Objeto de debates em diferentes espaços, do convívio social à universidade, o meio ambiente é tema de estudos em todos os campos da ciência, independente da área. Diante dessa onda de preocupações com os efeitos climáticos e o que é possível fazer para o futuro do planeta, a Contabilidade, mesmo que totalmente voltada a números, tabelas e comparativos, descobriu que pode dar sua parcela de contribuição. Da preocupação em tornar as empresas cada vez mais sustentáveis, nasceu a Contabilidade Ambiental.
Ainda que, à primeira vista, possa parecer incoerente, a parceria pode - e muito - contribuir para o futuro da humanidade. A especialidade se apresenta como uma ferramenta bastante útil para aferir o quanto as corporações se relacionam com o meio ambiente, se estão olhando ou não para temas relacionados à sustentabilidade e à gestão.
Como instrumento de registro e análise das operações de uma empresa, a Contabilidade Ambiental quer dar subsídios ao setor produtivo para que possa tornar os negócios mais sustentáveis. Trata-se de uma nova forma de trabalhar os lançamentos contábeis, a partir de levantamentos de números e informações que modificam a situação patrimonial, sempre com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Há quem aponte um discurso do então presidente da França, Jacques Chirac, em 1997, o responsável pelo primeiro despertar dos profissionais, durante o Congresso Mundial de Contadores. Naquele ano, Chirac chamou atenção para o papel fundamental da Contabilidade na modernização da economia, especialmente em assuntos sociais e tributários. No ano seguinte, em 1998, foi publicado o relatório pelo ISAR, um grupo intergovernamental das Nações Unidas de Especialistas em padrões Internacionais de Contabilidade, sobre passivos e custos ambientais. De lá para cá, só vem aumentando a força e o status dessa nova especialidade da Contabilidade.
Não há, ainda, qualquer obrigação de lançamentos na área. A previsão, no entanto, diante do espaço que vem ganhando, é de que, futuramente, as empresas deverão, por imposição, alimentarem suas demonstrações contábeis com informações pertinentes à área ambiental. Isso porque com a crescente escassez de recursos naturais e acirramento do debate sobre ações necessárias para reverter o quadro climático, os meios de produção e de serviços serão cada vez mais cobrados a apresentar sua cota de contribuição.
"A contabilidade pode indicar os custos com a não conformidade ambiental, ao detalhar as perdas, ineficiências, desperdícios e prejuízos de recursos de uma organização que não pratica as normas de sustentabilidade", diz o contador Júlio Cezar Zanluca. Com livros publicados na área e coordenador do Portal Tributário, Zanluca entende que a tendência é de que, em um futuro próximo, a obrigatoriedade de declaração virá.
Por enquanto, a principal dificuldade de se impor uma contabilidade ambiental a todas as empresas são os custos envolvidos, avalia o contador. Pequenas e médias empresas terão ônus com laudos, avaliações, perícias, comparativos, adaptações e auditorias para apresentarem os dados. As grandes empresas, apesar de terem tais custos, diluem os valores despendidos em grandes volumes de vendas. Portanto, o impacto final (repasse dos novos custos de imposição ambiental aos preços) se dilui ao consumidor final.
Na prática, diz o especialista, o lançamento contábil registra a diferença entre o custo real (ocorrido) e o custo da otimização do recurso, como ineficiência no seu uso. "Como exemplo, a contabilização de um laudo que indique uma redução de custos com a eliminação de desperdícios de determinado recurso natural, teríamos: D - Ineficiência de Usos de Recursos (Conta de Gastos Ambientais); C - Redução Potencial de Custos (Conta de Receitas Ambientais)", explica.
De porte de todos os dados e informações da empresa, a análise econômica dos ganhos e perdas ambientais poderá orientar, de forma mais objetiva, as ações dos administradores, visando a um ganho de escala, com uma produtividade responsável no uso dos recursos ambientais. "Desta forma os gestores terão condições de avaliar os investimentos que resultem numa efetividade econômica: ganha o meio-ambiente e ganha a organização - esta ao livrar-se de ineficiências dos usos de recursos ambientais e reduzir seus custos de produção", garante.
'Governança também faz parte do meio ambiente', diz especialista
Nilton de Araújo Farias vê o profissional da Contabilidade como um agente de transformação da sociedade
/Nilton de Araújo Farias/arquivo pessoal/jcAs práticas ASG (Ambiental, Social e Governança Corporativa) ou ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) estão sendo adotadas em maior ou menor grau pelas empresas brasileiras, conforme o nível de comprometimento com o Meio Ambiente. Em nível global, em países onde os consumidores são mais exigentes, o mercado é mais engajado, com empresas incorporando cada vez mais as ações de cuidado com o ecossistema.
No Brasil, ainda há a necessidade de maior conscientização por parte dos empresários, cabendo aos contadores o papel de conduzir o cliente nesse caminho que, por enquanto, é facultativo. Futuramente, normas publicadas nestes ano, a IFRS S1 e IFRS S2, deverão fazer parte dos balanços corporativos. A primeira se aplica para a empresa relatar informações sobre sustentabilidade e a segunda, para divulgar ações com relação às questões climáticas.
