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Reportagem Especial

- Publicada em 04 de Junho de 2023 às 18:30

RS é o segundo maior produtor de cervejas artesanais do Brasil

Ao todo, 126 municípios gaúchos têm fábricas de cerveja, totalizando 285 microcervejarias

Ao todo, 126 municípios gaúchos têm fábricas de cerveja, totalizando 285 microcervejarias


TÂNIA MEINERZ/JC
Ana Esteves, especial para o JC*
Ana Esteves, especial para o JC*
O Rio Grande do Sul e Porto Alegre subiram de mãos dadas no segundo lugar do podium dos maiores produtores de cerveja artesanal do País. A dupla só perde para São Paulo, estado e capital. Especialistas do setor estimam que, caso o segmento mantenha o crescimento de 12% em número de estabelecimentos em solo gaúcho, registrado em 2021, deva chegar a 320 estabelecimentos em todo Rio Grande do Sul e 48 em Porto Alegre. Ao todo, 126 municípios gaúchos têm fábricas de cerveja, totalizando 285 microcervejarias. Na Capital, o número das indústrias da bebida chega a 43, conforme dados de 2021, divulgados pelo Anuário da Cerveja, elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

Do grão ao polo cervejeiro, Estado é referência na produção artesanal

Do grão ao polo cervejeiro, Estado é referência na produção artesanal


/ANA TERRA FIRMINO/JC
Até bem pouco tempo atrás, a ida ao supermercado para comprar cerveja era acompanhada por uma única dúvida: Pilsen ou Malzbier, clara ou escura? Mas hoje o cenário é completamente diferente, pois, com a entrada no mercado das cervejas artesanais, a lista de opções aumentou exponencialmente. Agora é preciso entender de cerveja para saber comprar, muito parecido com o que ocorre com os vinhos e espumantes.
Entre as famílias das Ales, das Lager e das Lambics estão mais de cem estilos de cervejas, cada um com diferente sabor, aroma, coloração e forma de fermentação. E essa diversificação enorme é resultado do boom das cervejarias artesanais no Estado que, desde 2011, vem despontando como um mercado promissor. Segundo levantamento mais recente do Anuário da Cerveja 2021, lançado em setembro do ano passado, o Rio Grande do Sul ocupa o segundo lugar nacional em número de cervejarias, com um total de 285 estabelecimentos, perdendo apenas para São Paulo que contava com 340.
Na avaliação do presidente da Associação Gaúcha das Microcervejarias (AGM), Filipe Bortolini, se mantiver o percentual de crescimento do ano de 2021, que foi de 12%, o Estado chegará a 320 cervejarias e Porto Alegre a 48.
"Há muitas cervejarias instaladas principalmente na Capital, que é a segunda cidade do País em quantidade de cervejarias, com 43 estabelecimentos. Caxias do Sul também se destaca, sendo a quinta cidade do país em número de cervejarias, com 19. Outras regiões também estão tendo um crescimento significativo, tais como a região de Santa Maria", observa Bortolini.
Segundo os dados da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) e Cadastro do Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em todo o Brasil, as microcervejarias geram 54% das vagas de emprego do segmento, mas são responsáveis por apenas 3% das cervejas produzidas no Brasil.
"Geramos mais empregos em relação às grandes, mas ainda temos que melhorar no aspecto da produtividade, pois somos um mercado novo, em crescimento, e que tem muito a evoluir. Estamos no caminho certo", salientou Bortolini.

Bortolini preside a Associação Gaúcha de Microcervejarias

Bortolini preside a Associação Gaúcha de Microcervejarias


Associação Gaúcha de Microcervejarias/divulgação/jc
O secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Sul, Ernani Polo, diz que o governo está trabalhando para ampliar o limite de produção anual das microcervejarias de 3 milhões de litros para 5 milhões de litros, buscando formalizar o máximo possível de empresas, visto que muitas ainda atuam na informalidade devido à carga tributária.

