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Reportagem

- Publicada em 02 de Maio de 2023 às 18:15

Cresce cobrança por um padrão nas declarações ESG

Práticas ambientais, sociais e de governança são uma solicitação cada vez mais presente para as empresas negociadas em bolsas de valores e se tornaram a nova 'regra de etiqueta' do mercado

Práticas ambientais, sociais e de governança são uma solicitação cada vez mais presente para as empresas negociadas em bolsas de valores e se tornaram a nova 'regra de etiqueta' do mercado


/Freepik/divulgação/jc
Pedro Carrizo, especial para o JC
Pedro Carrizo, especial para o JC
Sintetizadas na sigla ESG, as práticas ambientais, sociais e de governança são uma cobrança cada vez maior às empresas negociadas em bolsa e se tornaram a nova "regra de etiqueta" do mercado. Mesmo assim, ainda não há uma lei que obrigue as companhias brasileiras ao cumprimento de metas ESG (Environmental, Social and Governance na sigla em inglês) e, por outro lado, falta padronização dos demonstrativos e relatórios de sustentabilidade divulgados. Por isso, embora cresça o número de  iniciativas ESG relatadas aos investidores, ainda há dificuldades em medir e comparar a efetividade dessas ações.
O fato relevante é que estão surgindo novas regras para avaliar o grau de comprometimento das sociedades anônimas (S/A) de capital aberto frente às práticas sustentáveis. A mais recente delas é a nova estrutura dos Formulários de Referência, instaurado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que regula o mercado de capitais no país. A partir deste ano, as companhias abertas precisam preencher neste relatório diversas perguntas sobre suas práticas ESG, respondendo se executam as normas.
"O Formulário de Referência mostra uma série de hipóteses que a empresa precisa informar se aplica ou não aplica. Se não aplicar, ela vai precisar explicar o porquê disso à CVM", explica a advogada Laís Machado Lucas, doutora em Direito Privado e integrante do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Esse é um dos primeiros passos para nortear as empresas em direção ao ESG.
Para os investidores, uma forma de identificar negócios mais preocupados com essas causas magnas é por meio dos Índices de Sustentabilidade da B3 como o de Carbono Eficiente (ICO2).
Este crivo da bolsa de valores é uma forma de carimbar um "selo verde" nas companhias que compõem os índices. Para participar, é preciso provar as práticas ESG à B3 por meio de relatórios específicos e firmar uma obrigação contratual com a bolsa de valores brasileira. "Essa iniciativa é um exemplo do próprio mercado se autoexigindo", pontua a advogada.
"Exceto a padronização do Formulário de Referências da CVM, as informações de sustentabilidade das empresas de capital aberto podem constar em diversos formatos. Algumas adotam relatórios específicos de sustentabilidade e outras informam junto aos seus demonstrativos financeiros ou em relatórios anuais", afirma o contador Zulmir Breda, coordenador operacional do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS).
Iniciativa do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o CBPS vai espelhar as normas do Comitê Internacional de Normas de Sustentabilidade (ISSB, na sigla em inglês), criado pelo IFRS Foundation, em parceria com diversos órgãos internacionais, para padronizar a declaração de informações de cunho social, ambiental e de governança.
O ISSB pretende utilizar frameworks (conjuntos de ferramentas, técnicas e conceitos) e modelos já adotados em relatórios corporativos sobre sustentabilidade para padronizar as informações ESG. As duas primeiras normas devem ser publicadas ainda neste semestre. Até então, não havia nada que norteasse a demonstração das práticas ESG.
"Assim que as normas do ISSB forem publicadas, queremos imediatamente traduzi-las e colocá-las à disposição do mercado. Precisaremos que essas normas sejam acolhidas pelos entes reguladores brasileiros, mas nosso objetivo é que o Brasil adote o padrão internacional o mais rápido possível", ressalta Breda.
Em relação às normas de auditoria, o País também adota o padrão internacional, emitido pela Federação Internacional de Contadores (IFAC, na sigla em inglês). A IFAC já está preparando uma nova norma de auditoria que será colocada em audiência pública em breve, e que prevê todos procedimentos de auditoria para os relatórios de sustentabilidade.

