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Agro

Cooperativa

- Publicada em 15 de Maio de 2023 às 00:35

Atraso no pagamento a fornecedores agrava crise na Cooperativa Piá

Dívida de R$ 8 milhões com fornecedores vence nesta terça-feira, e empresa enfrenta dificuldades para quitar

Dívida de R$ 8 milhões com fornecedores vence nesta terça-feira, e empresa enfrenta dificuldades para quitar


Google Maps/Reprodução/JC
Claudio Medaglia
Claudio Medaglia
Sem ter conseguido pagar R$ 2,6 milhões vencidos na sexta-feira (12) a centenas de produtores de leite de Nova Petrópolis, São Francisco de Paula, Veranópolis e Rio das Antas, a Cooperativa Agropecuária Petrópolis Ltda. - Piá, tem um novo desafio nesta terça-feira (16), quando outros R$ 8 milhões precisam ser quitados junto a fornecedores de Vila Flores e Marau.
 
A fatura em aberto junto aos cooperados da região-berço da Piá deveria ter sido paga entre os dias 10 e 12 de maio. E a inadimplência contrariou muitos deles, que já falam em buscar outros parceiros para entregar o leite. Enquanto isso, a Piá bate às portas do sistema financeiro para solucionar a demanda mais urgente, mas sua situação fiscal é considerada tão complicada, que o crédito secou. O momento crítico é a consolidação de uma crise de gestão que vem se construindo há mais de uma década.
O Jornal do Comércio tem tentado contato há semanas com o presidente, Jeferson Smaniotto, sem sucesso. As ligações são transferidas da recepção para o ramal da secretária do dirigente, que chama sem parar até que a ligação seja interrompida. Os e-mails enviados também não são respondidos.
Enquanto isso, depoimentos de fornecedores, cooperados, ex-dirigentes e representantes do sistema financeiro contam a mesma história, pedindo para que suas identidades sejam preservadas. Uma narrativa repetida de falhas que aumentam a distância entre a Piá e a pavimentação de um caminho para a recuperação.
Na assembleia geral extraordinária realizada há algumas semanas, a diretoria reportou uma dívida bancária de R$ 74 milhões. Mas o rombo é ainda maior, considerando o prejuízo acumulado no ano passado, de R$ 62 milhões. Somado aos resultados desde 2017, o montante totaliza cerca de R$ 130 milhões, que vêm sendo rateados na conta-capital dos associados.
A tempestade perfeita se desenha no entorno da cooperativa, enquanto a atual diretoria, eleita em 2017 e reeleita em 2021, vem se esquivando das críticas e do contato direto com os associados. Assim, diversas instituições bancárias com relacionamento com a Piá têm optado por não disponibilizar mais recursos enquanto medidas de austeridade não forem adotadas.
“É como lidar com um filho envolvido com drogas e que nos pede dinheiro repetidamente para manter o vício. Um bom pai se divide nos sentimentos. Mas chega um momento em que o filho apenas irá se enterrar ainda mais no problema, e ainda pode levar junto a família. Nessa hora, temos de dizer não”, compara um operador do sistema financeiro ouvido pelo Jornal do Comércio sob a condição de anonimato.
Por isso, a insegurança quanto ao futuro financeiro da cooperativa faz com que o acesso a novos créditos fique mais distante e difícil. Normas de conduta recomendadas por especialistas para começar a sair do atoleiro não estariam sendo acolhidas, travando o relacionamento com bancos. Um deles, inclusive, desenvolve um trabalho de consultoria para identificar problemas e sugerir alternativas à empresa, sem sucesso, conta um ex-dirigente da cooperativa.
Em momentos de crise, situações econômicas e governança fazem toda a diferença. Quando se estabelece um plano de ação, ele precisa ser cumprido, sob risco de o problema se agravar ainda mais. E quando isso acontece, a confiança e a expectativa dos agentes que podem auxiliar acabam se perdendo, diz o diretor de um agente financeiro que monitora a situação da empresa.
“O que está acontecendo com a comunidade no entorno da cooperativa Piá é um pecado. Profissionalismo, governança e decisões certas são os princípios da construção para reverter situações como essa. Mas com acordos deixando de serem cumpridos, a situação piorou ainda mais. Se tivessem feito um bom trabalho, os bancos lutariam para apoiar. É lamentável ter chegado a esse ponto, em que emprestar mais dinheiro pode piorar o cenário”, observa. Ele acredita, porém, que ainda há uma chance de recuperação, desde que medidas urgentes sejam adotadas.
 
