Fraudes corporativas no Brasil apresentam números elevados. Pesquisa da Grant Thornton, uma das maiores empresas de consultoria, auditoria e tributos do mundo, constatou esse preocupante cenário no último ano. De acordo com Alessandro Gratão Marques, sócio líder de Forensic, Investigation & Dispute Services (FIDS) da Grant Thornton Brasil, 63% dos respondentes identificaram uma ou mais fraudes nos últimos 12 meses. Destes, 90% classificaram a "oportunidade" como a principal motivação que influenciou a ocorrência, ocasionada pela deficiência ou ausência de controles, atividades de prevenção e detecção ou resposta aos riscos.
Marques, que é graduado em Ciências Contábeis com pós-graduação em Finanças e Eficiência Empresarial pela FIA Business School e MBA em Auditoria, Controladoria e Finanças Empresariais pela Fundação Getulio Vargas (FGV), explicou que a pesquisa, intitulada Diagnóstico das Fraudes no Brasil, tem como objetivo buscar um entendimento sobre o atual cenário sobre o tema no País.
Em entrevista ao JC Contabilidade, Marques, que também atua como professor de pós-graduação em diferentes instituições sobre o tema de Investigação Corporativa, Gestão de Riscos e Compliance, comentou sobre o estudo. Em seu currículo, o especialista tem mais de 20 anos de experiência em atividades de Serviços Forenses e ampla expertise em casos sensíveis de investigação corporativa, assim como casos de litígios e estruturação da governança em empresas para conquista de selos e certificações, em projetos nacionais e multinacionais.
Marques liderou projetos para implementação de Programa de Compliance e Investigação, vários deles oriundos de processos da Operação Lava Jato, com interação direta com escritórios de advocacia e Ministério Público Federal. Além de processos de investigação para aderência aos requisitos da Lei Anticorrupção Brasileira, investigação de fraudes e programas de compliance nos mais diversos ramos de indústria. Conduziu também projetos de Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) em multinacionais norte-americanas para atendimento aos requerimentos e solicitações diretas dos membros do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
JC Contabilidade - O estudo abrangeu companhias de diversos segmentos do Brasil. O que foi constatado?
Alessandro Gratão Marques - Sim, a pesquisa foi realizada com empresas de diferentes tamanhos e segmentos. Para as empresas de pequeno porte, 85% das fraudes ocorrem pela falta ou deficiência de controles internos. Por outro lado, para as corporações de médio e grande porte, 80% das ações ilícitas estão relacionadas às falhas ou ausência de mecanismos de resposta a ameaças.
Contab - As empresas fazem prevenção contra as fraudes e são eficientes?
Marques - A prevenção é fundamental, porém, há constatação de falhas no controle. A pesquisa observou que 67% dos entrevistados não aumentaram os investimentos em medidas preventivas, revelando uma postura reativa da alta administração, além de maior potencial dos riscos de fraudes. Empresas que investem em controle, integridade e prevenção colhem os frutos de uma gestão mais sólida, com redução de riscos, aumento da confiança dos stakeholders e melhoria da reputação.
Contab - As fraudes ameaçam o patrimônio do empresariado brasileiro?
Marques - Sim, a pesquisa faz este alerta, de que 46% dos casos envolveram valores até R$ 500 mil e ,em 39%, causaram prejuízos milionários, superiores a R$ 10 milhões. No entanto, em 93% das ocorrências, as companhias recuperaram menos de 20%.
Contab - O senhor destacou em outro momento que há situações de tolerância a fraudes financeiras. De que forma isso acontece?
Marques - É comum, em períodos de crescimento, os empresários e gestores terem maior tolerância a fraudes financeiras e enxergarem essas perdas como inerentes ao processo. Porém, em momentos de crise ou recessão, mesmo os pequenos desvios são identificados com mais facilidade pela redução de custos e dos mecanismos de dupla checagem implementados para acompanhar a saúde financeira da empresa.
Contab - O estudo buscou traçar um perfil do fraudador?
Marques - A pesquisa também tinha esse objetivo, ou seja, conhecer as características e os comportamentos mais recorrentes indicados no perfil do fraudador, revelando que a maioria dos casos envolve profissionais com experiência na empresa e ocupando cargos de confiança. Em relação ao tempo na empresa, 49% possuíam experiência entre um e cinco anos, ou seja, há conhecimento suficiente sobre o ambiente de controles e ações de monitoramento para racionalizar a probabilidade de detecção antecipadamente.
Contab - O senhor pode detalhar sobre as características do fraudador, conforme a pesquisa?
Marques - Nível de autonomia e influência do fraudador: em 47% dos casos, os fraudadores ocupavam cargos entre coordenador e presidente, seguido de especialistas a assistentes com 32%. Profissionais vinculados a terceiros (clientes, fornecedores, prestadores, subcontratados etc.) foram responsáveis por 14% das fraudes, o que reforça a importância de estender a todos os stakeholders os mesmos mecanismos de integridade aplicados aos colaboradores.
Contab - Qual são as motivações das fraudes?
Marques - Setenta e três das ocorrências tinham como objetivo o ganho financeiro, seguido pelo atingimento de metas, 10%, e a influência do ambiente ou a cultura organizacional, 8%. Já itens relacionados a fatores diversos como dívidas, vantagem pessoal, vicio e promover-se politicamente somam 7%. Idade: 87% das ocorrências foram cometidas por profissionais entre 26 e 45 anos. Gênero: 87% das fraudes foram cometidas por homens, 11% por mulheres e 2% por ambos em conluio. Não necessariamente os homens são mais propensos a fraudes. É preciso considerar que na realidade das empresas no Brasil ainda há maior incidência de cargos ocupados por homens, principalmente nas funções de liderança, o que pode influenciar neste resultado.
Contab - A pesquisa observou que existe reincidência de casos de fraudes nas corporações?
Marques - Sim. A falta de transparência leva à reincidência. A comprovação de fatos em investigações depende de evidências sólidas e documentadas. Nesse sentido, a pesquisa aponta que as análises de transações, 34%, sistemas de mensagens, 21%, e documento, 20%, são as principais fontes de provas para confirmar fraudes, fornecendo dados precisos sobre cronogramas, envolvidos e valores financeiros. Após a identificação do ocorrido, 80% dos fraudadores tiveram o vínculo encerrado sem uma medida de ação judicial contra o infrator.
Contab - Por que nem sempre as empresas estão dispostas a iniciar um projeto judicial contra os fraudadores?
Marques - Esse comportamento ressalta o risco de impunidade e possível reincidência no mercado pela falta de registros sobre os reais antecedentes das pessoas. As organizações, ao depararem com uma fraude, querem se livrar rapidamente do problema. Assim, nem sempre estão dispostas a iniciar um processo judicial contra o infrator. Como consequência, fraudadores e assediadores se movimentam de uma empresa para outra sem que esse histórico seja conhecido e podem reincidir em seus delitos.
Contab - Como lidar com a reincidência de fraudes?
Marques - Não basta tratar as situações pontualmente sem identificar e remediar a origem das fragilidades que permitiram o acesso do fraudador. Segundo os entrevistados, em 35% dos casos houve reincidência meses ou anos depois sobre a mesma origem. Dessa forma, o ideal é que, uma vez absorvidas as lições e com o plano de remediação executado com sucesso, a reincidência sobre a mesma natureza seja o mais próximo de zero possível.