A concessão de índices construtivos (conhecidos como Solo Criado), mediante contrapartida, é o meio pelo qual o poder público permite que se construa além do básico permitido para um terreno, que geralmente é de uma vez a sua área. Com a compra dos índices, em Porto Alegre o aproveitamento da obra pode chegar a três vezes a área do terreno. Novas regras estão valendo desde a semana passada e permitem o
pagamento com imóveis, obras ou serviços, além de dinheiro.
Acontece, porém, que a interferência de outros fatores do regramento urbanístico impactam o quanto será de fato construído. Assim, mesmo com a compra do Solo Criado, o padrão é não chegar ao índice máximo em Porto Alegre, afirma Flávia Tissot, chefe de operações da
plataforma Place - ferramenta criada pelo grupo Ospa para automatizar a criação de projetos ao indicar o envelope para os lotes.
Isso porque a construção depende da combinação de regras, como a altura máxima permitida em cada região e recuo em relação ao limite do lote, que é padrão na cidade, além do índice de aproveitamento. Quanto mais alto o prédio, mais afastado da divisa ele será. O cálculo atual é apontado como restritivo e, portanto, seria o responsável por “engessar” projetos. Com isso, o debate sobre a altura dos prédios altos deixa de ser o foco da atenção.
“A questão da altura é a menor das discussões”, diz Ricardo Ruschel, vice-presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura no Estado (Asbea-RS). A entidade tem desde 2019 um grupo de trabalho dedicado a tratar do Plano Diretor de Porto Alegre, que está em processo de revisão. A estimativa da prefeitura é apresentar o projeto de lei para a Câmara no segundo semestre de 2023.
O entendimento encontra eco no setor da construção civil. Conforme o arquiteto Antônio Carlos Zago, que presta consultoria ao Sinduscon-RS, a altura é “um tabu que foi vencido” e o debate está centrado no restante do conjunto da obra. “A volumetria e a altura que um prédio vai atingir tem que ser a consequência da aplicação dos outros itens do plano regulador: afastamento, índice, taxa de ocupação do terreno…”
Parte do Plano Diretor, o plano regulador é menos conceitual e mais técnico, indicando as normas para a construção e o tipo de atividade em cada terreno. E, embora integre a mesma lei, “parece que as coisas estão desconectadas”, sustenta Zago. É como se não fosse possível atingir a densidade construtiva e populacional definida no planejamento urbano devido a regras do plano regulador. “Estamos desperdiçando infraestrutura existente”, critica Zago.
Neste ponto, Ruschel questiona porque o recuo tem que ser aplicado a todo o prédio, da base até o topo. Ele defende que se possa trabalhar de maneira escalonada. Um exemplo assim em Porto Alegre é o Santa Cruz, na Rua da Praia. Com projeto dos anos 1950 e conclusão da obra na década seguinte, o edifício tem 107 metros de altura e é o mais alto da Capital.
“Se os prédios do entorno têm quatro pavimentos na divisa, posso fazer até o quarto andar na divisa e a partir disso recuar, escalonando o conceito de morfologia”, sustenta Ruschel. Para isso, o desenho da cidade deve ser priorizado, pensando no conjunto do quarteirão e não lote a lote. Flávia explica que este exemplo não trata dos recuos previstos no código de edificações, pensado para garantir luz, insolação e ventilação.
Zago, que participou do almoço com o prefeito Sebastião Melo na sede do Sinduscon, na semana passada, acredita ter abertura da atual gestão para tratar de temas como este no Plano Diretor. Para Flávia, “quando sair o primeiro burburinho” indicando que a prefeitura vai propor diminuir o recuo ou aumentar as alturas, isso terá potencial de mobilizar incorporadores para o debate da revisão em andamento.