"Essas medidas darão uma perspectiva de crescimento para o setor e nos tornarão mais competitivos". Além disso, estima-se que o Rio Grande do Sul possua cerca de 300 cervejarias "ciganas", termo usado para denominar marcas que não possuem fábrica própria e produzem de forma terceirizada. Para Polo, o setor vem colocando o Estado em premiações nacionais e internacionais pela qualidade dos produtos.

"Isso demonstra a capacidade dos empreendedores e, além disso, é um setor que também aquece o turismo, com a rotas das cervejarias, melhorando a economia e gerando empregos". O governo do Estado, através da Secretaria de Desenvolvimento, disponibiliza incentivo para o setor através do Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul (Fundopem) que permite financiamento parcial do ICMS incremental, oriundo da comercialização dos produtos fabricados. O percentual de desconto varia de acordo com o enquadramento do projeto no incentivo, podendo atingir até 90%.

Para o Bortolini, entre as justificativas para o Estado ocupar o segundo lugar no ranking cervejeiro nacional está o espírito empreendedor, dos gaúchos, a ascendência alemã e um diferencial.

"Foi em Porto Alegre que surgiu o primeiro fornecedor de insumos para microcervejarias, a WE Consultoria, que contava com diferentes variedades de lúpulo que permitiam a produção de diferentes estilos de cerveja. Além disso, Werner Emmel, o proprietário da empresa, mestre-cervejeiro e com larga experiência em cervejarias, também prestava consultoria para a montagem das cervejarias e a criação de receitas", afirma o dirigente.

Com a cerveja artesanal despontando no gosto do público, com sua diversidade de aromas, sabores e harmonizações gastronômicas, mais cervejarias foram surgindo e se espalhando pelo Rio Grande do Sul, que já conta com, pelo menos, 126 municípios que possuem uma microcervejaria instalada.

A gestora de Projetos de Alimentos e Bebidas do Sebrae-RS, Francine Danigno, atribui o crescimento do mercado cervejeiro no Estado a fatores fundamentais como, por exemplo, a colonização alemã. "Como sabemos, os alemães são grandes produtores de cerveja, desde a produção caseira, feita para o consumo familiar até a produção fabril, numa escala industrial".

La Birra atua em cinco municípios e prospecta Litoral e Região Metropolitana

Longhi aposta na harmonização gastronômica com a bebida

Longhi aposta na harmonização gastronômica com a bebida


/João Pedro Longhi/arquivo pessoal/jc
A cervejaria caxiense La Birra é italiana de berço, de nome e por uma característica típica: perspicácia na hora de fazer negócios e explorar novos horizontes. Ela nasceu como brew pub, bar que produz as próprias cervejas, em 2015, e se estabeleceu como fábrica, em 2017, mas logo percebeu que poderia ampliar.
"Além da fábrica, hoje contamos com seis bares, em cinco municípios, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Gramado, Nova Petrópolis e Santa Maria, sendo três operações próprias e três no modelo de franquia, o que gera em torno de 60 empregos diretos, sendo 10 na fábrica", explica o proprietário da empresa, João Pedro Longhi.
E a ideia é seguir desbravando novas regiões do Estado, ainda sem definição exata de onde será a nova cervejaria, Longhi diz que o foco agora é o Litoral e a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). "Vejo no futuro novas cidades, novos produtos e novas bebidas", acrescenta.
Atualmente, a fábrica conta com uma produção média de 40 mil litros mensais, mas, com a ampliação, pretende dobrar esse volume, chegando a 80 mil litros mensais no próximo ano, divididos entre 10 estilos de cervejas parte fixos, parte sazonais.
Segundo Longhi, a matéria-prima para a produção das cervejas vem de fornecedores nacionais, alguns com produção própria, no caso do malte. Outros insumos, como o lúpulo, são adquiridos diretamente com importadores, pois são usadas variedades de países como Alemanha, República Tcheca, Inglaterra, Austrália e Estados Unidos.
A proposta de brew pub possibilita que a cerveja produzida pela La Birra seja degustada e harmonizada in loco, com os diferentes pratos servidos no local. A cerveja artesanal passou por um processo de aprimoramento, frente a um mercado que prioriza boas cervejas.
Como resultado desse movimento, ocorre um constante aumento no consumo, com um público mais exigente e que tem se preocupado cada vez mais em degustar cerveja e inseri-la em outros contextos, inclusive gastronômicos. "O consumidor tem se mostrado cada vez mais interessado pelos mais diferentes estilos de cerveja, e o mercado de modo geral está mais aberto para esses produtos", afirma o empresário.
O interesse por degustar a cerveja certa para determinados tipos de alimentos também tem despertado curiosidade dos consumidores. Em função disso, a La Birra tem um sommelier profissional que orienta os consumidores com dicas de harmonização.
"Temos como essência entregar uma experiência cervejeira simples e descomplicada para todos. Entendemos que cerveja foi feita para se beber e ser compartilhada, em todos os momentos. Mas tudo isso sem deixar de entregar um produto diferenciado e de qualidade".
Sobre Caxias do Sul figurar entre os municípios que mais têm se destacado na produção cervejeira, Longhi considera que a cidade vem se mostrando um importante polo por carregar um histórico de empreendedorismo, com boas cervejarias e até mesmo fornecedores locais de insumos para toda a cadeia cervejeira.
 