Trajetória foi de sucesso antes da chegada da crise
A cooperativa Piá foi fundada em outubro de 1967, a partir de um projeto moderno importado da Alemanha e com uma gestão eficiente, composta por uma diretoria política e um administrador. “O trabalho funcionou muito bem até aquele momento. Tanto que a marca Piá ainda é muito lembrada pelos consumidores”, observa um associado que abandonou a atividade leiteira para se dedicar a um novo projeto na região. A empresa viveu seu auge até o início da década passada, quando chegou a beneficiar 600 mil litros de leite por dia.
Nesse ponto da história, uma mudança no regime de gestão e um passo ousado começaram a construir o cenário atual. A Piá passou a ser comandada por um conselho de Administração – com quatro anos de gestão e direito a uma reeleição - composto pelo diretor-presidente, vice-presidente, secretário, nove conselheiros titulares e três substitutos. O projeto de expansão, orçado em R$ 28 milhões à época, justificado pelo momento favorável do setor leiteiro, acabou sendo praticamente quadruplicado, chegando à casa dos R$ 100 milhões, para criar a estrutura atual, com capacidade de processamento de 1 milhão de litros de leite por dia.
Diversos empréstimos bancários foram contraídos, e, para cada R$ 1 financiado, a cooperativa tinha R$ 2 de reserva. O movimento seguinte complicou ainda mais o quadro. A aquisição de equipamentos importados exigiu dinheiro com o qual a Piá não deveria mexer.
Problemas na gestão começaram a se repetir, os departamentos comercial e de marketing já não davam os melhores resultados. Sucessivas trocas de funcionários em setores estratégicos também dificultavam as relações com o mercado. E a cooperativa foi perdendo vendas, espaço nos supermercados, levando à desvalorização de seus produtos.
Nessa espiral, caem o faturamento, o capital de giro e a capacidade negociação junto aos credores. Atualmente, a diminuição do número de produtos nas prateleiras dos supermercados e agropecuárias da cooperativa reflete a falta de dinheiro até mesmo para a aquisição de embalagens.
A situação é a mesma em estabelecimentos comerciais que compravam da Piá. E, para completar, representantes comerciais que saíam a campo para colher pedidos também estão à espera de pagamento há cerca de três meses. E decidiram parar de oferecer produtos da empresa. Receoso de ficar sem receber as encomendas, o comércio varejista também pisa no freio com a cooperativa.
Em março deste ano, o então vice-presidente eleito, Rogério Klering, que atuou entre os anos de 2017 e 2021 como secretário da diretoria, alegou questões pessoais e deixou a cooperativa. Em seu lugar assumiu Fabrício Dall’Agnol. No começo de abril, o presidente Jeferson Smaniotto, que chegou a renunciar ao cargo em dezembro passado mas retornou ao comando da cooperativa, disse, em entrevista na época a uma emissora de rádio de Porto Alegre, que a dificuldade da Piá era de fluxo de caixa. O dirigente assegurou que a situação seria resolvida ainda naquele mês.
“Mas a relação com os associados e fornecedores não mudou. Há dois anos, boa parte dos produtores deixou de trabalhar com a cooperativa. Houve um tempo em que 100% do leite produzido em Nova Petrópolis era entregue à Piá. Hoje, entretanto, 65% vão para outras indústrias. Os maiores produtores saíram. Nós, associados, assim como os bancos, que são credores, queremos a recuperação da cooperativa, mas vejo um risco enorme de não haver o socorro financeiro necessário agora”, relata um cooperativado.
“Quando o fornecedor de leite se vê abandonado, esgota-se a fonte da operação primeira da cooperativa. Estão matando o coração da Piá. E morre um pouco toda a região”, lamenta outro.
A COOPERATIVA PIÁ EM NÚMEROS
- 17 unidades de supermercados e agropecuárias
- 1 unidade de processamento de leite
- 1 unidade de processamento de frutas
- 2 postos de resfriamento de leite
- 2 centros de distribuição de produtos
- 2 fábricas de ração
- Comercializa 10 diferentes tipos de produtos com marca própria
- Já recebeu pelo menos 25 prêmios e certificações importantes
- Atua também na prestação de assistência técnica aos associados
- Tem atividades nos municípios de Marau, Vila Flores, Nova Petrópolis, Santa Maria do Herval, Picada Café, Morro Reuter, Taquara, Ivoti, Feliz e Vale Real
- Sua área de atuação atinge 85 municípios, e a distribuição dos produtos concentra-se basicamente nos três estados do Sul e em regiões de São Paulo
*Fonte: site da Cooperativa Agropecuária Petrópolis Ltda. - Piá