Natiele de Assis
Advogada do escritório SCA - Scalzilli Althaus
Por muito tempo, a recuperação judicial (RJ) foi percebida como uma ferramenta exclusiva para a renegociação de dívidas com credores privados, como bancos e fornecedores. No entanto, sua aplicabilidade é bem mais ampla, especialmente quando se trata de passivos tributários junto à União — que, em muitos casos, representam um dos maiores desafios enfrentados por empresas em crise.
Diante de dificuldades financeiras, é comum que o pagamento de tributos seja postergado para priorizar despesas mais urgentes, o que acaba criando uma bola de neve. Débitos acumulados com a Receita Federal ou a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, seja por dívida ativa ou FGTS, podem representar uma parcela significativa das pendências de um negócio.
Mas, aqui, temos uma boa notícia: a legislação brasileira (Lei nº 11.101/2005 e portarias recentes) oferece oportunidades diferenciadas para empresas endividadas que venham a pedir recuperação judicial. Além de reestruturar dívidas privadas, o processo permite negociar passivos tributários em condições excepcionais, algo que não está disponível para negócios fora desse regime.
Um exemplo são as Portarias PGFN nº 6.757/2022 e RFB nº 247/2022, que estabeleceram parâmetros especiais para débitos considerados irrecuperáveis. Empresas em RJ podem, por exemplo, utilizar o prejuízo fiscal e a base de cálculo negativa da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para reduzir até 70% do saldo remanescente e parcelar o restante em até 120 meses.
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Ainda, as normativas não estabelecem um piso para que seja proposta a transação individual por devedores em situação de insolvência, possibilitando a negociação mesmo para empresas com dívida ativa federal inferior a R$ 10 milhões ou R$ 1 milhão a título de FGTS — limite exigido para outros perfis de devedores —, é possível negociar passivos tributários de forma vantajosa, o que possibilita a reorganização dos diversos tipos de débitos que desestabilizam a saúde financeira do negócio.
Cabe ressaltar que a legislação de recuperação judicial exige a comprovação de regularidade fiscal para a finalização do processo, sendo indispensável a negociação junto ao fisco. Dessa forma, a RJ não apenas facilita o diálogo com credores privados, mas também abre portas para acordos com vantagens mais expressivas e sustentáveis.
Essa abordagem diferenciada reflete uma compreensão mais ampla da função social das empresas. Negócios não são apenas geradores de lucro: eles são peças essenciais da economia, criando empregos, movimentando cadeias produtivas e integrando comunidades. O regime de recuperação judicial, ao incluir possibilidades de transação tributária, reconhece essa realidade e busca equilibrar os interesses do Fisco com a necessidade de sobrevivência e continuidade das organizações.
Ao permitir a transação individual com a União, a recuperação judicial representa uma alternativa poderosa para a reestruturação de empresas. As condições excepcionais para regularização fiscal oferecidas às empresas sob o regime ampliam as perspectivas de recuperação, envolvendo o Estado no projeto de estabilização financeira.
Dessa forma, os empresários que enfrentam dificuldades, ou que querem se antecipar a crises mais graves, devem enxergar a RJ não como um último recurso, mas como uma ferramenta estratégica. É essencial que as empresas busquem orientação jurídica especializada e analisem cuidadosamente os benefícios das condições legais disponíveis para maximizar os resultados do processo de recuperação.
Mais do que renegociar dívidas, a RJ oferece a possibilidade de reorganizar o negócio e buscar equilíbrio com diversos agentes envolvidos. Avaliar seu uso de forma antecipada e o planejar com profundidade e abrangência tendem a ser providências decisivas para evitar o fechamento das portas e garantir um futuro próspero.