Ponto de encontro dos apreciadores de boa música e chope gelado há 35 anos, o tradicional Bar Odeon, no Centro Histórico da Capital, está à venda. Reduto da boemia porto-alegrense e palco de apresentações memoráveis de tango, jazz e MPB, o local já amarga 18 meses fechado, em função da pandemia. Há cerca de um mês, a situação foi agravada pela dificuldade em readequar o estabelecimento às atuais normas sanitárias, o que pesou na decisão do proprietário de não reabrir as portas e buscar novos rumos para a casa.
Um dos fundadores do bar, Celestino Paz Santana, o Tino, conta que desde 20 de agosto, quando a
prefeitura da Capital readequou a volta da música ao vivo e a lotação de bares e restaurantes, vem estudando uma forma de reestruturar o pequeno salão do Odeon às novas exigências. No entanto, o decreto que limita um cliente a cada 4 metros quadrados inviabiliza economicamente o negócio, que até então funcionava com 13 mesas para até quatro pessoas, totalizando 52 assentos. Outros 15 clientes costumavam sentar lado a lado no balcão, e outra dezena ficava de pé durante os shows, o que não é mais permitido. "
Fiquei esperando até agora a liberação, mas não tenho como funcionar nos padrões exigidos, abrir para cerca de 20 clientes não compensa, não fecha a conta. Cheguei a pensar em testar o novo esquema por alguns meses, mesmo sem ganhar nada, mas fica muito difícil", comenta.
Celestino Paz Santana, o Tino, destaca que adequação às normas sanitárias inviabiliza a manutenção do negócio. Crédito: Marcello Campos/Divulgação/JC
Durante os meses em que as restrições às atividades perduraram, Tino conseguiu renegociar o aluguel de cerca de R$ 3 mil do salão, e até obteve algumas isenções, no entanto, a possibilidade de retomada, em agosto, com reajustes de taxas locatícias, pesou no bolso. O proprietário conta ainda que não deixa dívidas com fornecedores nem com os quatro funcionários que mantinha- garçons, cozinheiro e atendente de balcão. "Fico feliz em não ter dívidas, mesmo com o movimento fraco de antes da pandemia", comenta.
Com a decisão de vender o ponto tomada, a ideia do empresário é conseguir transferi-lo a alguém que queira manter a mesma proposta para o Odeon. "Não estipulei um valor, estou aberto a negociações, mas até agora nenhuma proposta me chamou a atenção", revela Tino.
Ele conta que se surpreendeu com a comoção que a decisão de repassar o ponto causou na comunidade cultural e na clientela. "Não pensava que seria tão difícil. Às vezes a gente não tem a real dimensão da importância de um negócio como esse. Tenho recebido muitos apelos para manter o Odeon aberto e até ofertas de ajuda com os custos, fiquei perplexo, mas é uma decisão pessoal minha, não quero ter de mudar o Odeon do que ele sempre foi", comenta.
Apesar da decisão, ele deixa escapar o anseio por uma alternativa para a manutenção do negócio. "O ponto está à venda e anunciado, mas, de repente, pode surgir alguma nova possiblidade. São quase 36 anos, é uma vida ", avalia.
Bar mantém a mesma decoração e cardápio desde a inauguração. Crédito: Gilmar Luís/Arquivo/JC
Localizado no número 81 da rua General Andrade Neves, no Centro, o Odeon recebeu por três anos consecutivos, de 2010 a 2012, a distinção da Revista Veja de melhor bar com música ao vivo da cidade e sempre colecionou clientes ávidos por música de qualidade e, de quebra, fãs das almôndegas e bolinhos de bacalhau da casa. Ao longo de três décadas e meia de funcionamento, o bar manteve a mesma decoração e cardápio, deixando o foco principal sobre astros como o flautista Plauto Cruz e o bandoneonista Rafael Koller, já falecidos, o trumpetista Luiz Fernando Rocha e o cantor Felipe Catto, quando ainda morava em Porto Alegre.
Antes de abrigar o bar, no local também funcionou uma gráfica e um salão de barbeiro. O nome da casa remete ao tango homônimo, composto em 1909 pelo pianista carioca Ernesto Nazareth, e que recebeu, meio século depois, letra de Vinícius de Moraes.
Pesquisador de fatos e lugares da cidade, o jornalista Marcello Campos lembra ainda que nos primórdios do Odeon, inaugurado em 1985, a clientela era formada por apostadores do turfe. "Era um dos locais onde os apostadores pegavam o jornal com os resultados das corridas de cavalo, por conta da ligação do então gerente, Beto (Adalberto Castilhos), com a atividade", comenta.