a situação no local.
Infrações às regras estabelecidas pelo Cotran e decreto municipal podem resultar em advertência, multa contratual ou banimento do usuário pela empresa. Em alguns casos, a Jet prevê multas de R$ 150,00, e ambas empresas preveem bloqueios e banimento de usuários das plataformas em casos de muitas infrações.
|
Jet |
Woosh |
| Início da operação |
Abril de 2024 |
Outubro de 2023 |
| Número de patinetes |
1.081 |
1.400 |
| Usuários cadastrados |
84 mil |
180 mil |
| Número de viagens |
Mais de 300 mil |
Mais de 1,4 milhão |
| Quilômetros percorridos |
828 mil |
Mais de 3 milhões |
| Acidentes registrados |
3 |
Sem levantamento oficial |
| Óbitos |
1 |
1 |
| Tarifa de uso |
R$ 1,90 + R$ 0,79 por minuto |
R$ 2,00 + R$ 0,80 por minuto |
Ações educativas
Entre as medidas adotadas pela gestão municipal estão ações educativas desenvolvidas pela SMMU, em parceria com a EPTC e as operadoras. As atividades ocorrem principalmente em áreas de grande circulação, como terminais e ciclovias, com a presença de agentes de trânsito e distribuição de material informativo.
A cidade também conta com a Escola Pública de Mobilidade, que oferece oficinas e atividades voltadas à convivência segura entre diferentes modais. As campanhas, no entanto, não são obrigatórias para as operadoras no atual modelo regulatório. A expectativa é de que o novo termo de referência previsto pela prefeitura estabeleça essas responsabilidades de forma mais clara.