Era uma manhã de domingo comum quando Giulia deixou seu cachorro, Aladdin, em uma petshop para tomar banho. Ao retornar para buscá-lo, a tutora recebeu um animal assustado e completamente tosado, longe do que havia pedido aos atendentes. Já em casa, ela percebeu que o animalzinho havia sido depilado com lâminas de barbear, o que provocou cortes profundos em sua pele.
O animal tinha assaduras em diversas partes do corpo e teve seus bigodes e unhas cortados excessivamente, o impedindo de caminhar. Durante dez dias, o Aladdin ficou imóvel, chorando, sem conseguir levantar da cama. "Foi muito difícil", conta Giulia. Mesmo com sinais de maus tratos, o estabelecimento não foi responsabilizado, pois não havia comprovação de que os ferimentos ocorreram em suas dependências.
Buscando reduzir casos como o de Aladdin, a Câmara de Porto Alegre aprovou uma lei que obriga petshops a gravarem todos os procedimentos realizados no estabelecimento. Os vídeos devem ser guardados pela organização durante sete dias, período em que clientes podem contestar o serviço prestado e acessar as imagens. “Chegam muitas reclamações nos nossos gabinetes de cãozinhos que foram machucados, dos gatinhos, enfim. E aí, pergunta para o proprietário e fica elas por elas”, explica o vereador José Freitas (Republicanos), autor do projeto.
De acordo com o parlamentar, a ideia inicial era tornar obrigatória a instalação de câmeras de segurança nos estabelecimentos. No entanto, considerando o custo que a adequação geraria, a proposta requisita apenas a gravação dos atendimentos, podendo ser realizada até em celulares. As lojas têm 90 dias após a sanção da lei para começar a cumprir com a obrigatoriedade. No momento, o texto está sob análise do prefeito Sebastião Melo (MDB).
Mesmo aprovada, a proposta encontrou certa resistência no plenário. Como um dos parlamentares que votou contra o texto, o vereador Jessé Sangalli (PL) argumenta que apesar de enxergar o mérito e a importância da medida, a mudança pode gerar custos que inviabilizem alguns estabelecimentos. “Eu concordo que essa prática é desejável, mas ter a regra é um ponto de vulnerabilidade para esse empreendedor ser fiscalizado”, defende. Sangalli concorda que a possibilidade de realizar as gravações com qualquer dispositivo mitiga os custos, mas não resolve os problemas. “Como eu tenho experiências de que, às vezes, a fiscalização é abusiva e se prende a coisas que não precisava, eu prefiro que não exista regra do que existir e poder ser usada contra o empreendedor”.
Na visão de Fernanda Medeiros, doutora em direito ambiental, a nova legislação garante proteção aos animais e aos proprietários dos estabelecimentos. Fernanda, que trabalha diretamente com a causa animal, explica que os pets são amparados pela Constituição Federal, que proíbe qualquer prática de maus tratos. “Estamos falando de seres que sentem. Não estamos falando de um celular que estragou, de uma cadeira que quebrou, estamos falando de um animal que morreu”, pontua.
Apesar de reconhecer que mudanças podem trazer incômodos, ela defende que a adequação “faz parte da regra do jogo”. “É um empreendimento que vive e lucra a partir dos animais, então devem garantir a segurança deles”, argumenta.
Ainda que a gravação obrigatória seja uma novidade, várias petshops da Capital já implementaram o monitoramento, como conta William de Oliveira, head da Pet Anjos, empresa que cuida dos serviços oferecidos pela Cobasi. Segundo ele, as lojas da Cobasi contam com câmeras no espaço onde são realizadas as consultas médicas, assim como nas áreas secas e molhadas dos banhos e tosas e na recepção. Além disso, o estabelecimento possui “aquários de vidro”, permitindo que os clientes assistam os procedimentos realizados em seus pets. “Independente se a cidade tem ou não uma lei que obriga, a Cobasi já tem essa estrutura em todas as unidades ”, explica.
Para Oliveira, as medidas trazem mais transparência, ajudando a estabelecer uma relação de maior confiança com o tutor. “É uma atividade que lida com a vida”. Além disso, as câmeras beneficiam o próprio estabelecimento, já que, a partir das imagens, é possível analisar os serviços e repensar protocolos, a fim de melhorá-los e otimizá-los.
O diretor da Pet Anjos conta que as imagens registradas já foram usadas para sanar dúvidas de tutores, às vezes até comprovando que possíveis lesões não ocorreram na petshop. Quando é solicitada a revisão dos vídeos por algum cliente, é feita uma análise interna, uma verificação de protocolo de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e então o tutor é chamado para assistir às gravações. “Traz mais segurança para todas as partes, para o cliente, para o profissional e para a empresa também”, finaliza.