A reforma tributária brasileira, aprovada em 2023 e atualmente em fase de regulamentação, promete transformar profundamente o ambiente de negócios no Brasil. Para o especialista em Direito Tributário do Sebrae Nacional e advogado tributarista Edgard Fernandes, que também é conselheiro do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), a mudança representa um “grande avanço para o setor produtivo”, mas exige das empresas atenção redobrada para garantir uma adaptação eficiente e estratégica.
Fernandes foi um dos debatedores do segundo painel do VII Fórum Nacional do Comércio, promovido pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), realizado nos dias 21 e 22 de outubro, em Brasília. O encontro reuniu líderes empresariais, autoridades públicas e representantes de entidades do setor produtivo de todo o Brasil para discutir “As novas fronteiras da política e dos negócios”, o tema central desta edição.
Em entrevista concedida ao Jornal do Comércio, o tributarista destacou que os pequenos negócios devem se preparar com antecedência para usufruir plenamente das vantagens trazidas pela nova legislação, que prevê simplificação de processos, redução de custos e automação de etapas relacionadas ao recolhimento de tributos.
Fernandes também defende aprimoramentos no Simples Nacional, de modo a integrá-lo de forma mais harmônica à nova estrutura tributária baseada na não cumulatividade e na justiça fiscal. A seguir, os principais trechos da entrevista.
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JC Contabilidade – A reforma tributária é vista como um avanço?
Edgard Fernandes – Sim, é um grande avanço para o setor produtivo. Os principais ganhos imediatos para os pequenos negócios vêm com simplificação e a desburocratização do ambiente de negócios. Teremos um ganho absurdo em termos de redução de obrigações acessórias. Deste modo, o empresário terá menos custos e mais tempo disponível para se preocupar com seu negócio. Para se ter ideia, o último estudo Doing Business do Banco Mundial (2021) apontava que empresas brasileiras gastam entre 1.483 e 1.501 horas por ano para preparar, declarar e pagar impostos, mais do que qualquer outro país. Com a nova sistemática da reforma, esse tempo será bem próximo de zero.
Contab – O senhor citou a apuração assistida e o split payment. Como essas mudanças ajudam o empresário?
Fernandes – Como citado anteriormente, essas mudanças reduzem substancialmente as obrigações do empresário em apurar, declarar e pagar os impostos. Basicamente, a única obrigação será emitir a nota fiscal ao cliente e efetuar o pagamento ao fornecedor. Toda a parte operacional, inclusive o recolhimento do imposto, será automatizada e disponibilizada ao final do período de competência para simples conferência.
Contab – Os benefícios da reforma serão automáticos?
Fernandes – Não necessariamente. As empresas devem se preparar para usufruir desses benefícios com a escolha do regime tributário mais adequado, análise de fornecedores, melhoria de processos e investimento em educação financeira. A falha em uma dessas ações pode trazer grandes prejuízos financeiros e até competitivos.
Contab – O que muda para as empresas do Simples Nacional a partir de 2026?
Fernandes – A principal mudança é que as empresas deverão escolher, em 2026, qual regime de apuração adotar em 2027 — se desejam recolher o IBS e a CBS pelas tabelas do Simples ou pelo regime regular. Também será obrigatória a emissão de documento fiscal eletrônico com campos e códigos específicos, e até os MEIs deverão emitir nota fiscal em todas as operações.
Contab – Essa escolha pode afetar a competitividade das empresas?
Fernandes – Sim, essa escolha será essencial. Se o pequeno negócio atua no início ou meio da cadeia produtiva, com operações B2B, poderá ser mais benéfico um regime. Já para quem vende direto ao consumidor final (B2C), pode ser mais vantajoso outro. Cada caso deve ser analisado cuidadosamente, considerando os créditos tributários a receber ou transferir.
Contab – Como o Sebrae está apoiando os empreendedores nesse processo?
Fernandes – O Sebrae oferece cursos, consultorias, mentorias e ferramentas, sendo muitos gratuitos — para orientar os empreendedores desde a abertura até a gestão do negócio.
Contab – O senhor mencionou a necessidade de aprimorar o Simples Nacional?
Fernandes – Ainda estamos avaliando o impacto real da reforma sobre a competitividade dos pequenos negócios, mas é provável que o Simples precise ser ajustado para melhor integração à nova estrutura de não cumulatividade e à justiça fiscal. O objetivo é garantir o tratamento diferenciado previsto na Constituição.
Contab – O senhor também citou a Nota Fiscal de Serviço Eletrônica (NFS-e). Qual sua importância?
Fernandes – Esse sistema, disponibilizado gratuitamente pela Receita Federal, é essencial porque padroniza e simplifica a emissão de notas fiscais de serviço. Basta um celular com o aplicativo para emitir o documento, tornando o processo acessível e prático para o empreendedor.
Contab – Quais cuidados práticos o empresário deve adotar desde já?
Fernandes – É fundamental planejar o regime tributário mais adequado, revisar fornecedores, aprimorar processos e investir em educação financeira. Quanto antes o empresário se preparar, menor será o risco de ser surpreendido.
Contab – A transição até 2033 é um período longo. Isso traz segurança ou incerteza?
Fernandes – É um período longo, mas necessário. O Brasil possui um sistema complexo, com tributação no local do estabelecimento e diversos benefícios fiscais. A transição gradual permite adaptação, embora traga custos operacionais e riscos de erro, especialmente pela necessidade de apurar até três regimes simultaneamente.
Contab – Qual sua avaliação sobre o futuro da reforma tributária?
Fernandes – A reforma será muito benéfica para as empresas e para o País. Espera-se um crescimento econômico expressivo, com aumento da produtividade e surgimento de novos negócios. Mas é essencial que o empresário faça o dever de casa e se planeje adequadamente para colher esses frutos.