O registro elevado de casos relacionados à lavagem de dinheiro no meio digital no Brasil tem feito muitas organizações ficarem mais atentas às questões de compliance e à necessidade de manterem a integridade financeira. Luciano Malara, professor do MBA em Governança, Riscos e Compliance da Trevisan Escola de Negócios, destaca que esta modalidade de crime pode prejudicar a reputação, além de envolver riscos financeiros e legais significativos para as empresas.
De acordo com o especialista, estas ações criminosas têm motivado investimentos, sendo que uma delas é em treinamentos dos funcionários, com o objetivo de identificar e evitar possíveis atividades suspeitas. Ele explica que o avanço das novas tecnologias fez com que a lavagem de dinheiro aumentasse no meio digital com o uso de plataformas online, criptomoedas e transações digitais.
Segundo o professor da Trevisan, que também é sócio fundador da Missão Compliance, especializado em governança, gestão de riscos, compliance, investigação, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Auditoria ISOs 37.001 e 37.301, diante deste cenário preocupante, há a constatação do aumento do número de participantes nos treinamentos oferecidos pela escola.
"Até o momento, o percentual já é 10% superior ao ano passado, com o treinamento de aproximadamente 680 profissionais de empresas como o Banco Angolano de Investimentos, Sem Parar, Riachuelo e GOL", informa. Malara detalha ao JC Contabilidade um pouco mais sobre este assunto.
Para o JC Contabilidade, o especialista destaca que além de investimentos em treinamento, em novas tecnologias, como a Inteligência Artificial (IAs), o papel da área contábil é importante. Ele salienta que o contador é um dos principais agentes de salvaguarda das organizações para prevenir a ocorrência de lavagem de dinheiro.
JC Contabilidade - O senhor faz um alerta para redobrar os cuidados contra as ações criminosas que buscam constantemente encontrar pontos vulneráveis?
Luciano Malara - Não deixemos a atenção de lado em nenhum momento. É muito difícil fazer negócios, muito difícil construir uma reputação, é muito difícil manter-se íntegro e, por outro lado, o pequeno escorregão, seja de boa fé ou de má fé, vai acabar com a reputação em questão de segundos. Então, não deixe a porta aberta para que alguém pratique esse ato, que em segundos destrói tudo o que a empresa construiu ao longo de muitos anos e com muito esforço.
JC Contabilidade - Como as organizações estão buscando proteção?
Malara - O foco das empresas é preparar seus profissionais, principalmente das áreas de compliance, contabilidade, financeira, jurídica, para que possam entender para onde vai o dinheiro que sai da empresa, assim como de onde vem o dinheiro que entra. Com a Inteligência Artificial e outras tecnologias é possível ter um monitoramento mais forte e preciso e, assim, detectar qualquer ocorrência que fuja do regular.
Contab - As empresas estão atentas para detecção de irregularidades?
Malara - Na prática, o que se observa são ações que exigem da empresa atividades como o monitoramento de seus clientes, de seus parceiros, análise das transações, por exemplo, atípicas, ou seja, naqueles casos em que as movimentações são incompatíveis com o perfil do cliente.
Contab - As organizações perceberam a importância do treinamento para proteção da ação criminosa que está cada vez mais sofisticada?
Malara - É necessário estar alerta e, em paralelo, a tecnologia para rastreio de irregularidades, a vivência e conhecimento dos profissionais são extremamente importantes. As organizações criminosas trabalham à frente das empresas idôneas, com as mais avançadas tecnologias, sendo disruptivas em seus "modus operandi", com novas fraudes a cada dia, sem falar na capacidade que têm de burlar a lei.
Contab - É difícil a defesa contra a ação criminosa que também utiliza novas tecnologias?
Malara - Claro que com as novas tecnologias, cada vez mais, essas movimentações são difíceis de serem identificadas, mas as empresas precisam realmente criar um sistema de identificação, monitoramento, e também de rastreabilidade, para entender de onde vem o dinheiro e para onde ele está indo. Nós temos visto o surgimento de uma série de inovações por parte da criminalidade, principalmente, buscando desviar das rotas, que hoje estão protegidas pelas autoridades, pelas boas práticas, até por meio de tecnologias para conseguirem alcançar isso na ocultação e na lavagem de dinheiro. Para as organizações, isso realmente é um desafio, manter a integridade financeira em relação à lavagem de dinheiro no meio digital.
Contab - Investir no treinamento é fundamental?
Malara - Com certeza. O investimento não é realizado de uma forma única. A primeira etapa é informar as pessoas sobre o que está acontecendo na empresa. A segunda etapa é conscientizar as pessoas sobre qual é o impacto que isto representa. E a terceira é a sensibilização. Para que essas pessoas passem a entender que, se elas forem negligentes, ou omissas, ou até cúmplices dessa atividade, elas passam a se tornar criminosas em relação a leis penais, além de várias outras legislações.
Contab - O que é ministrado nos treinamentos da Trevisan?
Malara - Nos treinamentos ministrados pela Trevisan, além da legislação relacionada ao assunto, como a Lei 12.683 de 2012, que ampliou as penalidades e tornou mais abrangente a definição dos crimes relacionados à lavagem de dinheiro e demais regulamentos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Banco Central e outros órgãos nacionais e internacionais, são abordados os conceitos para entender os crimes financeiros. Também são abordadas as principais situações que envolvem lavagem de dinheiro, os canais utilizados para tal prática e como eles podem ser fechados pelas empresas. Um outro ponto são as responsabilidades das organizações, de seus gestores e dos colaboradores envolvidos no crime.
Contab - Os treinamentos também tratam das práticas e processos que fortalecem a prevenção?
Malara - Sim, como o KYC - "Know Your Customer" (ou "Conheça Seu Cliente", em português), ou seja, a verificação detalhada dos clientes, incluindo a coleta de informações, de identificação e a compreensão de suas atividades; o monitoramento contínuo das transações financeiras de clientes e parceiros, com vistas a padrões incomuns ou suspeitos; a realização de auditorias periódicas para garantir que as políticas estejam sendo seguidas para identificar vulnerabilidades; além dos relatórios de atividades suspeitas, entre outros.
Contab - O senhor pode falar da importância da área contábil em relação a lavagem de dinheiro em meio digital?
Malara - O profissional da área contábil é uma peça-chave, ele é um dos principais agentes de salvaguarda ao combate à lavagem de dinheiro, especialmente no contexto digital, onde as transações financeiras são complexas. Ele tem a capacidade de criar e sofisticar cada vez mais os controles, de uma maneira criativa, com muita inovação, aprimorar as circulações, aprovações, os pagamentos, os recebimentos, a entrada de novos clientes e conta com ferramentas específicas para isso.