O cultivo do trigo no Rio Grande do Sul enfrenta desafios na safra 2025. Até esta quinta-feira (3), metade da área prevista já foi semeada, conforme levantamento da Emater/RS-Ascar, indicando avanço em relação ao fim de junho. O ritmo de semeadura, porém, ainda é considerado lento para o período, especialmente nas regiões Norte e Noroeste – principais áreas produtoras – onde a janela preferencial do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) se encerra em 10 de julho.
O atraso se deve principalmente às chuvas intensas que atingiram essas regiões, com precipitação quase três vezes acima da média histórica para junho, segundo dados da Embrapa Trigo. A umidade excessiva encharcou o solo, limitou o acesso das máquinas às lavouras e trouxe preocupações quanto à sanidade e ao manejo das plantas já implantadas.
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Apesar dos desafios, o calendário oficial de semeadura vai até 31 de julho, o que ainda permite que os produtores completem o plantio com cuidados adequados para garantir o desenvolvimento da cultura.
"Temos ainda uma boa janela de semeadura pela frente. O importante é semear bem, com todos os cuidados fitossanitários, e não apenas semear cedo", orienta o pesquisador Osmar Conte, da Embrapa Trigo.
A instabilidade climática, no entanto, vem influenciando diretamente as decisões dos produtores. Estimativas da Emater indicam uma redução de até 17% na área cultivada em relação ao ano passado, com projeções entre 1 milhão e 1,1 milhão de hectares – ante os 1,3 milhão de 2024.
Além da questão meteorológica, fatores econômicos e estruturais pesaram na escolha dos agricultores. A queda na oferta de crédito rural e o aumento nos custos de financiamento resultaram em menor investimento técnico nas lavouras, com impacto direto na capacidade de manejo e na adoção de tecnologias.
De acordo com o engenheiro agrônomo Célio Colle, da Emater/RS-Ascar, o plantio nesta safra tem ocorrido, em grande parte, com recursos próprios. No ano passado, cerca de 860 mil hectares foram financiados com crédito rural no Estado.
Em 2025, a estimativa é de menos de 470 mil hectares, reflexo da elevação das taxas e da redução no apetite de risco dos produtores. Mesmo com o lançamento do novo Plano Safra, a exigência de conformidade com o Zarc como condição para o financiamento com juros subsidiados torna-se um desafio adicional em anos de atraso como este.
Nas áreas onde o trigo já foi implantado, a combinação de umidade elevada, baixa insolação e solo saturado de água tem limitado o crescimento das plantas, atrasado tratos culturais e elevado os riscos de doenças, como o mosaico comum do trigo. A doença pode causar perdas de até 50% no rendimento de grãos, especialmente em áreas com drenagem deficiente.
A infecção precoce das plantas, nos dias subsequentes à semeadura, pode causar perdas significativas. A adoção de cultivares resistentes continua sendo uma das principais estratégias recomendadas para o controle das doenças e para assegurar o desenvolvimento saudável da lavoura.
Além da sanidade vegetal, a conservação do solo também exige atenção. A erosão hídrica provocada pelas enxurradas compromete a qualidade das lavouras, especialmente quando o plantio é realizado em sentido morro acima e morro abaixo, prática ainda comum no Estado. A orientação dos pesquisadores é pela semeadura em contorno e pela adoção de terraços agrícolas, práticas que aumentam a infiltração da água e ajudam a preservar nutrientes e sementes.
A previsão para as próximas semanas indica tempo seco até meados de julho, o que deve favorecer o avanço da semeadura. A neutralidade climática, sem influência direta de El Niño ou La Niña, deve marcar o inverno com alternância entre períodos chuvosos e secos. Apesar da oscilação, a expectativa é de produtividade satisfatória para as lavouras que conseguirem se estabelecer bem.
Mesmo assim, o cenário econômico segue pressionando a cadeia produtiva. A escassez de políticas públicas de incentivo, a concorrência com o trigo importado — favorecido por estoques elevados e câmbio alto — e o custo do financiamento comprometeram a atratividade da cultura. Muitos produtores optaram por reduzir área ou migrar para alternativas como a canola, cuja área cresceu cerca de 33% em 2025, amparada por contratos de compra antecipada e custos mais baixos.
Para Hamilton Jardim, presidente da Comissão de Trigo da Farsul, a insegurança do produtor se reflete também na cobertura de seguro rural.
Para Hamilton Jardim, presidente da Comissão de Trigo da Farsul, a insegurança do produtor se reflete também na cobertura de seguro rural.
“No ano passado, o seguro cobria 65% da área de trigo no Estado. Neste ano, dificilmente vai chegar a 50%. O produtor está ficando desassistido”, alertou.
Cuidados com o solo e nutrição evitam perdas na safra
A instabilidade climática da safra 2025 exige dos produtores de trigo cuidados adicionais com o solo e a nutrição das lavouras. O excesso de chuvas em junho elevou os riscos de erosão hídrica e comprometeu práticas essenciais, como a aplicação de herbicidas, fungicidas e adubação de cobertura.
A Embrapa Trigo alerta para o impacto da enxurrada sobre o solo em sistemas de plantio direto mal manejados.
“Quando o plantio é feito morro acima e morro abaixo, a enxurrada escorre justamente sobre os sulcos de semeadura, arrastando sementes, adubo e matéria orgânica”, explica o pesquisador José Eloir Denardin.
A recomendação é dispor as linhas de plantio em contorno e utilizar terraços agrícolas, que ajudam a reter água e a garantir a reserva hídrica para os cultivos de verão.
Outro ponto de atenção é a adubação nitrogenada. Em condições normais, a recomendação técnica varia de 60 a 120 quilos de nitrogênio por hectare, com cerca de 15 a 20 quilos aplicados na semeadura e o restante em cobertura.
Porém, diante do risco de perdas por lixiviação, o fracionamento das doses em três etapas é a estratégia mais indicada. Caso ocorra chuvas intensas após a aplicação, é possível compensar as perdas ajustando a dose seguinte.
Com relação às geadas, o risco maior para o trigo ocorre no espigamento, entre o fim de agosto e o início de setembro. O atraso na semeadura, embora problemático do ponto de vista operacional, pode eventualmente afastar esse risco – desde que o restante do ciclo ocorra em condições climáticas favoráveis. Enquanto isso, o controle de doenças como manchas foliares depende da rotação de culturas, tratamento de sementes e uso de cultivares resistentes.