Tupiniquim projeta nova área fabril para dobrar produção em 2023

Segundo Bonotto, objetivo é chegar a 360 mil litros por mês com a ampliação

Segundo Bonotto, objetivo é chegar a 360 mil litros por mês com a ampliação


/ANA TERRA FIRMINO/JC
O cenário favorável para o mercado cervejeiro gaúcho fez com que a cervejaria Tupiniquim, de Porto Alegre, iniciasse a procura por uma nova área para instalação da sua planta fabril, uma vez que o espaço de 1,2 mil metros quadrados, no bairro Anchieta, ficou pequenos demais.
"Estamos em busca de um local, na Capital ou Região Metropolitana, com pelo menos o dobro da nossa área atual, em torno de 2,4 mil metros quadrados, para que possamos pensar em dobrar a produção atual de 180 mil litros por mês, para 360 mil", diz o proprietário da cervejaria, Christian Bonotto.
A ideia inclui também a realização de um sonho antigo do empresário que era de, junto com a fábrica, montar um brew pub, uma loja e espaço para visitação da cervejaria. "Logo que viemos para o local que hoje abriga a fábrica, a intenção era criar um pub e loja, mas como a produção foi crescendo, só conseguimos dedicar a área para os equipamentos de produção, de recepção e nosso laboratório de análises microbiológicas. Com a nova área, o sonho do pub deve se concretizar".
 

Espaço de 1,2 mil metros quadrados no bairro Anchieta, na Capital, ficou pequeno para dar conta da demanda

Espaço de 1,2 mil metros quadrados no bairro Anchieta, na Capital, ficou pequeno para dar conta da demanda


ANA TERRA FIRMINO/JC
O empresário conta que toda a produção fica no mercado local e que, por questões tributárias e de logística, parou de exportar cerveja, em 2015, para Dinamarca, Inglaterra, França Espanha e Itália. "Esses processos não são simples no Brasil", afirma, ao destacar alguns gargalos do setor que segue a "briga" com o governo do Estado.

Na pauta, está a necessidade de equiparar o teto de volume de produção para que as cervejarias possam se manter micro do Rio Grande do Sul. "Hoje não podemos passar de 3 milhões de litros ao ano, já no Paraná e Santa Catarina são 5 milhões de litros. Dessa maneira, perdemos em competitividade, pois a cerveja excedente que os outros estados do Sul produzem acabam entrando no mercado gaúcho e nos tirando espaço", pontua.

