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Entrevista especial

- Publicada em 20 de Dezembro de 2020 às 19:47

Leite: sem aprovação das alíquotas, 'será o caos em 2021'

'Muitos estão advogando contra sem saber o que exatamente', diz Leite, sobre críticos da reforma

'Muitos estão advogando contra sem saber o que exatamente', diz Leite, sobre críticos da reforma


FELIPE DALLA VALLE/PALÁCIO PIRATINI/DIVULGAÇÃO/JC
Depois de aterrissar em São Paulo para bater o martelo do primeiro leilão de concessão de rodovias em 23 anos, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), voltou para casa com uma única coisa na cabeça: aprovar ou aprovar o projeto que mantém, em boa parte, as atuais alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, por tabela, o nível de arrecadação. A votação deve ocorrer terça-feira.
Depois de aterrissar em São Paulo para bater o martelo do primeiro leilão de concessão de rodovias em 23 anos, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), voltou para casa com uma única coisa na cabeça: aprovar ou aprovar o projeto que mantém, em boa parte, as atuais alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, por tabela, o nível de arrecadação. A votação deve ocorrer terça-feira.
"Volto para um fim de semana de negociação intensa", avisou Leite, ao conversar com o Jornal do Comércio antes de embarcar no Aeroporto de Congonhas, na sexta-feira.
O governador reuniu argumentos em favor da reforma no tributo e atentou para a redução da carga às empresas. Sem a renovação, Leite aponta danos gerais à prestação de serviços públicos, respingando, segundo ele, na atração de investimentos para as futuras rodadas de concessões e privatizações.
Com voz tranquila, mas esboçando cansaço, no desfecho de um ano com estiagem, pandemia e embate no Legislativo, o tucano falou sobre seu papel nas eleições de 2022 e respondeu instantaneamente sobre o presente que quer de Natal: "O mais rápido possível a vacina, e a reforma. O governador tem direito a dois presentes?", indagou. 

