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Opinião Econômica

Publicada em 10 de Novembro de 2024 às 18:57

'É a cheapflation, estúpido!'

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Bráulio Borges
Bráulio Borges
A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas foi bastante expressiva, com margem muito maior do que vinham apontando as pesquisas. Alguns apontam que isso sugeriria uma tendência inequívoca de guinada à direita na política global.
De fato, o desfecho das eleições nos EUA, país mais poderoso do mundo, até pode impulsionar um movimento à direita em outros países. Contudo, é importante notar que uma das principais tendências observadas nas eleições em países democráticos nos últimos anos é um sentimento anti-incumbente.
Ou seja: a maioria dos eleitores está insatisfeita com o governo em exercício e está buscando alternância, tanto partindo de governos mais à esquerda para outros mais à direita (Argentina em 2023, EUA e França em 2024) como no sentido oposto (Brasil e Colômbia em 2022, Reino Unido e Índia neste ano).
Essa constatação parece ser coerente com a forte elevação dos preços de diversos produtos observada desde a eclosão da pandemia, particularmente daqueles que são mais baratos - fenômeno que recebeu o apelido, em inglês, de "cheapflation".
Vale lembrar que a inflação corresponde à variação dos preços monetários dos bens e serviços em um certo período. Embora a inflação mundial tenha passado de uma alta de quase dois dígitos em 2021/22 para taxas mais próximas das metas em 2024, ainda assim não foi registrada deflação generalizada - isto é, queda dos preços. Com efeito, os preços de boa parte dos produtos estão bem acima daqueles observados antes da pandemia.
Caso os reajustes dos salários e dos demais rendimentos tivessem superado a alta dos preços dos produtos, o fenômeno descrito acima não traria insatisfação, pois o poder de compra teria aumentado. Não obstante, há evidência de que, em diversos países, os preços dos produtos mais baratos e essenciais (alimentos, energia, aluguéis, dentre outros) subiram mais do que os demais, superando os ganhos salariais da população de classes baixa/média e gerando aquilo que tem sido chamado de "crise do custo de vida" (cost-of-living crisis).
Isso também aconteceu no Brasil: em meados de 2019, um salário-mínimo nacional comprava 2,1 cestas básicas - maior poder de compra já registrado desde 2001, ano inicial da série histórica do indicador, quando o salário-mínimo comprava 1,3 cesta. Em 2022, esse valor foi a 1,6, regredindo para os níveis observados em 2005/06. Ao longo de 2023 e 2024, houve uma recuperação importante, mas ele ainda está hoje em 1,9. A conclusão é a mesma quando se utiliza o rendimento médio habitual de todos os trabalhos da Pnad Contínua, do IBGE.
Voltando aos EUA, é curioso notar que as principais bandeiras de campanha de Trump - aumentar expressivamente a taxação de produtos importados e deportar milhões de imigrantes ilegais - poderão acentuar essa crise do custo de vida.
Já no caso do Brasil, o caminho mais sustentável e rápido para restabelecer o poder de compra pré-pandemia envolve recuperar a credibilidade da política fiscal, uma vez que isso poderia gerar relevante valorização cambial. Pouco mais da metade da expressiva depreciação cambial de cerca de 16% observada neste ano pode ser atribuída a fatores domésticos, sobretudo as incertezas crescentes quanto à trajetória prospectiva da dívida pública.
Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV IBRE

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