A dificuldade financeira de clubes de futebol no Brasil atinge cifras enormes. De acordo com a consultoria Sports Value, o endividamento total dos times do Campeonato Brasileiro de 2024 ultrapassou a marca de R$ 12 bilhões. Para contornar essa situação, o Inter assinou na semana passada a Transação SOS-RS, acordo de transação tributária junto à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que regularizou a dívida de R$ 378 milhões em tributos federais e equacionou cerca de 18 anos de débitos fiscais. Com a negociação, o Colorado diminuiu seus débitos para R$ 201 milhões.
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A lista de clubes que aderiram à transação inclui equipes como Vasco, Corinthians, Botafogo, Fluminense, Flamengo, Cruzeiro e Chapecoense. Além de empresas de outros nichos como companhias aéreas, saneamento básico, construtoras, bancos e até pessoas físicas.
O especialista em Direito Tributário, João Artur Müller, acredita que a negociação possibilita aos clubes uma situação de regularidade financeira. "Permite uma fluidez de caixa maior para conseguir investir em outros âmbitos, sem se preocupar em ter as contas bloqueadas", esclareceu. Ele também afirma que pode haver distinção no acordo por setores específicos da economia.
A transação tributária é uma política pública de fiscalidade que considera a situação de cada contribuinte individualmente e o grau de recuperabilidade da dívida. Segundo Müller, este modelo de negociação já tinha previsão junto ao Código Tributário Nacional (Artigo 171) desde a década de 1960, mas foi implementada ainda em 2019, com a edição da Medida Provisória 899 e entrou em vigor no ano de 2020, com a Lei 13.988, visando auxiliar empresas afetadas pela pandemia da Covid-19.
"O Ministério da Fazenda enxergou ganhos enormes na transação. Pois encerrava discussões no judiciário em dívidas que dificilmente seriam pagas. Era uma forma mais eficiente de resgatar recursos públicos através de uma negociação entre a Fazenda e o contribuinte", explica Muller.
Nos casos dos clubes de futebol, existem duas classificações que se enquadram melhor nos cenários: transação por adesão e transação individual. A por adesão, não possibilita muito espaço para negociação quanto à forma de pagamento e prazo. Em contrapartida, a individual trata-se de uma negociação mais flexível.
Desde 2019, a transação tributária, segundo a PGFN, possibilitou mais de 3,3 milhões de acordos em todo o País. Com essas transações, a entidade recuperou R$ 82,4 bilhões da dívida ativa da União, sendo R$ 34,1 bilhões, que entraram nos cofres públicos em 2024.
O acordo assinado pelo Inter faz parte da Transação SOS-RS, que visa juntar esforços da União em prol da recuperação econômica do Rio Grande do Sul após as enchentes do ano passado. O programa regularizou R$ 4,1 bilhões e resultou em mais de 5,8 mil acordos firmados por contribuintes com domicílio fiscal no Rio Grande do Sul.
Müller acredita que estes acordos melhoraram significativamente o cenário econômico do Estado. "Se não fosse ofertado, possibilitando aos contribuintes regularizarem a sua situação perante o físico nacional, o cenário estaria bem pior. Teríamos mais empresas entrando com pedidos de recuperação judicial, ou até mesmo inadimplentes, colocando em risco a economia do RS", disse.
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Com o novo acordo, o Inter teve direito ao maior desconto possível destinado pelo programa, no qual incide sobre multas, juros e encargos da dívida. A conta previdenciária teve redução de 44%, ficando em R$ 35 milhões. Em relação às demais, foram submetidas a um desconto de 47%, totalizando R$ 165 milhões. Os valores serão pagos em até 60 e 45 meses, respectivamente.
Para o presidente do Inter, Alessandro Barcellos, o acordo tem um impacto positivo na vida financeira do clube, ajudando no equilíbrio de finanças. "A negociação regulariza débitos e reduz um passivo importante. Ajuda a equilibrar as finanças, e com isso, poder projetar melhor investimentos. Se não ocorresse o acordo, teríamos dificuldades em equilibrar as contas", pontua.
Por parte do clube na negociação, foram apresentadas garantias bancárias, que nas palavras da procuradora da Fazenda Nacional Telma Gutierrez, que conduziu o caso, trata-se de "um aporte considerável". Além disso, o Colorado comprometeu-se a desistir dos processos judiciais que discutem os débitos transacionados e manter a regularidade fiscal evitando novos débitos e regularizando, em até 90 dias, quaisquer dívidas que venham a ser inscritas.
Müller explica que caso estas cláusulas não venham a ser cumpridas, os bens postos nas garantias podem passar à União. Impedimentos de novas negociações com a Fazenda Nacional também podem ocorrer em caso de descumprimento.
O especialista destaca o favorecimento de ambas as partes. "A instituição consegue ficar em uma situação regular, sem sofrer risco de bloqueio de contas em razão de uma dívida tributária, como também a sociedade ganha com a injeção desses recursos que vão ser destinados para áreas comuns da sociedade, como saúde, educação e segurança", conclui.