Fundada em 2013, a cervejaria produz 2 milhões de litros da bebida ao ano e emprega 30 pessoas. "Nosso plano de negócios era de ser uma cervejaria de inovação e ousadia, com o objetivo se tornar uma das melhores cervejarias do Brasil, fato consolidado pelos três prêmios (2015, 2016 e 2017) no Festival Brasileiro de Blumenau", comemora Bonotto.

Sobre o perfil dos consumidores de cerveja artesanal, ele conta que os paladares estão cada vez mais apurados, mas que as cervejas mais tradicionais ainda continuam sendo as preferidas, como a Pilsen, Weiss, IPA e APA.

"A empresa produz hoje 15 rótulos, mas, logo que começamos, tivemos 40. Eram rótulos de cerveja com frutas, envelhecidas em barris de madeira, com whisky, mas isso fez o diferencial no início, hoje o mercado aceita bem menos essa diversificação e, por questões de produção e comerciais achamos melhor selecionar um pouco mais os estilos que produzimos".

Rastro coloca região da Campanha no mapa das cervejas artesanais

Sari diz que o diferencial está na experiência sensorial do cliente

Sari diz que o diferencial está na experiência sensorial do cliente


/Otávio Zago Sari/arquivo pessoal/JC
Depois de tornar-se referência na fabricação de vinhos e espumantes, a região da campanha gaúcha começa a se destacar também na produção de cerveja. É de lá, mais precisamente do município de São Gabriel, que vem a Rastro Cervejas Únicas, uma cervejaria independente, inaugurada em 2016.
"Aliamos a paixão pelas características e versatilidade da cerveja à identificação de um novo mercado em expansão", explica o proprietário da Rastro, Otávio Zago Sari.
A cervejaria tem capacidade de produção média de aproximadamente 10 mil litros por mês e conta com cinco colaboradores. Segundo Sari, a ideia de criar a cervejaria foi impulsionada pelo desejo de explorar sabores únicos e deixar uma marca em cada consumidor.
"O objetivo é oferecer cervejas que combinem perfeitamente com qualquer tipo de comida e ocasião, que podem ir desde o casual ao requintado. Nossas cervejas são elaboradas com cuidado e uma singularidade que busca proporcionar uma experiência sensorial memorável aos nossos clientes".
Para o empresário, o Rio Grande do Sul tem se destacado na produção de cerveja não só pela influência da colonização alemã, mas também pela proximidade das fronteiras do Uruguai e Argentina.
"Com o boom das cervejarias no Estado, o consumidor foi exposto a essa variedade de produtos e passou a entender sua versatilidade, e, principalmente, a relevância de consumir um produto local com frescor, mantendo o auge de suas características e sabores".
A busca por ingredientes de excelência, diz Sari, tem sempre o requisito indispensável de contribuir positivamente para o sensorial do produto. Além disso, ele destaca a preocupação da empresa em adotar práticas sustentáveis de produção.
"Focamos em minimizar o impacto ambiental e valorizar a responsabilidade social, incluindo o uso eficiente de recursos e o apoio a iniciativas locais que promovam a sustentabilidade".
Para o empresário, os consumidores estão cada vez mais abertos a experimentar variedades de cervejas e a valorizar o produto local. Esse movimento tem proporcionado uma ampliação do paladar, com uma maior apreciação e busca por cervejas de qualidade.

Salva é pioneira na produção de lúpulo orgânico no Brasil

Giovanella lembra que o plantio do insumo começou em 2015, com uma produção de 30 quilos em 300 metros quadrados

Giovanella lembra que o plantio do insumo começou em 2015, com uma produção de 30 quilos em 300 metros quadrados


