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Opinião Econômica

Publicada em 02 de Janeiro de 2025 às 01:25

Dólares não são bem-vindos

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Folhapress
Bernardo Guimarães
Vem chegando o verão, com o calor nas praias e o dólar a
R$ 6. Contudo, visitantes dos Estados Unidos que quiserem escapar de seu inverno quase glacial precisam pedir visto para pular as sete ondas no Leblon e trazer seus valiosos dólares para o Brasil. Ou podem escolher passar o final do ano em Punta Cana, Montego Bay ou Cartagena.
Quase nenhum país da América Latina requer vistos de turistas norte-americanos - o Brasil e a Venezuela são raras exceções. A grande maioria não acha boa ideia dificultar a vinda de turistas.
Qual o tamanho desse impacto no turismo brasileiro? É difícil saber, mas é importante olhar os números.
A Folha noticiou que o Brasil recebeu 668 mil visitantes dos Estados Unidos em 2023. Parece muito pouco. A República Dominicana sozinha recebeu mais de 2 milhões.
O Brasil é mais de 100 vezes maior, tem algumas das atrações mais icônicas do planeta e uma extensão de praias seis vezes maior que a República Dominicana. Ainda assim, recebe 30% dos visitantes desse nosso vizinho - que, aliás, era um país bem mais pobre e hoje já é mais rico que o Brasil. Claro, o Caribe é mais perto, mas nós não estamos longe e não há diferença relevante de fuso horário.
Críticos apontam que uma mudança foi tentada em 2019 e não fez tanta diferença. Esse argumento não faz sentido.
Em junho de 2019, americanos deixaram de precisar de visto para viajar ao Brasil. O número de visitantes dos Estados Unidos naquele ano foi 12% maior que em 2018. Depois, porém, veio a Covid-19, e em 2023, o governo Lula tornou o visto novamente obrigatório, então não houve tempo para ver o efeito da mudança.
Esse aumento de 12% não capta o efeito que o fim do requerimento de vistos teria, não só por ser influenciado por diversos outros fatores (para mais e para menos) e porque o visto ainda era requerido em metade de 2019, mas porque leva muito tempo para termos novos voos, hotéis e a estrutura para receber turistas.
O efeito no curto prazo não pode ser grande - não há voo para trazer tanto turista, a passagem fica cara, melhor ir para Machu Picchu, deixar o Cristo Redentor para depois.
Com o tempo, sem o requerimento de vistos, o Brasil ocuparia mais espaço nesse mercado. Claro, não mudaria a situação completamente - por exemplo, o Brasil tem a fama (justificada) de não ser exatamente seguro para turistas - mas haveria mais voos, mais hotéis e restaurantes, mais pessoas recomendando o Brasil para seus amigos em Nova York.
Nossa economia veria uma demanda maior por serviços, o setor que mais emprega pessoas de baixa renda. No mercado de trabalho, isso se traduziria em mais empregos e maiores salários. No balanço de pagamentos, isso geraria uma maior entrada de moeda estrangeira e, consequentemente, um dólar mais barato.
Os Estados Unidos requerem vistos dos latino-americanos. O objetivo deles é conter o número de imigrantes que trabalham ilegalmente por lá. Esse ponto não se aplica a nós. Nós exigimos visto apenas para reciprocar as dificuldades que eles nos impõem.
Parte da nossa elite sente orgulho de impor esse custo aos norte-americanos. É importante lembrar que esse custo também cai sobre as pessoas de baixa renda que se beneficiariam muito por uma maior demanda pelo seu trabalho.
Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP.
 

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