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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 02 de Janeiro de 2025 às 21:00

Um balanço dos melhores filmes de 2024: A crise nas telas

Megalópolis, de Francis Ford Coppola, é um dos filmes mencionados por Hélio Nascimento entre os melhores de 2024

Megalópolis, de Francis Ford Coppola, é um dos filmes mencionados por Hélio Nascimento entre os melhores de 2024

/LIONSGATE/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
A questão numérica, nos últimos anos, tem suscitado controvérsias. Por que 10? Alguns jornais publicam cinco. Outros, como o New York Times, para evitar polêmicas e provavelmente pensando em organizar uma lista definitiva, relacionou mil títulos que seriam os maiores momentos de toda a história. Os organizadores da relação talvez tenham pensado em satisfazer a uma grande maioria. Engano. Em cada ano são produzidos em todo o mundo um número bem maior do que esse, o que faz que seja praticamente incalculável o número de obras importantes já realizadas, relação que certamente sempre causará alguma discordância. Porém, seja qual for o número, o tempo e o espaço abordados, os títulos selecionados e as omissões dos selecionadores nunca agradarão a todos. Polêmicas são saudáveis e o gosto pessoal deve ser respeitado. Mas é aqui que chegamos ao essencial. Não são poucos os exemplos de ensaios destinados a diminuir a importância de alguns filmes e que, no entanto, pela inteligência da análise, contribuíram para que sua relevância seja realçada. Não é necessário compartilhar, por exemplo, das intenções expressas nas imagens de Outubro e O triunfo da vontade para ver em tais obras sinais que podem contribuir para um entendimento mais amplo do que aconteceu no século XX. Tal constatação nos leva a concluir que foi o desconhecimento de alguns filmes produzidos no século passado que causou surpresa naqueles que, alheios ao cinema, não esperavam o fim do regime então vigente no Leste Europeu. Bastava ver um filme como Cinzas e diamantes, para citar apenas um exemplo, para que fosse contemplado o que simplificações e propaganda procuravam ocultar.
A questão numérica, nos últimos anos, tem suscitado controvérsias. Por que 10? Alguns jornais publicam cinco. Outros, como o New York Times, para evitar polêmicas e provavelmente pensando em organizar uma lista definitiva, relacionou mil títulos que seriam os maiores momentos de toda a história. Os organizadores da relação talvez tenham pensado em satisfazer a uma grande maioria. Engano. Em cada ano são produzidos em todo o mundo um número bem maior do que esse, o que faz que seja praticamente incalculável o número de obras importantes já realizadas, relação que certamente sempre causará alguma discordância. Porém, seja qual for o número, o tempo e o espaço abordados, os títulos selecionados e as omissões dos selecionadores nunca agradarão a todos. Polêmicas são saudáveis e o gosto pessoal deve ser respeitado. Mas é aqui que chegamos ao essencial. Não são poucos os exemplos de ensaios destinados a diminuir a importância de alguns filmes e que, no entanto, pela inteligência da análise, contribuíram para que sua relevância seja realçada. Não é necessário compartilhar, por exemplo, das intenções expressas nas imagens de Outubro e O triunfo da vontade para ver em tais obras sinais que podem contribuir para um entendimento mais amplo do que aconteceu no século XX. Tal constatação nos leva a concluir que foi o desconhecimento de alguns filmes produzidos no século passado que causou surpresa naqueles que, alheios ao cinema, não esperavam o fim do regime então vigente no Leste Europeu. Bastava ver um filme como Cinzas e diamantes, para citar apenas um exemplo, para que fosse contemplado o que simplificações e propaganda procuravam ocultar.
Um filme como Testamento, o primeiro a ser lembrado na sexta-feira passada, capta com absoluta perfeição uma crise gerada pelo gosto das simplificações, pelas palavras de ordem e pela técnica de dizer, em alto e bom som, aquilo que certas plateias apreciam ouvir. Isso para não falar no chamado politicamente correto, essa forma simplificadora de ver a realidade e que também pode ser classificada como algo que ignora complexidades e elementos contraditórios na natureza e nas sociedades. Zona de interesse, por sua vez, utilizando de forma inédita o som no cinema, mostra que regimes totalitários não estão longe dos rituais familiares e do cenário erguido pela civilização. E O mal não existe coloca na tela que o relacionamento do homem com a natureza é algo mais complexo do que pensam alguns militantes. É claro que houve, durante o ano passado, vários filmes que focalizaram a crise contemporânea. Mas foi a cena final de Testamento que sintetizou tudo, ao mostrar técnicos chineses reconstruindo, no futuro, o painel de um grande artista canadense, algo que faz lembrar uma manifestação de um ministro da cultura da China, falando para alunos em seu país, dizendo que intelectual que desconhece a música clássica do Ocidente não merece ser assim chamado. É só trocar o nome da arte.
E há outros filmes, como Anatomia de uma queda, onde ruídos abafam o som de um piano. Ervas secas, brilhante narrativa sobre as origens da agressividade, é outro momento brilhante do cinema contemporâneo. E há também a volta de um grande criador que, em Megalópolis, depois de mostrar os impasses e questionar a narrativa tradicional, no plano final aposta no futuro. Em O dia em que te conheci o cinema nacional mostrou o valor da imagem para a criação de vidas. E o celebrado Ainda estou aqui é um exemplo de como o cinema, focalizando o destino e a ação de figuras humanas, é capaz de reconstituir uma época, criticando o crime maior: a destruição da família. O plano final, o expressivo silêncio da mãe-coragem, merece lugar na mais rigorosa das antologias. Mas para não falar apenas de crises, há o final de O melhor está por vir, com suas referências à canção antifascista O vento sopra e há uma esperança que não se apaga. E ainda resta espaço para lembrar uma provável despedida em Golpe de sorte em Paris, talvez o ponto final de uma obra que a intolerância não retirará da história de nossa arte. Certamente haverá espaço na memória de todos para outros títulos e também para discordâncias. E que salas como as das cinematecas Paulo Amorim e Capitólio prossigam sendo espaços de resistência.
 

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