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Publicada em 17 de Outubro de 2025 às 16:19

Falta de fiscalização dificulta acesso de pessoas do TEA

Lei obriga estabelecimentos a inserir o símbolo do TEA nas placas de atendimento

Lei obriga estabelecimentos a inserir o símbolo do TEA nas placas de atendimento

Luana Pazutti/Especial/JC
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Luana Pazutti
Luana Pazutti
“Eles falam da nossa existência no dia 2 de abril, que é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Depois, fecham a página, e é como se a gente não existisse nos outros 364 dias do ano. Como uma mulher autista que é mãe atípica, eu sinto na pele o que a falta do cumprimento dessa lei significa”, afirma a ativista e influenciadora Érika Rocha, que é presidente do projeto social Angelina Luz. 
“Eles falam da nossa existência no dia 2 de abril, que é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Depois, fecham a página, e é como se a gente não existisse nos outros 364 dias do ano. Como uma mulher autista que é mãe atípica, eu sinto na pele o que a falta do cumprimento dessa lei significa”, afirma a ativista e influenciadora Érika Rocha, que é presidente do projeto social Angelina Luz. 
No último dia 14 de setembro, Érika fez um vídeo nas redes sociais denunciando o descumprimento da lei municipal n°12.515, de 2019. A legislação obriga estabelecimentos públicos e privados de Porto Alegre a inserir o símbolo do Transtorno do Espectro Autista (TEA) nas placas de atendimento prioritário. O prazo para a implementação da medida era de doze meses a partir da data de publicação, em fevereiro de 2019. 
“Eu fico abismada. Como é que o próprio município desrespeita uma lei do município, né? Uma lei que foi sancionada há tantos anos. Hoje, a gente entra em qualquer Unidade Básica de Saúde (UBS) de Porto Alegre e nenhuma delas tem a placa do atendimento prioritário”, explica a influenciadora. 
A presidente da Associação de Familiares e Amigos de Pessoas com Autismo (AFAPA) de Porto Alegre, Nara Pinheiro, sentiu isso na prática. “As pessoas vão passando e o teu filho vai ficando ali”, ressalta.
Nara relata que recentemente precisou solicitar o atendimento prioritário para o filho, de 15 anos, no Centro de Saúde Santa Marta, situado no bairro Centro Histórico. Apesar da solicitação, o adolescente não recebeu prioridade e precisou ficar aguardando.  
“E aí, o que aconteceu? Eu fiz uma reclamação na Secretaria da Saúde, e veio um retorno, dizendo que eles iriam tomar todas as providências a respeito do atendimento prioritário”, disse a mãe atípica.
O descumprimento da lei municipal n°12.515 não é exclusividade das UBSs. Em Porto Alegre, o símbolo do Transtorno do Espectro Autista está presente apenas nas placas do transporte público e em algumas redes de supermercados, bancos, restaurantes e órgãos públicos. Esses espaços, contudo, são a exceção e não a regra
Para a presidente da AFAPA, o cumprimento da lei é essencial. “O símbolo demonstra que as pessoas precisam respeitar aquele indivíduo que está chegando ali e atendê-lo da melhor forma humanizada possível, A criança, o adolescente e o adulto, às vezes, já chegam com medo por não saber como vai ser o atendimento”, destaca Nara.
Érika, por sua vez, diz que o atendimento prioritário pode até parecer “detalhe”, mas é uma medida importante para evitar o sofrimento de pessoas com autismo. “Muitas vezes, as nossas idas a UBSs, bancos, repartições públicas ou até supermercados se transformam em momentos de muita angústia, porque nos gera sobrecarga sensorial e crise”, explica
“Nós temos grupos de acolhimento pelo WhatsApp e, diariamente, tem mãe falando sobre a demora no tempo de espera para o atendimento dos seus filhos. Essa lei ainda está muito no papel ainda”, completa Nara. 
De acordo com o diretor de Acessibilidade e Inclusão Social de Porto Alegre, William Tempel, a lei municipal n°12.515 é um desdobramento de uma lei nacional. “Já existe lei de atendimento prioritário para pessoas com deficiência, porque não diferentemente o TEA é considerado uma deficiência”, destaca. 
Trata-se da lei n° 13.146 ou Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de 2015, que possui uma seção exclusiva sobre atendimento prioritário. “O atendimento prioritário, então, já ocorre, de qualquer forma, nos estabelecimentos públicos, tá? Isso é ponto pacificado”, afirma Tempel. No entanto, a presença do símbolo do TEA ainda é um desafio.

Ausência de fiscalização revela lacunas na legislação

O diretor destaca que a fiscalização dos espaços existe, mas não é ativa. Em outras palavras, a presença de placas de atendimento prioritário com o símbolo do TEA só é fiscalizada mediante denúncias no canal 156. Tempel afirma que, entre 2022 e 2025, recebeu apenas duas denúncias.
“Na medida que nós recebemos essas denúncias, provocamos o estabelecimento para que ele se manifeste. Então, quando reiterado, a gente encaminha para a diretoria de fiscalização, que está submetida à Secretaria de Segurança, para fazer a fiscalização local. Chegar a este ponto nunca chegou, mas a lei está aí para isso”, completa o diretor.  
Para o advogado Jarbas Iran de Brito, que é vice-presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RS, a ausência de uma fiscalização ativa é justamente a maior lacuna da lei municipal.
“A prefeitura estabelece uma lei, mas em nenhum momento da lei é mencionado quem vai fiscalizar isso. Evidentemente que é o município que tem que fiscalizar, ele que institui a lei, só que isso não consta na lei. Essa fiscalização não acontece na prática”, afirma Brito.
O advogado ressalta que, ao todo, há pelo menos 250 leis que tratam sobre deficiências no Brasil, e grande parte delas não é fiscalizada. "É por isso que as entidades se reúnem e lutam. Porque existem as leis, e muitas leis. Mas a fiscalização efetiva, se a lei tá sendo realmente aplicada, é que não existe", destaca Brito.
De acordo com a especialista, a importância da legislação está no seu caráter afirmativo. "Ela é uma ação afirmativa no sentido de garantir que o direito da pessoa com autismo seja cumprido, e que o símbolo que identifica ela nas placas prioritárias esteja lá afirmando isso", completa o advogado. 

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