“Hoje, para mim, não tem significado nenhum. Mas, antes significava muito. Eu aprendi a conviver com isso. Aprendi a viver sem o nome do meu pai”, afirma Cristiano do Amaral, de 49 anos. Em quase cinco décadas de vida, foram apenas três dias de convívio com o pai, que não se dedicou ao exercício do cuidado e do afeto.
Na tarde da última sexta-feira (15), Cristiano foi até a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) com a sua nora Giovana Guedes e seu neto Arthur Guilherme Guedes, de três anos. O destino foi o mutirão Meu Pai Tem Nome, uma iniciativa anual do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege). A visita, contudo, não teve nenhuma relação com a sua própria certidão de nascimento.
Em abril de 2025, o pequeno Arthur perdeu o seu pai, Guilherme Souza do Amaral. A separação precoce veio antes do registro formal da paternidade. Quatro meses depois, o mutirão foi fundamental para a família realizar o reconhecimento. “Isso vai ajudar muito a gente. Eu fico muito agradecida e feliz por poder ver o nome dele ali. Tenho certeza de que ele adoraria”, conta a mãe Giovana, de 22 anos.
“Isso vai ajudar muito a gente. Eu fico muito agradecida e feliz por poder ver o nome dele ali. Tenho certeza de que ele adoraria”, conta a mãe Giovana
BRENO BAUER/JC
Para o avô, o espaço disponibilizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) encurtou distâncias para um futuro melhor para o neto. “O Arthur não vai crescer como eu. Não vai ser mais uma criança sem o nome do pai. Registrar o nome do meu filho na certidão do meu neto é bem gratificante”, explica Cristiano.
Paternidade para além do papel
O Meu Pai Tem Nome é um projeto que acontece desde 2022 e visa estimular o reconhecimento da paternidade biológica e socioafetiva. “É um incentivo não só ao reconhecimento formal, que é o nome do pai na certidão de nascimento. Mas, também uma sensibilização a respeito de uma paternidade presente e afetiva, que realmente seja estruturante no desenvolvimento do indivíduo”, explica a defensora pública Paula Simões Dutra de Oliveira, dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente.
Entre 2020 e 2025, cerca de 770 mil brasileiros foram registrados sem o nome do pai na certidão de nascimento, segundo o Portal da Transparência. Somente no Rio Grande do Sul, pelo menos 35 mil recém-nascidos foram registrados apenas com o nome da mãe nos últimos cinco anos, de acordo com dados dos Cartórios de Registro Civil do RS.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aponta que o reconhecimento do estado de filiação é um “direito personalíssimo, indisponível e imprescritível”, que pode abrir uma série de portas, incluindo auxílios financeiros importantes para assegurar condições dignas de desenvolvimento. Mas, não para por aí.
“Uma das implicações relacionadas ao reconhecimento da paternidade é a obrigação daquele pai de prover o sustento, de pagar alimentos. Mas não é só isso que a gente pensa. A gente também pensa, realmente, como um suporte afetivo e estruturante”, explica Paula. Foi com isso em mente, que construiu-se a programação do mutirão Meu Pai Tem Nome.
"Quero ser o pai que eu não tive"
Quando descobriu a iniciativa, Maxwell Oliva da Silva, de 27 anos, não pensou duas vezes: pediu liberação do trabalho para ir até o mutirão. “Eu tenho um filho de cinco anos que não vejo há um ano e seis meses e eu quero colocar o meu nome no registro dele. Mas, a minha ex-esposa não aceita. Disse que eu não sou o pai, mas eu sei que eu sou. Quando ele nasceu, era eu que estava lá”, explica.
O caso de Maxwell será judicializado, e todos os trâmites iniciais do processo, incluindo uma ligação à antiga companheira, puderam ser adiantados na tarde da última sexta-feira, contando com o suporte jurídico da Defensoria Pública do Estado. Para o pai, essa foi uma oportunidade valiosa. “Meu filho é tudo pra mim, eu só quero ser o pai que eu não tive”, completa.
Além de oferecer atendimentos jurídicos, a programação, que se estendeu das 13h às 17h, contou com ações de reconhecimento à paternidade, incluindo a realização de coletas para exames de DNA. Também houveram atividades de educação em direitos, sessões de mediação familiar e oficinas de parentalidade responsável, com debates sobre a importância da figura paterna na vida de uma criança.
A programação, que se estendeu das 13h às 17h, contou com ações de reconhecimento à paternidade, incluindo a realização de coletas para exames de DNA
BRENO BAUER/JC
A psicóloga Simone Vieira da Cruz, que atua na DPE/RS, organizou uma dessas oficinas. A iniciativa explorou o significado de paternidade para cerca de 25 participantes. "Oportunizar espaço de reflexão e diálogo é fundamental para que a gente possa mudar o pensamento. E a gente certamente pode mudar para melhor", ressalta.
"A criança é um ser humano. Ela vai se tornar jovem, vai se tornar adulta e vai olhar para uma certidão de nascimento sem o reconhecimento paterno. Isso afeta o desenvolvimento emocional dessa pessoa. Mas, a questão do reconhecimento da paternidade não envolve apenas o fator biológico. Trata-se, acima disso, de reconhecer a importância da função paterna", completa Simone.