Com 87 anos a serem contemplados no próximo dia 30, Ridley Scott é um dos veteranos que, ao lado de vários representantes da nova geração de realizadores, está mantendo a dignidade e a inteligência do cinema. Nomes como o dele e mais os de Clint Eastwood, Roman Polanski, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, o primeiro deles em atividade com mais de 94 anos e realizando um filme, O jurado número 2, muito elogiado, estão provando que o cinema não cessa de dar um valioso testemunho sobre nossa época e nossa história, nossas crises e nossas esperanças. O novo filme de Scott, este Gladiador 2, uma nova viagem ao império romano, tem suas ligações com o polêmico Megalópolis, que embora ambientado no futuro, tem como referência a mesma época.
Desde o início da carreira, Scott vem viajando no tempo, ora voltando ao passado, como em Cruzada, ora viajando para o futuro, como no clássico Blade Runner, sem abandonar o presente como em Thelma e Louise. Em todos eles, os protagonistas estão sendo ameaçados, embora, por vezes, sejam os robôs que orgulhosamente solicitam como trilha sonora de seu triunfo A entrada dos deuses no Walhalla, o final da primeira parte da tetralogia wagneriana. As ameaças aos seres humanos podem ser criaturas vindas de outros mundos, como em Alien, o oitavo passageiro, ou forças repressoras tentando dominar mulheres revoltadas que preferem enfrentar o abismo em vez de encarar as deformações, como no filme já citado. O painel erguido por Scott tem agora uma peça que merece mais atenção do que aquela dirigida para orçamentos, bilheterias e prováveis continuações.
Dotado de grande habilidade para filmes épicos, Scott sempre procurou grandes espaços e centenas de figurantes. Nunca escondeu essa preferência por filmes que exigem amplos recursos. Quase sempre foi muito bem-sucedido. O primeiro Gladiador, por exemplo, foi sucesso nas bilheterias e ganhou o Oscar de melhor filme do ano. Numa das tantas injustiças cometidas por aquela premiação, Scott não recebeu o seu, embora tenha dirigido o filme premiado. Nos maiores festivais, o prêmio de melhor filme é sempre recebido por seu diretor. O segundo Gladiador não é apenas uma continuação, mas, de certa forma um aprofundamento do tema do primeiro filme. Quando a mãe do protagonista faz com que o filho seja enviado para longe, não repete o gesto de Jocasta e Laio, que, temendo o incesto, se livram do menino. Agora o tema sofre uma variação que o transforma em tentativa de evitar a morte devido à luta futura pelo poder. Mas a separação, tendo um resultado diferente, coloca no centro da ação uma vingança consciente. O comandante romano que chefia as tropas do império na batalha que inicia o filme não é o pai do protagonista, mas sua ligação com a mãe do herói o transforma num substituto da imagem paterna. A cena do duelo entre o filho e o pai substituto, na arena do Coliseu, não deixa dúvida sobre tal interpretação. Porém, se trata de um duelo programado pela loucura e pela busca de poder: os irmãos imperadores e um manipulador das forças em conflito e que almeja o domínio total. Mesmo no combate não há ódio, o que certa forma encaminha o filme para a constatação de que forças agem nas sombras geradas pelo desconhecimento utilizado para transformar seres humanos em marionetes.
Scott realiza, sim, filmes para um público amplo, mas não faz concessões à vulgaridade predominante, não apenas no cinema. Eis um filme grandioso e digno. Como foram no passado obras como El Cid, de Anthony Mann, e Spartacus, de Stanley Kubrick É só perceber o emprego como motivo condutor do tema da água, da qual a vida várias vezes ressurge e também serve de túmulo para quem, utilizando métodos repulsivos, pretende assumir controle total sobre a sociedade, que será possível perceber o valor da narrativa. Tentativas de renovações da expressão cinematográfica, por mais discutíveis que sejam, sempre serão bem-vindas. Mas um filme que utiliza com habilidade todos os recursos que seguem soberanos, merece atenção e aplauso.