A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR1), que trata da gestão de riscos ocupacionais, marca um ponto de inflexão nas relações de trabalho ao reconhecer oficialmente a importância da saúde mental no ambiente corporativo. Embora sua entrada em vigor, que ocorreria em 26 de maio deste ano, tenha sido adiada para 2026, o novo texto da norma sinaliza que doenças psicossociais, como depressão, ansiedade e estresse, passam a ser encaradas não apenas como questões individuais, mas como responsabilidades organizacionais.
Em entrevista ao Jornal da Lei, o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Pedro Fagherazzi, destaca que essa mudança exige um novo olhar por parte das empresas, que agora precisam estruturar ações concretas para cuidar do bem-estar emocional de seus colaboradores. Para ele, é preciso ir além da contratação pontual de psicólogos ou de ações isoladas: o cenário ideal envolve monitoramento contínuo, líderes preparados e ambientes baseados em confiança e respeito.
Jornal da Lei - A nova NR1 foi adiada por mais um ano. O que essa atualização representa e qual sua avaliação sobre as mudanças propostas?
Pedro Fagherazzi - A NR1 traz uma mudança significativa ao colocar no centro das atenções as doenças psicossociais, como estresse, depressão e outros transtornos mentais que afetam diretamente a produtividade e causam afastamentos. Isso gera um custo muito grande ao SUS e à própria empresa. A norma vem dizer às empresas: "vocês precisam cuidar disso". Na prática, os casos de doenças mentais aumentaram de forma assustadora nos últimos anos. Os números de afastamentos são impressionantes. A NR1 impõe um novo olhar para a gestão de pessoas: não se trata apenas de segurança física, mas de saúde emocional.
JL - Esse adiamento foi motivado pela falta de preparo das empresas?
Fagherazzi - Exatamente. As empresas não estavam preparadas. Muitas ainda não sabem como agir... se contratam psicólogos, se montam uma estrutura interna, se terceirizam o serviço. Nós mesmos, na ABRH-RS, criamos um curso específico sobre a NR1 e já estamos na sexta turma. Há uma corrida agora para se adequar, mas foi comum o comportamento de deixar para a última hora e depois pressionar pelo adiamento.
JL - Que tipo de acompanhamento ideal as empresas deveriam oferecer em saúde mental?
Fagherazzi - No melhor cenário, é necessário monitoramento constante da saúde emocional dos colaboradores, com dados reais, além de avaliações sobre o clima organizacional. A liderança tem papel central nisso. Uma chefia autoritária e controladora gera estresse, afastamentos e baixa produtividade. E o problema se agrava também porque as novas gerações simplesmente não aceitam mais esse tipo de gestão.
JL - De forma mais ampla, que recomendações vocês dão para que o ambiente de trabalho seja positivo, não apenas em termos de saúde mental, mas de saúde física e relações saudáveis?
Fagherazzi - Tudo começa pela liderança. Sempre defendi que o time é reflexo do líder. Um bom líder reduz estresse, evita acidentes, melhora a saúde física e emocional das pessoas. Enquanto a saúde física vem sendo tratada há mais tempo nas empresas, com normativas rígidas, a saúde mental ficou para trás. Mas agora é a prioridade. Um ambiente positivo depende de confiança, respeito, equilíbrio nas cobranças e no reconhecimento.
JL - Como o senhor define um bom líder?
Fagherazzi - Para mim, liderança se baseia em três pilares: confiança, delegação e responsabilização. Eu só trabalho com quem confio. Se há confiança, posso delegar. E responsabilizar é reconhecer o bom trabalho e apontar o que pode ser melhorado. Não é só cobrar: é construir junto. O oposto disso é o comando e controle, aquele modelo antigo do "eu mando, você obedece", que não funciona mais. Os jovens não aceitam isso, e mesmo quem aceita por necessidade, adoece.
JL - A ABRH-RS pode ser vista como uma entidade voltada às empresas. Como demonstrar que também apoia os trabalhadores?
Fagherazzi - Na verdade, apoiamos tanto as empresas quanto as pessoas. Entendemos que, ao ajudar os profissionais a se desenvolverem, também estamos contribuindo para o sucesso das organizações. Nosso papel é promover esse equilíbrio entre capital e trabalho, porque um não existe sem o outro. Um ambiente produtivo, saudável e rentável para a empresa só é possível com pessoas bem cuidadas.
JL - Qual é o papel de vocês nas relações de trabalho e qual a missão da entidade?
Fagherazzi - Temos como missão desenvolver pessoas. Trabalhamos desde jovens, com a ABRH Estágios, fazendo a ponte entre escolas e empresas, até executivos, com cursos técnicos, fóruns e congressos voltados à liderança e gestão de pessoas. Nosso foco principal são os profissionais da área de recursos humanos e as lideranças de todos os setores.