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Europa

- Publicada em 12 de Setembro de 2021 às 13:32

Crise no Afeganistão eleva risco de terrorismo na Europa, dizem analistas

Atenção se voltará para jhadistas com o julgamento dos ataques de novembro de 2015 em Paris

Atenção se voltará para jhadistas com o julgamento dos ataques de novembro de 2015 em Paris


BERTRAND GUAY/AFP/JC
A tomada de poder pelo grupo fundamentalista islâmico Taleban no Afeganistão aumenta o risco de terrorismo na Europa. Mas, segundo especialistas em atividades extremistas e na prevenção de atentados, as ações devem ser mais pontuais que as das décadas passadas.
A tomada de poder pelo grupo fundamentalista islâmico Taleban no Afeganistão aumenta o risco de terrorismo na Europa. Mas, segundo especialistas em atividades extremistas e na prevenção de atentados, as ações devem ser mais pontuais que as das décadas passadas.
A possibilidade de que grandes operações sejam preparadas no país da Ásia Central e realizadas na Europa "parece estar excluída", principalmente porque as agências antiterrorismo se fortaleceram muito após os atentados do 11 de setembro, diz o ex-agente de inteligência francês Claude Moniquet, que dirige o Centro Europeu de Inteligência Estratégica e Segurança. A recriação de uma base de retaguarda da Al-Qaeda no Afeganistão para atentados terroristas no Ocidente também é vista como pouco provável no curto prazo pelo islamologista e professor de ciência política e criminologia da Universidade de Liège, na Bélgica, Alain Grignard.
Segundo o professor, o Taleban fará tudo para evitar que o Afeganistão seja visto como território livre para terroristas. "Foi justamente devido à Al-Qaeda que o emirado islâmico construído pelo Taleban em 1996 foi destruído", afirma Grignard, que atuou na divisão antiterrorismo da Polícia Judiciária Federal belga e integra o Centro de Estudos de Terrorismo e Radicalização da Universidade de Liège.
O islamologista diz que o projeto atual do Taleban, assim como o de 25 anos atrás, é "essencialmente nacionalista - de construir um Estado, segundo eles, 'islamicamente puro'.” Assim, sem uma liderança com o dinheiro e o carisma que tinha Osama bin Laden, a Al-Qaeda não deverá conseguir se impor.
Também o Estado Islâmico (EI) não deve se tornar uma ameaça maior para os países europeus, de acordo com Grignard, porque é inimigo do Taleban e da Al-Qaeda e "estará muito ocupado lutando contra esta última para conseguir montar operações na Europa". Se não terá impacto direto, o sucesso do Taleban em Cabul pode incentivar ataques pontuais, como esfaqueamentos e atropelamentos, afirma o professor e, de acordo com Moniquet, "certamente dará um novo ímpeto ao movimento jihadista global.”
Segundo ele, foi o que ocorreu em 1989, após a vitória dos mujahidin (combatentes islâmicos) contra o Exército soviético. "Bin Laden disse: 'Derrotamos a segunda potência militar do mundo, agora vamos atrás da primeira'. E isso foi feito em 11 de setembro de 2001."
O fato de que o governo afegão, apoiado por EUA e Otan durante 20 anos, desmoronou em poucas semanas quase sem luta deve encorajar islâmicos radicais, afirma o analista. "Direta ou indiretamente, em Cabul a jihad global encontrou uma segunda juventude. Pode não demorar muito para que paguemos o preço", diz Moniquet, autor de "Daech - La Main du Diable" (EI, a mão do diabo, inédito no Brasil).
"O islamismo é um fenômeno global, e o advento do regime taleban no Afeganistão galvaniza islâmicos em todo o mundo", concorda a educadora belgo-marroquina e diretora do Observatório dos Fundamentalismos, com sede em Bruxelas, Fadila Maaroufi. Ela cita como exemplo comemorações em rede social quando o Taleban tomou posse do palácio presidencial afegão, feitas por fundadores da Barakacity, entidade dissolvida em 2020 pelo governo francês após o assassinato do professor de história Samuel Paty.
Considerada salafista (que segue um islamismo ultraconservador e internacionalista), a Barakacity tem muitos apoiadores na França e na Bélgica, de onde saíram vários dos terroristas responsáveis por atentados em 2015 e 2016. "Vários grupos jihadistas em várias partes do mundo celebraram os recentes acontecimentos no Afeganistão", afirma a pesquisadora de contraterrorismo e crimes transnacionais, com foco na União Europeia e no Oriente Médio, Annelis Pauwels.
Para ela, que atua no Vlaams Vredesinstituut (Instituto para a Paz, centro independente de pesquisa do Parlamento Flamengo), a ascensão do Taleban pode ser usada como propaganda, para fortalecer nos jihadistas a convicção de que o terrorismo leva à vitória, mesmo contra uma potência global como os EUA.
O valor simbólico da retomada de Cabul "antes mesmo do aniversário do 11 de setembro" também foi ressaltado pelo diretor dos programas Síria e Combate ao Terrorismo e Extremismo no Instituto do Oriente Médio, baseado em Washington, Charles Lister. "É impossível subestimar o quão significativo isso será para o movimento jihadista em todo o mundo - um efeito que será colhido por anos, se não décadas", afirmou em análise para o instituto, dias antes da queda do governo no Afeganistão.
Além das cenas afegãs, a atenção sobre os jihadistas será reavivada pelo julgamento dos acusados pelos ataques que mataram 130 pessoas em Paris em 2015, iniciado na última quarta-feira (8), diz Grignard. "Alguns serão estimulados a ouvir continuamente na mídia sobre um islã radical ao qual aderem."
Essa visibilidade pode estimular apoiadores mais ou menos próximos da causa a cometer ataques improvisados, como os que ocorreram no ano passado, durante o julgamento do atentado contra os jornalistas da publicação satírica Charlie Hebdo.