Entre os mais atentos a essa onda global, o escritório Master Consultores, de São Paulo, criou sua extensão voltada à área, com o intuito de auxiliar empresas com a necessidade de demonstrar ações de sustentabilidade. De olho nesse mercado, registrou o domínio www.contabilidadeambiental.com.br para dividir conteúdo e auxiliar contadores a produzir balanços e DRE compatíveis com a ESG.
Fundador e sócio da Master Consultores, Nilton de Araújo Farias vê o profissional da Contabilidade como um agente de transformação da sociedade, em função do incentivo à produção de relatórios de sustentabilidade. A ideia um tanto visionária ao registrar o site foi contribuir para que as empresas comecem a mensurar suas ações. Nos grandes relatórios contábeis, observa, já existe a possibilidade de lançar investimentos, gastos e eventuais passivos em relação ao meio ambiente. "Nossa ideia foi de criar uma conscientização. Há espaço, tem como fazer, mesmo sem existência de normas, que começam a existir agora", alertou.
Com certificação GRI (Global Reporting Initiative), entidade internacional pioneira na promoção de relatórios de sustentabilidade, Farias dá treinamentos dentro da entidade que faz parte, a Associação de Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo (Asescon) e para profissionais interessados na qualificação para quando as normas forem obrigatórias. "É um mercado que está se abrindo. Vale a pena para os profissionais se atentarem para as novas normas", garante.
JC Contabilidade - De que forma a Contabilidade Ambiental está sendo trabalhada na sua empresa?
Nilton de Araújo Farias - Estamos em uma fase de levantamento de caminhos porque assunto é novo. Começamos estudos sobre o tema e estamos acompanhando o mercado para conseguir entender onde a Contabilidade vai entrar de maneira mais efetiva.
Contab - As empresas estão se adaptando ou há resistência?
Farias - Tudo aquilo que, em um primeiro momento, é novo e não obrigatório, as empresas tendem a não adotar. Se olhar esse de três anos, nesse ínterim quando o assunto ESG estourou, muitas empresas trataram - e ainda estão tratando - como uma espécie de selo para dizer ao mercado "está vendo como eu sou legal?". Na verdade, o conceito é muito mais profundo.
Contab - O conceito de meio ambiente está sendo bem entendido?
Farias - Meio ambiente não é só o verde da plantinha ou uma criança assoprando um algodão, como usam em publicidade. As grandes organizações, quando fazem relatórios sócio-ambientais, utilizam o modelo GRI, que descreve como se fosse um check list para cada uma das três etapas, o social, o de governança e o do meio ambiente. Quando se fala de meio ambiente é preciso pensar no local onde sua empresa está inserida, como estão seus fornecedores. Não basta meu negócio ser responsável. O conceito de stakeholders fala sobre isso.
Contab - De que forma as empresas poderiam se beneficiar?
Farias - Não podemos ser falsos moralistas. Toda empresa, se não tiver um alinhamento para rentabilidade e lucro, está morrendo. A ideia é que esse processo possa contribuir com a imagem, em um primeiro momento. O fim da história é que ela possa ganhar, mostrar e incentivar e fomentar e demais pessoas do seu meio façam a mesma coisa. O que se vê hoje são empresário, um olhando para a cara da outro, esperando para ver quem vai dar o primeiro passo.
Contab - Quais as legislações pertinentes à área?
Farias - Temos legislações ambientais estaduais e federais, e, agora, na área contábil, também começam a surgir. As empresas de grande porte que têm ações em Bolsa de Valores passam a ter a obrigatoriedade de relatar quais ações ambientais estão tomando. E a tendência é que é não só elas, mas os fornecedores também. Torço para que este seja o primeiro grande passo. Temos a lei que estabelece a Política Nacional do Meio ambiente, de 1981, temos a Lei de Crimes Ambientais, de 1998, e, a mais recente, a lei de Resíduos Sólidos, que trata de logística reversa.
Contab - É preciso, também, maior conscientização.
Farias - Sim, mas, por enquanto, o que vejo é muito confete. A empresa diz "fiz tal coisa", mas, for a fundo, vê que não fez nada. E outra questão importante: quando se fala em meio ambiente, o brasileiro médio pensa em floresta, em águas, em oceanos. O conceito de gestão ambiental passa pela sigla ESG. Quando falamos de sustentabilidade, falamos em meio ambiente e também em governança, em controles financeiros, controles de negócios que impactam muitas vidas, grandes empresas com uma quantidade gigante de funcionários e suas responsabilidades. Ela pode impactar vidas. Controle de governança administrativo-financeira também faz parte do meio ambiente.
Contab - Os contadores estão atentos à tendência?
Farias - O Conselho Federal de Contabilidade está fomentando algumas ações. Temos as NBCs (normas brasileiras de contabilidade) e agora começamos a divulgar informações sobre sustentabilidade nessas NBCs. Começa a ter alguma aplicabilidade. Para 2026, alguns documentos serão obrigatórios. Os contadores não estão pensando nisso. A nossa grande demanda, a que puxa muito da energia do profissional, ainda são as obrigações fiscais referentes a normas de receita federal, de legislação trabalhista. É preciso estarmos atentos às normas IFRS S1 e S2, recentes e facultativas, mas que vão ser obrigatórias em 2026, nas das grandes empresas. Vale a pena para os empresários se atentarem para o que elas dizem e o que dá para fazer a partir daí. E, também, o GRI, que tem as melhores informações para quem quer entender melhor o como se implantar um processo sério e ESG.