/Cervejaria Salva/Divulgação/JC
A cervejaria Salva, de Bom Retiro do Sul, município localizado no Vale do Taquari, decidiu plantar um dos principais insumos da cerveja: o lúpulo. A iniciativa começou em 2015, com uma produção de 30 quilos em 300 metros quadrados, e hoje chega a mil quilos plantados em 1,5 hectares pelas mãos de seis produtores parceiros.
"Chegamos à conclusão de que se fomentarmos a cadeia produtiva do lúpulo gaúcho, vamos ter um produto melhor, fazendo que com a riqueza de industrialização e comercialização da matéria-prima fique aqui. Por isso criamos o programa Salva Hops, que fomenta o cultivo do lúpulo em solo gaúcho", explica o proprietário da empresa, João Giovanella.
Em 2019, a cervejaria produziu a primeira cerveja com insumo local, uma Harvest APA com lúpulo da variedade Cascade da plantação, do parceiro orgânico. A cada safra são produzidos diferentes estilos de cerveja, com adição de lúpulo fresco do plantio dos parceiros do Salva Hops, com litragem limitada.
A ideia é ser sustentável e suprir toda demanda de uso em cervejas. O gargalo agora é ter espaço para fazer o beneficiamento da matéria-prima. "Nós chegamos no limite do que a gente consegue plantar e usar na fábrica. O foco agora é um projeto de uma planta de beneficiamento para poder armazenar essa safra de lúpulo para dar os próximos passos", revela.
Conforme dados da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), no Brasil, a produção saltou de nove toneladas de lúpulo, em 2020, para 24 toneladas, em 2021, um crescimento de 160%.
O empresário conta que, por ironia, a cerveja lhe fazia mal, até descobrir a cerveja alemã, numa viagem realizada quando tinha 27 anos. "Me dei conta de que o que me fazia mal era o milho adicionado às cervejas nacionais, daquelas pilsen básicas e que se a bebida fosse puro malte, descia bem". A partir dessa descoberta, passei a fazer cerveja de panela, em 2007 como hobby. Em 2012, comecei a levar a atividade a sério e abri a fábrica em 2016".
Um dos diferenciais é o não uso de antioxidantes, o que faz da cerveja uma bebida mais saudável. "A cerveja é feita como antigamente, é por isso que o pessoal bebe e diz: não tem dor de cabeça e meu estômago está ótimo. Esse é o propósito da Salva, e eu curto cuidar da saúde".
Giovanella critica o teto de produção de cerveja artesanal do Estado, que determina que as cervejarias não podem ultrapassar os três milhões de litro ao ano. "Só não crescemos mais em função dessa restrição; faz três anos que minha empresa fatura exatamente a mesma coisa e tranquei em 2,99 milhões de litros ao ano. Essa impossibilidade de crescer me obrigou a enxugar a empresa: gerávamos cem vagas de emprego e precisei demitir 25 pessoas", lamenta.
A cervejaria consolidou uma tendência de mercado, durante a pandemia, quando explodiu no Estado o consumo de chopp em garrafa pet. "Nós inventamos essa modalidade de consumo, já tínhamos o vasilhame e vendíamos, antes da pandemia, mas com ela começou a faltar garrafa de vidro e o chopp em pet virou febre, a demanda cresceu e muitas das embalagens que as empresas usam hoje são baseadas nas nossas", diz o empresário.
 