Estratégia atual do Taleban também pode conter riscos

Para Maaroufi, a crise no Afeganistão deveria mostrar a líderes ocidentais que é ingenuidade acreditar em um Taleban "mais moderno e inclusivo". "Fundamentalistas querem impor suas visões de mundo pela força e pela coerção", diz a educadora, que trabalha na prevenção à radicalização islâmica em Bruxelas.
Moniquet também vê riscos na estratégia atual do Taleban de se mostrar menos radical, para obter reconhecimento e garantir a continuidade do regime. Segundo o especialista, para convencer os líderes ocidentais, terão que fazer concessões em relação a direitos das mulheres e, em menor medida, liberdade de expressão, o que deve desagradar membros mais radicais - "e são muitos" - e dividir o movimento.
"Se grandes partes do país escapassem de seu controle, grupos como a Al Qaeda ou EI-Khorasan (braço afegão do EI) poderiam florescer e planejar ações, pelo menos regionais, que se materializariam em ataques em países vizinhos ou contra interesses ocidentais nesses Estados", afirma Moniquet.
A transformação do Afeganistão em local seguro para grupos terroristas, como antes dos ataques de 11 de setembro de 2001, seria um risco no longo prazo, afirma Pauwels, do Instituto para a Paz. "Vários combatentes estrangeiros ocidentais que lutaram com o Estado Islâmico na Síria e no Iraque ainda não voltaram para casa e podem continuar lutando ou recebendo treinamento militar em outros locais, incluindo o Afeganistão", diz ela, o que pode representar uma ameaça direta à Europa se esses cidadãos decidirem voltar aos países de origem para promover atentados.
Por fim, "outro problema se agiganta", segundo Maaroufi: a possibilidade de que extremistas islâmicos se instalem na Europa durante os esforços para acolher refugiados políticos. "O direito de asilo é fundamental, mas será preciso exercer vigilância e prudência", afirma ela. Essa é uma preocupação já manifestada pela comissária responsável por imigração no bloco europeu, Ylva Johansson.
Em 2013, a Comissão Europeia tentou criar um sistema de registro obrigatório para todos os ingressantes no bloco, a partir do Eurodac, um amplo banco de dados com impressões digitais, mas a proposta foi atacada por entidades de direitos humanos. Moniquet é mais um a não descartar a possibilidade de que "elementos terroristas infiltrados sob a cobertura de pessoas retiradas ou refugiados" realizem ações em Paris, Londres ou Nova York, ainda que em menor escala.