Apesar do volume crescente de recursos destinados ao crédito rural no Brasil, boa parte dos produtores ainda enfrenta dificuldades para acessar financiamentos em condições mais justas. O problema, segundo especialistas do setor, não está apenas na disponibilidade das linhas, mas na forma como os empreendimentos rurais se apresentam ao mercado financeiro.
A ausência de uma gestão financeira estruturada nas propriedades, especialmente nas familiares, tem sido um dos principais gargalos para o avanço da chamada agricultura de alta performance.
“A maioria das fazendas familiares não adota práticas de governança financeira equivalentes às de uma empresa”, afirma Bruna Aguiar, fundadora da Campo Capital, empresa mineira especializada em assessoria de crédito para o agronegócio.
Segundo ela, muitos produtores rurais ainda misturam contas da fazenda com as da família, usam o imposto de renda da pessoa física como principal relatório e não0 conseguem construir um histórico financeiro claro.
Com atuação nacional, a Campo Capital tem concentrado esforços em oferecer alternativas de crédito fora do sistema bancário tradicional e, sobretudo, em oferecer caminhos para profissionalizar a gestão financeira. Para Bruna, essa lacuna impede que muitos negócios no campo se tornem elegíveis às melhores condições de financiamento – o que acaba encarecendo o crédito e, por consequência, comprometendo a sustentabilidade do negócio.
“Sem controles financeiros mínimos, contratos formalizados e indicadores confiáveis, o mercado interpreta essas operações como arriscadas. O resultado são juros mais altos, prazos mais curtos e menos alternativas para o produtor”, observa.
O alerta se insere em um contexto em que o setor agropecuário busca se adaptar às novas exigências do mercado, cada vez mais guiado por critérios ESG – sigla que se refere a práticas ambientais, sociais e de governança. Mas, segundo a CEO da Campo Capital, Isadora Caixeta, pouco se avança na pauta da governança quando se trata do dia a dia das propriedades.
“Estamos falando de sustentabilidade, mas esquecendo o básico: a saúde financeira das fazendas. O G de ESG ainda é o elo mais frágil dessa cadeia”, afirma.
Em 2025, a Campo Capital reformulou seu portfólio para atender melhor essa demanda, atuando como originadora de crédito em parceria com fundos e gestoras da Faria Lima. Para o produtor rural, a empresa se define como uma assessoria inteligente de crédito, oferecendo um portfólio com abordagem consultiva, baseada em métodos de gestão típicos de grandes corporações. A proposta é ir além da intermediação financeira e ajudar o produtor a compreender seu endividamento e suas reais necessidades de capital – no curto, médio e longo prazo.
“A tecnologia já invadiu o campo no que diz respeito à eficiência e controle de perdas na produção. Mas, na parte financeira, muitas práticas ainda são as mesmas de décadas atrás. A gestão da fazenda precisa acompanhar essa transformação”, reforça Bruna.
No Rio Grande do Sul, a empresa atua com parceiros locais e observa um cenário desafiador, mas fértil para mudanças. O Estado tem tradição no agro e alto grau de tecnificação, mas também concentra propriedades de perfil familiar, onde os desafios de governança são mais evidentes.
“A resistência inicial está caindo. Os produtores estão percebendo que gestão é tão estratégica quanto a produtividade”, afirma.
Para Isadora, o futuro do crédito rural passa pela capacidade de integração entre o campo e o mercado financeiro.
“É preciso educar os dois lados. De um, o produtor precisa se preparar para acessar o crédito de forma estratégica. Do outro, os financiadores precisam criar produtos mais aderentes à realidade rural. Se continuarem falando línguas diferentes, ninguém ganha”, conclui.
A aposta da Campo Capital é que, ao profissionalizar a relação do produtor com o dinheiro, seja possível tornar o crédito mais acessível, reduzir custos financeiros e fortalecer a sustentabilidade do agronegócio brasileiro – não só no discurso, mas na prática.
RS concentra alta demanda por crédito, mas enfrenta gargalos na gestão
Fragilidade de gestão e sucessivos eventos climáticos extremos fizeram crescer a inadimplência entre produtores gaúchos
JOHN DEERE/DIVULGAÇÃO/JCCom cerca de 15% da produção agropecuária nacional, o Rio Grande do Sul é um dos estados com maior demanda por crédito rural no País. Apenas no primeiro mês do Plano Safra 2025/26, iniciado em julho, os produtores gaúchos contrataram mais de R$ 7,1 bilhões em financiamentos, segundo dados parciais do Banco Central – valor 11% superior ao registrado no mesmo período do ciclo anterior.
Do total contratado no RS, a maior parte foi destinada ao custeio agrícola (R$ 4,8 bilhões), seguido por investimentos em máquinas, armazenagem e infraestrutura (R$ 1,6 bilhão). A pecuária respondeu por R$ 530 milhões. A busca por recursos é forte especialmente entre produtores de soja, milho, trigo e pecuária de leite, culturas de grande representatividade no Estado.
Apesar do volume, a inadimplência rural também preocupa. Dados do Sistema Nacional de Crédito Rural indicam que o índice de atrasos superiores a 90 dias em contratos de custeio gira em torno de 6,3% no RS – acima da média nacional de 5,1%. Especialistas apontam que a fragilidade na gestão financeira das propriedades, agravada por eventos climáticos extremos nos últimos anos, tem contribuído para o aumento do risco de crédito na região.
Na avaliação da CEO da Campo Capital, Isadora Caixeta, o cenário reforça a importância de oferecer crédito com inteligência e de promover o fortalecimento da gestão financeira no campo. Segundo ela, mesmo entre produtores tecnificados, ainda são frequentes as lacunas administrativas. Combinando orientação e estratégia, diz, é possível prevenir o endividamento desordenado e ampliar as chances de sucesso das propriedades no longo prazo.