Edelbrau aposta em ingredientes locais para elaboração de cerveja

Bergamota, figo e mel são usados em cervejas sazonais, diz Zang

Bergamota, figo e mel são usados em cervejas sazonais, diz Zang


/ana esteves/especial/jc
A simpatia de uma oma, avó em alemão, chama a atenção no rótulo da Witbier produzida pela cervejaria Edelbrau de Nova Petrópolis. A caricatura do rosto afável da senhora que carrega um cesto de bergamotas homenageia a vovó Sidônia Seger, fornecedora das frutas cítricas que são usadas na formulação da bebida.
"A cerveja da vovó é uma das nossas marcas registradas e traz junto com ela um dos nossos focos, que é produzir cerveja com ingredientes locais", explica o sócio da Edelbrau, Samuel Zang. Além da bergamota, o figo, o mel e até mesmo o lúpulo usados em cervejas sazonais são oriundos de produtores de Nova Petrópolis.
"Temos uma pequena plantação de lúpulo, com mudas que foram cedidas por agricultores da região, cujos pais trouxeram as plantas da Áustria, na década de 1950. Resolvemos cultivar e conseguimos fabricar uma cerveja única e de produção limitada", explica Zang. A cervejaria, que produz 180 mil litros ao ano e gera 13 empregos diretos, realizou duas ampliações da área fabril: iniciou com uma área de 318 metros quadrados, ampliada para 443 metros quadrados e agora está com 628.
Com foco no turismo da região da Serra, os sócios tiveram a ideia de criar a Experiência Edelbrau, um espaço interativo onde o visitante pode conhecer desde os processos de produção da cerveja, principais tipos produzidos na fábrica, história da bebida em Nova Petrópolis, medidas sustentáveis da produção cervejeira e até a possibilidade de o visitante criar a própria cerveja no Bierlab.
"É um espaço em que trabalhamos com os diferentes maltes e aromas. Com o uso de um aplicativo, o visitante pode criar uma cerveja personalizada", destaca, Zang acrescenta que a empresa é a primeira cervejaria artesanal no Brasil a ser autossustentável em energia, gerando 100% do que consume através da instalação de mais de 300 painéis fotovoltaicos.
"Além disso, fazemos reaproveitamento da água da chuva por meio de cisternas, chegando a 45 mil litros de água ao ano armazenados para limpeza de piso, vasos sanitários e irrigação do jardim". Para se ter uma ideia, essas iniciativas resultam na redução de 11 mil quilos de dióxido de carbono ao ano, 75 mil km rodados por um carro ou 275 árvores poupadas.
As cervejas tradicionais seguem à risca a lei da pureza alemã de 1516, a Renheitsgebot. Já as cervejas inspiradas nas escolas belga, norte-americana e inglesa trazem características mais ousadas, destacando lúpulos e ingredientes inusitados, como cravo, banana, chocolate e framboesa.
"Esse boom da cerveja artesanal mudou o hábito de consumo dos gaúchos e buscamos sempre no aprimorar com a elaboração de sabores inusitados", diz o empresário. De olho nessa tendência, a empresa lançou a Wild Dark Raspberry Ale #2, envelhecida em barris de carvalho que anteriormente continham cachaça premium. Durante o processo de maturação, conta com adição de framboesa e traz no aroma e sabor frutas vermelhas, chocolate, madeira e notas vínicas.

Sebrae desenvolve programa Polo Cervejeiro para fomentar produção de cerveja gaúcha

Francine explica que a cada ano um tema relativo ao setor é trabalhado e, em 2023, a pauta é sobre o futuro das cervejarias

Francine explica que a cada ano um tema relativo ao setor é trabalhado e, em 2023, a pauta é sobre o futuro das cervejarias


