Camila Oliveira
Tributarista e professora da Trevisan Escola de Negócios
A aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLC) 108/2024 pelo Senado é um passo esperado dentro da segunda fase da Reforma Tributária, mas levanta pontos de atenção importantes. A criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é apresentada como solução para unificar a gestão do novo tributo. Porém, o modelo aprovado ainda carece de maior clareza sobre como se dará, na prática, a governança entre União, estados e municípios.
Há riscos e pontos críticos que precisam ser mais bem avaliados. O Comitê terá a função de centralizar arrecadação e distribuição de receitas, mas sem regras detalhadas de tomada de decisão há risco de conflitos federativos que podem comprometer a eficiência do sistema.
Embora se fale em segurança jurídica, a falta de definições mais objetivas pode gerar justamente o contrário: novas disputas judiciais sobre competências e critérios de partilha.
A promessa de redução do contencioso tributário só será alcançada se houver simplicidade real nos procedimentos. O risco é termos apenas uma mudança de forma, sem enfrentar de fato a complexidade do sistema.
Os ajustes acolhidos no texto, feitos pelo relator, o senador Eduardo Braga, foram celebrados como avanços, mas muitos deles parecem mais uma forma de acomodar pressões políticas dos diferentes entes federativos, do que um movimento efetivo de aprimoramento técnico.
Um exemplo claro disso é a alteração do período base para cálculo da alíquota de referência do IBS. Na versão anterior, seriam usados dados históricos de 2012 a 2021. Agora, o texto prevê que sejam considerados os anos de 2024 a 2026.
À primeira vista parece apenas um detalhe contábil, mas na prática isso muda completamente o ponto de partida da repartição de receitas entre os entes. Estados com crescimento recente serão favorecidos, enquanto outros podem sofrer perdas. Ou seja, é um ajuste que atende pressões regionais, mas cria insegurança sobre a estabilidade do sistema no médio prazo e pode gerar contestações futuras.
Outro ponto de preocupação é a criação da Câmara Nacional de Integração do Contencioso Administrativo. A ideia de uniformizar teses de IBS e CBS é positiva, mas o texto aprovado não deixa claro quais serão os critérios de acesso, o alcance das decisões e as garantias processuais dos contribuintes.
Sem isso, abre-se espaço para disputas sobre legitimidade e até questionamentos judiciais por suposto desequilíbrio entre Fazenda e contribuinte. Ou seja, uma instância criada para reduzir litígios pode acabar se tornando mais uma frente de judicialização.
Também chama atenção a combinação de dois movimentos contraditórios: ao mesmo tempo em que se fala em “transição pedagógica” para adaptação ao novo modelo, o projeto prevê penalidades bastante severas, com multas que podem chegar a 100% ou mais do valor devido. Sem critérios objetivos e sem clareza sobre o que será entendido como erro material ou intencional, há risco de penalização desproporcional, o que afasta o contribuinte da conformidade em vez de aproximá-lo.
Em síntese, o texto traz avanços especialmente na tentativa de padronizar obrigações e criar instâncias de resolução administrativa. No entanto, ainda há lacunas importantes que precisam ser corrigidas na Câmara antes da versão final.
O Comitê Gestor e os órgãos de contencioso precisam ter regras muito bem definidas para que não se transformem em arenas de disputa política ou em máquinas de litígio. Reforma Tributária sem segurança jurídica é apenas mudança de formato e não transformação estrutural.