ESG, a principal cobrança velada do mercado às companhias abertas

 Breda alerta que crises envolvendo 'maquiagem' de ESG são irreversíveis

Breda alerta que crises envolvendo 'maquiagem' de ESG são irreversíveis


/CFC/DIVULGAÇÃO/JC
Embora não sejam obrigadas, boa parte das empresas de capital aberto divulgam relatórios de sustentabilidade, normalmente na mesma data em que lançam seus balanços financeiros trimestrais, conforme propõe o Comitê Internacional de Normas de Sustentabilidade (ISSB). Das 88 companhias com ações no Ibovespa, principal índice de referência da B3, 72 apresentaram, entre maio e agosto de 2022, relatórios de sustentabilidade, o equivalente a 81%, mostrou a 2ª edição do relatório "ESG no Ibovespa" produzido pela consultoria PwC.
Porém, dos 72 relatórios analisados, ao menos 36 não apresentaram o documento na mesma data em que suas demonstrações contábeis foram divulgadas, o que mostra como a falta de padronização prejudica o acompanhamento das práticas ESG. 
Também houve queda na apresentação dos relatórios de sustentabilidade por parte das companhias de capital aberto em comparação com a 1ª edição do estudo, publicado em 2021. A redução foi de 86% para 81%. Já o percentual de empresas que não divulgaram aumentou de 14% para 18%.
Outro dado preocupante é que, das seis empresas que abriram capital em 2020, apenas metade delas divulgou algum relatório de sustentabilidade. "Esse número chama a atenção, pois a expectativa seria que os investidores já demandassem das empresas que abriram capital recentemente a apresentação de informações relacionadas à sustentabilidade", conclui o estudo.
Além disso, oito empresas que participaram da análise no ano anterior e não haviam apresentado nenhum relatório, também não divulgaram na nova edição. Três empresas haviam apresentado relatório na edição anterior mas, até o encerramento da coleta de dados da PwC, não haviam divulgado seus novos relatórios.
"Os relatórios de sustentabilidade são muito mais um ato volitivo das empresas, mas ajudam a endossar a entrada no Índice de Sustentabilidade da B3. Vamos encontrar formatos variados para esses relatórios de sustentabilidade, que também não são publicados com o mesmo rigor dos balanços financeiros. Esses documentos são muito mais princípios lógicos do que propriamente efetivos", explica a advogada Laís Machado Lucas, doutora em Direito Privado e membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
De acordo com a PwC, é preciso ficar atento para evitar que a divulgação seja meramente uma carta de boas intenções. Diante disso, o endosso desses documentos por auditorias externas se torna indispensável.
No Brasil, já é obrigatória a asseguração por auditor independente de todos os relatórios de companhias abertas que utilizam a estrutura conceitual do relato integrado.
A proporção de relatórios de sustentabilidade que foram assegurados por auditoria independente cresceu 12 pontos percentuais em um ano, chegando a 42% em 2022. Paralelamente, caiu o percentual de asseguração que não seguem as normas da auditoria independente. No total, 65% dos relatórios são submetidos a algum tipo de asseguração, mostra o relatório "ESG no Ibovespa".
Porém, não é incomum divulgações de sustentabilidade das empresas de capital aberto que não condizem com a realidade e estejam maquiados ou distorcidos. 
Esse é um dos pontos maior atenção do mercado de capitais, principalmente em razão dos casos recentes de escândalos empresariais, pois tanto no caso do rombo de
R$ 20 bilhões das Americanas quanto das vinícolas na Serra Gaúcha, com as supostas irregularidades que foram apontadas, eram empresas que tinham práticas de governança, ambientais e sociais divulgadas regularmente. No caso das Americanas, inclusive os demonstrativos foram auditados. 
Para o contador Zulmir Breda, coordenador operacional do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), a normatização é o principal caminho para coibir o greenwashing e outros tipos de maquiagens, pois as empresas precisarão informar vários aspectos de governança, social e ambiental e estarem abertas a auditorias externas, informando todos aspectos positivos e negativos de sua atuação. "O mercado tem hoje mecanismos para se proteger de informações falsas. E crises envolvendo a maquiagem de práticas ESG podem ser irreversíveis", diz Breda. 

Auditoria se adapta às novas demandas de sustentabilidade

Meta é seguir modelo semelhante às demonstrações financeiras

Meta é seguir modelo semelhante às demonstrações financeiras


/Ronald Carreño Pixabay
Em meio a um cenário de busca por padronização internacional das declarações ESG, o papel da auditoria também vem ganhando novos contornos e se adequando frente às novas demandas dos auditores. Antes focados exclusivamente nos demonstrativos financeiros de companhias abertas, esses profissionais têm agora a importante função de assegurar os relatórios de sustentabilidade das empresas.
Para se ter ideia, a Federação Internacional de Contadores IFAC divulgou em seu último estudo sobre o tema que o percentual de relatórios não financeiros assegurados no mundo passou de 51%, em 2019, para 58% em 2020. Já no estudo da PwC, essa proporção passou de 57% em 2020, para 65% em 2021.
Além disso, a IFAC também está prestes a normatizar a asseguração das discriminações de práticas ESG. "As empresas divulgam informações de sustentabilidade das formas mais diversas possíveis. O que está acontecendo neste momento é a busca por normatizar isso, similar ao que já acontece com as demonstrações financeiras", explica o diretor técnico do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, Rogerio Mota.
Embora não sejam obrigadas a declarar práticas ESG, se o fizerem, as empresas precisam mostrar essas informações no formato de relatório-integrado, seguindo a norma orientativa OCPC 9, sendo que esses documentos devem ser assegurados por um auditor independente.
"O relato integrado é mais uma tentativa de padronizar a forma como são declaradas as práticas ESG, por parte da CVM. Esse novo trabalho do auditor é muito mais focado em quais foram os processos de preparação desses relatórios, do que na informação final. Hoje a maioria desses relatórios integrados são chamados de relatórios de sustentabilidade", diz Mota, que ressalta haver sutis diferenças entre auditoria e asseguração.
Desde 2021, é obrigatória a asseguração limitada por auditoria independente dos relatórios que utilizam a estrutura conceitual de relato integrado no mercado de capitais. Contudo, um terço das empresas brasileiras de capital aberto que dizem ter adotado esse framework não submeteu seus relatórios à asseguração por auditor independente, afirma o relatório da PwC.
De acordo com a consultoria, isso indica que algumas empresas podem estar em desconformidade com as exigências da autarquia.