Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Espaço Vital
Marco A. Birnfeld

Marco A. Birnfeld

Publicada em 30 de Setembro de 2025 às 18:08

O STF e a "uberização da economia": Corte julga vínculo de entregadores

Projeção da coluna para o placar do julgamento no STF

Projeção da coluna para o placar do julgamento no STF

DEPOSIT PHOTOS/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
Marco Antonio Birnfeld
 
 
O Supremo começa a julgar nesta quarta-feira, 1º de outubro, se motoristas e entregadores de aplicativos têm vínculo empregatício com as plataformas. Mais de 10 mil processos aguardam essa resposta. E a decisão que vier tem que olhar para a rua, não apenas para os códigos e as leis.
Reconhecer o vínculo CLT parece justo, mas ignora um detalhe crucial: a maioria dos trabalhadores não foi ouvida sobre isso. Dados apresentados na audiência pública de dezembro de 2024 indicam que dois terços preferem o modelo atual. Deve ser por que a flexibilidade vale dinheiro.
Um pai de família que trabalha de dia e faz entregas à noite, para pagar a faculdade do filho, não cabe na CLT. Uma mãe que liga o aplicativo enquanto a criança está na escola e o desliga quando precisa buscar, também não cabe na mesma CLT. São centenas de milhares de brasileiros nessa situação.
Impor carteira assinada significa determinar horário fixo, escala, controle de jornada. As plataformas teriam que contratar formalmente – e contratar menos. Os custos trabalhistas não são triviais: o FGTS, as férias, o décimo terceiro, o adicional noturno. Ninguém acredita que Uber ou Rappi vão bancar isso para todos milhões de pessoas que hoje usam os aplicativos.
O resultado seria previsível: a demissão em massa dos atuais "parceiros" e a contratação seletiva de uma fração. Justamente os mais vulneráveis ficariam de fora. Aqueles que usam os apps como alternativa por não conseguirem emprego formal voltariam para a informalidade total, sem proteção alguma.
O próprio STF já bateu esse martelo em outras ocasiões. Quando julgou a terceirização, a Corte afirmou que ela vale para qualquer atividade, meio ou fim. Quando analisou a contribuição sindical, reconheceu mudanças nas relações de trabalho. O relator (e novel presidente) Edson Fachin tem razão ao falar em conciliar direitos com realidade econômica. Mas essa conciliação não pode matar o que funciona.
Outros países encontraram saídas intermediárias: proteções específicas sem destruir o modelo. Ao que consta, a Califórnia aprovou regras próprias para trabalhadores de plataforma. A Espanha criou uma categoria jurídica nova. A legislação brasileira não foi pensada para regular algoritmos. E pior: fazemos isso no Judiciário, quando deveria ser o Congresso legislando sobre o tema.
Há projetos de lei tramitando. Ainda ruins, é verdade... Mas, ao menos, reconhecem que essa categoria precisa de regramento específico, não da simples aplicação mecânica da CLT.
O debate virou ideológico demais. De um lado, quem romantiza a uberização como futuro do trabalho. De outro, quem enxerga apenas precarização e exploração. A realidade fica no meio: tem gente ganhando bem, tem gente se virando como pode, tem gente sendo explorada. Mas jogar tudo na CLT não resolve.
Resolver exige criatividade jurídica que o vínculo empregatício clássico não oferece. Exige olhar para o trabalhador concreto, não para o trabalhador abstrato dos manuais. Se o STF reconhecer vínculo, não estará protegendo trabalhadores. Estará condenando milhões à informalidade completa. As plataformas vão se adaptar – empresas sempre se adaptam.
Quem não vai se adaptar é o entregador de 50 anos de idade que usa o app para complementar a aposentadoria miserável.
A decisão que vier precisa ter pé no chão. Tem que entender que nem todo controle é subordinação, que nem toda coordenação é emprego, que nem toda dependência econômica gera vínculo.
E principalmente: precisa entender que destruir oportunidades em nome da proteção não protege ninguém.

Opinião

O Espaço Vital tem um palpite. Por unanimidade (11x0), ou por expressiva maioria, o Supremo decidirá que motoristas e entregadores de aplicativos não têm vínculo empregatício com as plataformas. O resultado final poderá ser também 10x1, 9x2 ou 8x3.
E os eventuais votos minoritários serão de autoria de um ou mais destes três ministros: Flávio Dino, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia podem votar a favor do vínculo.
Ver para crer...

Notícias relacionadas