/TÂNIA MEINERZ/JC
Desde 2015, os cervejeiros gaúchos contam com o apoio do Sebrae para o desenvolvimento de suas atividades. A cada ano, o programa Polo Cervejeiro trabalha com um tema diferente relacionado ao setor. Neste ano, o escolhido é futuro das cervejas artesanais. "Esse é um projeto para cervejarias gaúchas, de todas as regiões do Estado", afirma a gestora de projetos de alimentos e bebidas do Sebrae-RS, Francine Danigno. Segundo ela, entre as regiões do Rio Grande do Sul que mais têm se desenvolvido estão Serra, Vale dos Sino e Região Metropolitana.
Mesmo com a pandemia, o mercado seguiu em expansão a partir de uma mudança de perfil: substituindo a venda direta ao consumidor, ou a venda para restaurantes fechados durante a crise sanitária, pela comercialização em supermercados.
"Muitas cervejarias surgiram entre 2016 e 2017 e passaram a atuar em segmentos diferentes. Antes, elas produziam e vendiam direto para o consumidor final. Daí, começaram a crescer, se desenvolver e a querer vender para outros negócios. Para expandir com a pandemia, o único desses lugares que mais teve acesso a comercialização foi o supermercado", avalia Francine.
Outra mudança veio com o início das vendas online, a exemplo do que já fazia o setor vinícola, e o atendimento na própria fábrica, onde eram disponibilizadas torneiras de chopp para encher os chamados growlers ou tap room. "As pessoas começaram a buscar a cerveja, encher os growlers, que são garrafas retornáveis. Como as pessoas não saíam, optavam por essa modalidade para consumir o chopp artesanal em casa", explica.
Francine destaca a produção cervejeira de Porto Alegre, que tem o Quarto Distrito como expoente. "Temos uma grande concentração de um público jovem que passou a fazer cerveja como hobby. Como algo que era para uma brincadeira entre eles, muitos inclusive oriundos de outros negócios e de formações diversas. E aí passaram a enxergar a cerveja artesanal como um potencial negócio para se tornar o seu o seu alvo".
 

Ex-proprietário da Farrapos expõem dificuldades que o levaram a vender a empresa

Grazziotin  vendeu a cervejaria de Passo Fundo em 2020, em função de uma série de dificuldades

Grazziotin vendeu a cervejaria de Passo Fundo em 2020, em função de uma série de dificuldades


/Lucas Grazziotin/Arquivo Pessoal/JC
Apesar dos números favoráveis e do cenário promissor, nem tudo são flores no mercado cervejeiro. O ex-proprietário da cervejaria Farrapos, de Passo Fundo, Lucas Grazziotin, conta que, em 2020 vendeu a fábrica, na qual investiu R$ 6 milhões, em função de uma série de dificuldades enfrentadas.
"Se você for trabalhar com preços na média do mercado, sua margem é péssima, e o volume tem que ser gigantesco para dar resultado. E quanto mais cresce seu volume, mais você tem que investir. É sempre o cachorro correndo atrás do rabo". Segundo o empresário, que hoje é conselheiro de administração da Grazziotin S.A., no início, a promessa é financiar quase tudo, investir pouco do bolso e ter um produto com custo baixo e alta margem.
"Ocorre que é difícil conseguir financiamento com taxas acessíveis, pois os investimentos são altos, já que têm vários equipamentos e acessórios que não estão inclusos", conta Grazziotin. Segundo ele, a tributação é altíssima e extremamente complicada: "depende do estado, do tipo de cliente, do produto, ou seja, uma confusão. Teria que ter uma pessoa só para ficar conferindo as legislações e suas mudanças.
"A impressão que tenho é que quem ganha dinheiro neste mercado é quem sonega bastante, porque o percentual de imposto nos preços de venda sempre é bem maior que as margens de lucro e que os próprios custos do produto. E muitas fábricas sonegam muito, então fica bem difícil competir". O empresário conta que despertou o interesse pelo mercado através de um amigo que também trabalhava no setor de bares e restaurantes. "Como já tínhamos nossos negócios que vendiam cerveja e chopp, ficamos interessados em produzir nossos próprios produtos e ter melhores margens", relembra.
Grazziotin acrescenta que os custos são relativamente altos, "diferente das planilhas que o pessoal que quer que entremos no mercado apresenta". Os custos aumentaram ainda mais quando a empresa passou a utilizar garrafa de vidro para envasar a cerveja.
"O custo das embalagens impacta muito no preço do produto e é bem maior que o líquido que vai dentro". Além disso, a logística também é cara, por se tratar de vidro.
Sobre os incentivos por parte do governo do Estado, o empresário diz que existem, mas são muito burocráticos. "As vezes você precisa ir para outra cidade para realmente valer a pena. Por exemplo, incentivo em Passo Fundo, que é uma cidade mais desenvolvida, é infinitamente menor que em Coxilha, que fica a 15 quilômetros".
 

*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela UFRGS.