OUÇA O ÁUDIO DA ENTREVISTA COMPLETA COM EDUARDO LEITE

Jornal do Comércio - O que significa o leilão da RSC-287 na retomada das concessão do setor?
Eduardo Leite - Vai ser a primeira operação do grupo espanhol Sacyr Concesiones, que venceu o leilão, no Brasil. Isso é bem interessante. As concessões são prioridade devido à pouca capacidade do governo de fazer, com recursos próprios. Nas mãos da iniciativa privada, viabiliza-se, além do financiamento, a eficiência para fazer os aportes mais rapidamente. O leilão foi extremamente bem-sucedido, com 54,41% de deságio, com uma tarifa de R$ 3,36. Isso dá previsibilidade para que outros setores econômicos invistam, pois saberão que a estrada estará duplicada e podem programar aportes com a nova capacidade logística. O resultado nos deixa muito animados para 2021, pois teremos mais de 1,1 mil quilômetros a serem concedidos em quatro lotes, licitados no segundo semestre.        
JC - Como venceu um grupo estrangeiro, isso pode despertar interesse de outros?  
Leite - Além de rodovias, temos as privatizações da CEEE, Sulgás e as parcerias público-privadas (PPPs) de saneamento. Em todas essas áreas, há grandes players internacionais que acreditamos que vão participar e observam o Rio Grande do Sul por tudo que temos empreendido e a estabilidade, frisada por especialistas, relacionada às reformas (previdenciária e administrativa) e outras que tramitam na Assembleia Legislativa, como a das alíquotas. Isso mostra um Estado disposto a criar um melhor ambiente de negócios. 
JC - A Sulgás será vendida quando? 
Leite - Provavelmente, vamos lançar o edital da Sulgás junto com os da CEEE-GT, que será dividida em duas - geração e transmissão -, entre março e abril. Os outros lotes de estradas devem ser leiloados no segundo semestre, pois falta a modelagem econômico-financeira. No fim do primeiro semestre, devem ser apresentadas as PPPs de saneamento. O IPO da Corsan deve ficar para o segundo semestre.  
JC - Como a questão das alíquotas interfere nessa estabilidade, que o senhor menciona? 
Leite - Tenho alertado que o desajuste estrutural das finanças não vai ser resolvido em poucos anos. Essas concessões ou privatizações que envolvem serviços públicos são uma espécie de casamento com o Estado, pois as empresas se comprometem por 30 anos. Ter um governo adimplente com suas obrigações, não estar insolvente e ter até alguma recuperação de capacidade de investimento própria é estratégico para animar investidores. O Estado é uma grande empresa, com funcionários, fornecedores etc. Se quebrar, arrasta uma série de outras empresas. 
JC - Sem aprovar a reforma do ICMS, o Estado quebra? 
Leite - Temos um conjunto de obrigações, que são as despesas correntes (como a folha de salários, que se conseguiu pagar em dia em fim de novembro após 57 meses), que precisam ser suportadas pelas receitas correntes. Esse desequilíbrio é claro no orçamento aprovado pelos deputados, que prevê R$ 8 bilhões de déficit em 2021, isso sem incluir maior gasto com precatórios - hoje são pagos R$ 600 milhões por ano, quando deveríamos quitar R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões pela previsão constitucional até 2024. Além disso, tem a dívida não paga com a União, que soma mais de R$ 10 bilhões em pouco mais de três anos - liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o pagamento em agosto de 2017. Ao aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), esse débito não é perdoado, mas teremos um prazo para integralizar. Além do déficit da dívida e dos precatórios, tem a conta da emenda do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que impede incluir gastos com aposentados no teto de 25% da educação, que significará mais R$ 3 bilhões por ano, o que é inviável agora. Sem receita, a renda de privatizações vai para pagar as contas do mês, o que, a rigor, não pode e queima recursos para investir em setores estratégicos. Este é o desafio a superar no debate na Assembleia e com o setor empresarial. 
JC - Sem a renovação das alíquotas, a dificuldade começa a bater na porta do Estado quando?   
Leite - Como temos a receita do IPVA pago no fim do ano e começo do próximo, talvez se consiga segurar pagamentos até fevereiro e março. Depois disso, começa o período crítico. Serão R$ 200 milhões de receita a menos por mês.      
JC - Há quem sustente que a ajuda do governo federal este ano e a receita do acordo da Lei Kandir dispensariam a majoração. Como o senhor responde a isso?   
Leite - Em 2020, esperava-se receita líquida de R$ 26 bilhões e ficou em R$ 25 bilhões. Com o aporte da União, para cobrir perdas da pandemia, superamos a previsão. Mas em 2021 não tem esse aporte (R$ 1,9 bilhão) e as alíquotas extraordinárias, caso não haja a renovação. A Lei Kandir será pouco mais de R$ 200 milhões. Justamente por termos tido condições um pouco melhor este ano que vamos abrir mão da arrecadação. O Estado não pede para prorrogar o ICMS como está. Mantêm-se os 30% da energia, combustíveis e telecomunicações até 2023, e reduz-se a alíquota geral de 18% para 17,5% em 2021. Em 2022, volta a 17%. O ICMS interno passa a 12% e o Diferencial de Alíquota (Difal) acaba. Tudo para garantir capacidade fiscal e de investimento do Estado. 
JC - As pessoas cobram que o senhor disse que não iria pedir a renovação além de dois anos... 
Leite - Na campanha eleitoral, falei dois anos para dar tempo de estruturar uma proposta de reforma tributária que avaliaria setores desonerados, com capacidade contributiva para que pagassem e iríamos buscar a redução das alíquotas majoradas. Mas não podemos reduzir impostos às custas da precarização de outros serviços públicos, como segurança, educação e saúde. Fazer uma redução abrupta de receitas que vai comprometer esses serviços vai tornar o Rio Grande do Sul menos competitivo. O investidor quer garantia de saúde, segurança e educação que qualifique a mão de obra. Eram dois anos para propor uma política tributária diferente, fizemos isso no meio do ano, reduzindo alíquotas e compensando em setores mais desonerados, pois há tempo se fala em revisar incentivos fiscais. Mas o ambiente da pandemia não permitiu um debate sério e responsável sobre isso. Também teve muita manifestação política com interesse eleitoral que prejudicou o debate.      
