A transição para o modelo dual de tributação, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), inaugura uma nova lógica de precificação no Brasil. A mudança, prevista pela reforma tributária, vai muito além da apuração de tributos: impacta diretamente a formação de preços, a gestão financeira e a competitividade das empresas, sobretudo no setor de serviços. Para o advogado e contador Edinilson Apolinário, diretor de conteúdo e líder da Reforma Tributária para o segmento de corporações no Brasil da Thomson Reuters, e o contador Tairo Rolim Fracasso, conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS) e membro do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária da entidade, a adaptação ao novo sistema precisa começar agora, sob pena de perdas financeiras e fiscais no médio prazo.
Com o novo modelo, o valor final dos serviços deixará de embutir tributos indiretos cumulativos — como ICMS, ISS, PIS e Cofins —, passando a ter impostos destacados e creditáveis, conforme o padrão do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), adotado internacionalmente. Essa alteração traz mais transparência, mas também complexidade, exigindo revisão de contratos, políticas de preços e sistemas de gestão. Segundo Apolinário, as empresas precisam realizar simulações comparativas entre o regime atual e o novo, avaliando impactos sobre o fluxo de caixa e a carga efetiva de tributos. “O crédito fiscal será limitado ao valor efetivamente recolhido, o que afeta diretamente companhias do Simples Nacional e do Lucro Presumido. Essa limitação pode comprometer a competitividade, tornando urgente o planejamento estratégico e a comunicação assertiva entre áreas contábil, fiscal e financeira”, observa o especialista, que atuou como juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP) e soma mais de 25 anos de experiência na área tributária.
Para Fracasso, a reforma redefine o papel do contador e o coloca no centro das decisões empresariais. “A precificação passará a depender mais da gestão tributária e menos da acomodação de impostos dentro do preço final, o que reforça o papel estratégico do contador nesse novo cenário”, afirma. O conselheiro do CRCRS destaca que o período de transição — de 2026 a 2033 — exigirá atenção constante, já que o país conviverá com dois sistemas tributários simultâneos. “Empresas que se anteciparem estarão melhor posicionadas para aproveitar oportunidades de revisão de custos, contratos e estratégias”, complementa.
Uma das inovações mais relevantes é o split payment, o pagamento fracionado do imposto, que automatiza o recolhimento de IBS e CBS no momento da transação financeira. A medida tende a reduzir falhas e sonegação, mas também exige adequação tecnológica e integração entre sistemas contábeis e plataformas de pagamento. Outro avanço é a não cumulatividade plena, que permitirá o aproveitamento de créditos sobre insumos e despesas operacionais, como energia elétrica, aluguel e softwares. Contudo, a nova lei veda créditos sobre folha de pagamento e pró-labore, o que limita o benefício para setores de alta intensidade de mão de obra, como contabilidade, advocacia e consultoria.
Frente a esse cenário, Fracasso ressalta que os escritórios contábeis e de serviços devem revisar urgentemente suas planilhas de custos e modelos de precificação. “Embora a reforma amplie o direito a créditos tributários, o custo com pessoal continuará não gerando crédito, restringindo o efeito da não cumulatividade para empresas intensivas em mão de obra”, alerta. Já Apolinário reforça que o momento é de agir. “Os próximos anos serão determinantes. A Thomson Reuters identificou que 69% das empresas esperam impactos significativos até 2030, mas a maioria ainda está na fase inicial de análise. Quem se preparar desde já sairá na frente”, pontua.
A nova estrutura tributária também traz nuances específicas para os profissionais regulamentados. O artigo 127 da Lei Complementar nº 214/2025 prevê uma redução de 30% nas alíquotas de IBS e CBS para serviços prestados por profissionais liberais, como advogados e contadores, desde que atuem em atividades típicas da profissão. O dispositivo, segundo Fracasso, pode gerar um alívio competitivo e estimular o reposicionamento de empresas de serviços especializados, especialmente no Sul do país. “Esse diferencial fiscal ajuda a manter a atratividade do setor, mas exige planejamento e adequação rigorosa à legislação”, destaca o conselheiro.
Ainda que o novo modelo traga ganhos de transparência e eficiência, há preocupação com a perda de competitividade. O aumento da exposição tributária pode gerar resistência de clientes e necessidade de renegociar contratos para preservar margens. Para Apolinário, o desafio será equilibrar preço, crédito e compliance. “As empresas precisam revisar estratégias comerciais e contratuais à luz das novas regras. Quem não se adaptar corre o risco de enfrentar autuações, perda de créditos e distorções de precificação durante a transição”, adverte. LEIA MAIS NA PÁG TRÊS