Quatro empresas de diferentes setores com operações no Rio Grande do Sul compartilharam projetos de expansão e investimentos no Rio Grande do Sul. Fruki Bebidas, CMPC, Docile e Nelogica apresentaram números robustos e planos de crescimento que reforçam a importância do Estado na produção de alimentos, bebidas, celulose e tecnologia. As informações foram detalhadas no evento Buy RS, realizado em Porto Alegre no dia 9 de setembro.
A Fruki, com 101 anos de história, vive o maior ciclo de investimentos de sua trajetória. A companhia destinou R$ 500 milhões entre 2023 e 2025, sendo R$ 400 milhões na nova planta em Paverama e R$ 100 milhões em Lajeado – as duas fábricas da empresa. A expansão permitirá elevar a capacidade de produção de 400 milhões para 1 bilhão de litros ao ano até o final de 2025. "É um crescimento substancial em um curto espaço de tempo, que dá frio na barriga porque exige ocupar essa capacidade com inovação e serviço", disse Júlio Eggers, diretor administrativo e de marketing.
Ao mesmo tempo, os representantes das empresas não esconderam fragilidades estruturais que ainda limitam a competitividade gaúcha, especialmente nos gargalos logísticos e na retenção de talentos, exigindo resiliência. "Há riscos estruturais, mas a veia empreendedora precisa falar mais alto", observa Eggers.
Com investimentos bilionários, a CMPC anunciou o Projeto Natureza, com aporte de R$ 27 bilhões. A empresa chilena, que se instalou no Rio Grande do Sul em 2009 quando adquiriu a fábrica de celulose de Guaíba, transformou a unidade gaúcha em uma das mais modernas do grupo, com produção que saltou de 400 mil toneladas de celulose por ano para 2,4 milhões de toneladas de celulose ao ano atualmente. A expansão implica um fluxo diário de 450 caminhões vindos de 75 municípios, além de ampliar o uso da hidrovia e do Porto do Rio Grande.
"O Rio Grande do Sul nos deu confiança para esse projeto: a experiência tem sido fantástica, as pessoas são qualificadas e o apoio do governo foi decisivo", afirmou Augusto Robert, diretor de Assuntos Corporativos. Ele, porém, apontou a duplicação da rodovia BR-290 e melhorias logísticas como condições urgentes para sustentar a competitividade.
A Docile, maior exportadora de guloseimas do Brasil, também atravessa um ciclo de crescimento. Com produção diária de 200 mil quilos, deve alcançar 300 mil com os novos investimentos de R$ 100 milhões em modernização industrial. Presente em mais de 80 países, a empresa enfrenta barreiras comerciais, como o recente aumento de tarifas nos Estados Unidos, e concorrência protegida na Europa. Ainda assim, aposta em diferenciação: corantes e aromas naturais, produtos sem açúcar e foco em saudabilidade.
"É fundamental inovar para não competir apenas em preço. Queremos entregar produtos que despertem sorrisos, mas também atendam às tendências globais", afirmou o presidente Ricardo Heineck. Ele também destacou o apoio de fundos e programas estaduais de fomento como diferencial competitivo para empresas que não contam com capital abundante.
No setor de tecnologia, a Nelogica representa a transição de uma startup local para uma companhia global. Fundada em Porto Alegre há 22 anos, a empresa já superou a marca de mil colaboradores e expandiu para o mercado internacional com aquisições na Europa. Líder no desenvolvimento de softwares para o mercado financeiro na América Latina, a companhia mantém a base de desenvolvimento no estado gaúcho e aposta no capital humano como ativo estratégico.
"Nosso maior diferencial são as pessoas. O desafio, portanto, é reter talentos e transformar Porto Alegre em polo de atração, em vez de fuga de cérebros", afirmou o cofundador e CEO, Marcos Boschetti. Para ele, falta ao empreendedor brasileiro uma cultura de internacionalização mais ousada – muito graças ao tamanho do mercado nacional –, mas o cenário vem mudando: "Se repetirmos essa conversa em três anos, teremos dezenas de empresas brasileiras de tecnologia consolidadas no exterior".
Gargalos e perspectivas para o futuro
Apesar de terem renovado a aposta no Rio Grande do Sul com novos investimentos, os empresários foram unânimes em apontar obstáculos que atravancam a competitividade. Logística foi o tema mais citado, com ênfase na duplicação da rodovia BR-290, nas limitações do Porto de Rio Grande e na dependência de transporte rodoviário.
A CMPC anunciou que pretende construir um terminal próprio para liberar capacidade do porto público, enquanto a Docile destacou os custos adicionais de estar em um Estado afastado dos grandes centros consumidores brasileiros.
Outro ponto recorrente foi a escassez e qualificação de mão de obra. O Projeto Natureza da CMPC, por exemplo, demandará 12 mil trabalhadores no pico da construção, podendo envolver cerca de 21 mil CPFs ao longo do processo. "A qualidade técnica do gaúcho é alta, mas precisamos preparar profissionais em larga escala para dar conta do desafio", observou Robert, da multinacional chilena.
Fruki e Nelogica, por sua vez, enfatizaram a necessidade de programas de retenção de talentos para evitar que jovens migrem para outros estados.
As falas também refletiram um equilíbrio entre otimismo e realismo. Eggers, da Fruki, reforçou que a empresa não pretende se acomodar. "Não somos velhos, queremos seguir empreendendo. Nosso foco é inovar e atender o consumidor", resumiu.
Heineck, da Docile, alertou para a diferença entre tendências de consumo percebidas em nichos de alta renda e a realidade de um país ainda marcado pela desigualdade. Já Boschetti, da Nelogica, defendeu que o Rio Grande do Sul tem capital humano diferenciado e pode exportar tecnologia de ponta se mantiver o investimento em inovação.
No balanço, o painel deixou claro que a retomada econômica do Rio Grande do Sul passa pela combinação de tradição e inovação. Enquanto Fruki e Docile reforçam a importância da indústria de alimentos e bebidas, a CMPC projeta investimentos que transformam a celulose em carro-chefe de exportações, e a Nelogica coloca a tecnologia gaúcha no mapa global.
O desafio, agora, é alinhar infraestrutura, qualificação de mão de obra e ambiente regulatório para que essas histórias de expansão se multipliquem e consolidem o Estado como referência em competitividade no Brasil e no mundo.