“Desde o início, reparei que havia muitos animais mortos. Comecei a pesquisar sobre os atropelamentos em estradas, e notei que não tinha nada feito nesta região. Só então, me dei conta que, muito provavelmente, o Estado todo teria esse problema”, destaca o defensor público Guilherme Henrique Mariani. Foi a partir de suas vivências na RSC-101, que o integrante do Núcleo de Defesa Ambiental (Nudam) da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS) percebeu que algo precisava ser feito para mitigar o número de colisões envolvendo animais silvestres.
Assim, se deram os primeiros passos para a emissão da recomendação conjunta nº 01/2025 entre a DPE/RS e o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS). O documento, endereçado à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), determina a obrigatoriedade de executar um Plano de Mitigação de Atropelamentos de Fauna (PMAF) em todas as rodovias de responsabilidade estadual, que correspondem a 65% da malha rodoviária gaúcha.
O problema em números
De modo geral, não há estimativas precisas quanto ao número de atropelamentos de animais. A maioria dos estudos considera apenas trechos específicos. Um exemplo é o levantamento realizado pela concessionária Caminhos da Serra Gaúcha (CSG), em 2023. Os dados apontam que foram 1.312 ocorrências em um período de oito meses nos 231 km de rodovias, situados entre a Serra e o Vale do Caí.
Sabe-se, contudo, que há pouco mais de dez anos, uma pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas estimou que cerca de 475 milhões de animais silvestres morrem atropelados por ano no Brasil. Ao todo, isso representa 15 mortes a cada segundo.
Para além do judiciário
Em janeiro de 2025, depois de identificar o problema, o defensor procurou o professor Andreas Kindel, que coordena o Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF/Ufrgs).
O laboratório universitário, que avalia e divulga os impactos das estradas sobre a biodiversidade, já atuava junto da própria Fepam e do Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer). Foi a partir daí, que surgiu a ideia de reunir diferentes atores para buscar uma solução administrativa.
O próximo passo foi contatar a procuradora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan e a promotora de Justiça Annelise Monteiro Steigleder, ambas do MP/RS. E, na sequência, agendou-se uma reunião com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Fepam e Daer. “A ideia era discutir encaminhamentos para evitar uma judicialização e acelerar o processo”, destaca Kindel.
A recomendação conjunta é um instrumento extrajudicial. Ou seja, não é uma lei. Mas, também não é um convite. Trata-se de um ato enunciativo concreto que exerce poder coercitivo sobre seus destinatários. Em outras palavras, embora não seja uma ordem, o descumprimento das orientações previstas na recomendação pode acarretar consequências negativas, incluindo sanções ou multas.
Desta vez, esse não foi o caso. A proposta foi integralmente acolhida pelo órgão ambiental, que se comprometeu em revisar e atualizar as licenças de operação das rodovias. No início de maio, a recomendação conjunta já estava no papel, pronta para ser colocada em prática.
Mas, o que muda?
A busca por maior proteção para os animais não é recente. Pelo contrário, desde 1988, o Art. 23 da Constituição Federal atribui ao Poder Público a responsabilidade de “preservar as florestas, a fauna e a flora”. Há ainda o Código do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, instituído pela Lei Estadual nº 11.520 de agosto de 2000. A legislação reforça o dever de implementar programas de preservação, realizando a fiscalização dos recursos faunísticos.
Esse conjunto de normas motivou a criação da diretriz técnica n°06/2018 da Fepam, que determina normas de licenciamento ambiental para rodovias estaduais, incluindo a realização de mapas diagnósticos e inventários. O documento prevê ainda o monitoramento regular do número de colisões envolvendo animais silvestres.
Entretanto, apenas monitorar não vinha sendo suficiente para reverter o cenário dos atropelamentos. Para a promotora Annelise Monteiro Steigleder, que é professora de Direito Ambiental, já era a hora de adotar medidas práticas.
“É preciso realmente estabelecer um plano de mitigação, identificar as áreas mais críticas e, acima disso, apresentar alguma solução técnica para tentar minimizar o impacto”, destaca Annelise.
Com a mudança, portanto, as concessionárias, em parceria com consultorias, terão dois anos para apresentar alternativas de prevenção de colisões, como a inserção de placas sinalizadoras e lombadas eletrônicas, assim como manejo de vegetação. De acordo com Kindel, o cercamento de áreas de risco e a criação de pontes para passagem segura de animais também são boas alternativas.
Os próximos passos
Em nota, a Fepam destaca que as medidas de proteção já estão sendo adotadas. Entre elas, a atualização das Licenças de Operação de rodovias para inclusão da condicionante que obriga a execução do PMAF.
De acordo com o documento, as novas licenças de operação já devem exigir o plano. Já as antigas deverão ser atualizadas até agosto, quando será apresentada a proposta preliminar do novo Termo de Referência (TR) para o PMAF. Todas as etapas do processo serão fiscalizadas pelo Ministério Público.
Além disso, a Fepam coordena atualmente a revisão da Diretriz Técnica nº 06/2018, com apoio do NERF e de técnicos da própria fundação. Mas, as reivindicações não terminarão por aí. Caso a medida seja bem-sucedida, os próximos passos do defensor público incluem ampliá-la para as rodovias federais, que representam 35% da malha.