JC - É isso ou há uma resistência em setores da sociedade para mexer na estrutura tributária, possibilitando redução de carga para a renda mais baixa, que estava na sua proposta? 
Leite - Parece que o governo sempre que fala de imposto está sob suspeita. As pessoas não esperam coisas boas em relação a isso, o que acaba contaminando o ambiente. Por mais que se explique que haverá redução, que seria além da que atinge as empresas optantes do Simples, no projeto atual, há uma certa má vontade de algumas entidades empresariais que entendem sobre o que estamos falando, mas não se permitem convencer.   
JC - O senhor advertiu que setores contrários ao projeto querem que "os empresários paguem mais imposto". Os setores beneficiados pela redução captaram esse alerta?   
Leite - Minha tarefa é tentar esclarecer, tanto sobre o impacto para o Estado coletivamente, pois se a reforma não passar vai se perder arrecadação, afetando serviços e investimentos. O próprio empresário vai perder porque o retorno ao patamar anterior das alíquotas vai fazer com que quem paga 18% passe a 17% nas compras internas, quando estamos propondo 12%.
JC - A Federação das Indústrias do RS (Fiergs) apoia os 17,5% em 2021, mas defende o escalonamento da alíquota de 30% até 2023. Como avalia essa posição? 
Leite - Cada ponto percentual retirado da gasolina e álcool (o diesel é de 12%) são cerca de R$ 200 milhões. Precisa ter clareza sobre isso e o impacto diminuto na bomba. Defendo os 30%, redução de 18% para 17,5% e a nova faixa de isenção do Simples. Estamos dialogando em busca de soluções, mas não adianta forçar uma redução para ter discurso político sabendo que não haverá escapatória para o Estado, neste ou no próximo governo, de buscar aumento de impostos para cobrir compromissos.
JC - Qual é a sua expectativa sobre a votação? 
Leite - Vou trabalhar para que, conscientes da situação, viabilizem a aprovação. Não sou eu quem paga a conta. Sou apenas o síndico. Quem paga o condomínio é a população. Conversei com muitos parlamentares e empresários que entendem e concordam o que estamos fazendo. Vamos trabalhar até o último minuto para aprovar a reforma. Sem ela, o Estado se dirige ao caos. 
JC - O MDB pode desequilibrar. O que espera da bancada?
Leite - Tenho boa expectativa. O partido sempre agiu com responsabilidade quando governou, teve três governadores recentes que contaram com o apoio do PSDB. Todos tiveram de aumentar impostos e não tiveram medo, de Antonio Britto (1995-1998), Germano Rigotto (2003-2006) a (José Ivo) Sartori (2015-2018). Procuraram fazer o que era certo para o seu momento histórico. Estamos em um contexto que exige grande responsabilidade para não prejudicar uma agenda que não é de dois anos de Eduardo Leite, mas de seis anos de reestruturação do Estado. 
JC - Sobre 2022, qual será seu destino: candidatura ao Senado ou à presidência da República?
Leite - Não penso em nenhuma candidatura em 2022. Não serei candidato à reeleição porque é um compromisso que firmei e para manter o melhor ambiente de cooperação e colaboração entre as forças políticas que me apoiam. O foco está no combate à pandemia e em aprovar a alteração do imposto. Tenho conseguido ganhar espaço na política nacional, o que me coloca na condição de debater o futuro do País e quero ajudar a construir condições para que uma candidatura de centro se viabilize em 2022.
JC - Não está descartado que o senhor seja esse candidato?
Leite - É natural que, como um político, projete estar nas posições de maior poder de decisão e de encaminhamento de futuro, mas não pode ser isso que motive a nossa atuação. Já tenho enormes desafios no Estado, não precisa ampliar isso antecipando debates eleitorais que não têm propósito nesse momento. 
JC - Como o senhor enxerga a disputa pela vaga no Senado?
Leite - Não concorro à reeleição, e qualquer outra candidatura exigiria que eu renunciasse seis meses antes do pleito. Não pretendo renunciar para concorrer ao Senado. Quero ajudar a fazer uma composição em nível estadual que viabilize a continuidade de uma linha de administração. O governador Sartori contribuiu para a reestruturação da máquina pública, demos a nossa e com ritmo mais forte.    
JC - O senhor acredita em uma ação conjunta nacional na vacinação?
Leite - O que espero e pelo que trabalho: arrefecer os ânimos, reduzir essa tensão política na forma dos cuidados e do distanciamento e agora em relação à vacina. Isso não constrói e não atende aos interesses da sociedade, que quer mais segurança na condução desse tema. Para isso, precisa ser mais técnico, agindo com base na ciência, do que com tratamento político.
JC - Teremos um janeiro muito difícil de pandemia?
Leite - Vamos ter alguns meses até termos o efeito da imunização. Teremos de conviver com níveis de protocolos e restrições ainda por algum tempo. 
JC - O que o senhor gostaria de ganhar de presente de Natal? 
Leite - O mais rápido possível a vacina, e a reforma. O governador tem direito a dois presentes?

Perfil

Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite nasceu em Pelotas em 10 de março de 1985. É bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Filiado ao PSDB desde 2001, foi secretário municipal das gestões de Bernardo de Souza e Fetter Júnior e depois foi eleito vereador (2009 a 2012) e prefeito (2013 a 2016) de Pelotas. Ao ser eleito aos 33 anos ao Palácio Piratini em 2018, com 3.128.317 votos (53,62% dos votos válidos), tornou-se o mais jovem no atual ciclo de governadores do Brasil. Leite foi escolhido, em 2016, pela revista americana Americas Quarterly como um dos cinco políticos mais promissores da América Latina entre nomes com menos de 40 anos. Em 2017, cursou políticas públicas na Universidade Columbia, em Nova Iorque. Quando se candidatou ao governo gaúcho, fazia mestrado em Gestão Pública na Fundação Getulio Vargas (FGV).