"Não quero mais esta vida", desabafa Elisa Prenna, proprietária do restaurante Chicafundó, que está de mudança, em Porto Alegre. O Chicafundó vai sair de um dos casarões mais charmosos da avenida Independência, na esquina com a rua Fernandes Vieira, próximo ao Centro da Capital, que abrigou por mais de 15 anos o francês Chez Philippe.
A casa fechou nesse sábado (17), quando as últimas produções da cozinha comandada pelos chefs Matias Moreno, que atuou no Chez Philippe e é casado com Elisa, e Leonardo Xerez foram finalizadas. "A cozinha da dona Chica vai mudar de lugar" é o aviso na página de entrada do site do estabelecimento.
O Chicafundó, que combina cardápio com pratos das cozinhas francesa, tailandesa e italiana, vai reabrir em uma casa mais modesta, em tamanho e arquitetura, na avenida Mercedes, 157, no bairro Floresta, que teve na vizinhança o português Calamares, já fechado.
A nova fase, cuja data de recomeço ainda não foi definida pois depende de detalhes essencialmente técnicos como ligação de luz e gás, é efeito dos tempos de pandemia. Sai o serviço do salão, com mesas para os frequentadores poderem saborear as comidinhas, e entra o delivery e take-away.
Elisa descreve dois motivos para a decisão.
Pandemia abriu novas oportunidades na operação do Chicafundó
O primeiro está ligado a mudanças que vêm ocorrendo na forma de atender os clientes,
após o fechamento em março, quando Porto Alegre adota as primeiras medidas de restrição sanitária e uma delas foi a de fechar restaurantes.
"Fechamos em 17 de março e nunca mais reabrimos o salão. Começamos com tele-entrega e take-away e deu muito certo", explica Elisa, citando que até mesmo antigos clientes do primeiro endereço da casa, a rua Bordini, que não tinham mais ido à Independência, devido à distância, voltaram a pedir as comidinhas e respondem pela maior demanda. Mesmo na pandemia, a equipe se manteve - ela, o marido Matias, o outro chef e dois funcionários, que passaram a atuar nas teles e outros serviços.
"Nos demos conta que o movimento era outro", observa a dona do restaurante, sobre a mudança trazida pela pandemia. "A pandemia fez a gente perceber que não precisa de muito, mas a essência vai continuar a mesma em espaço de 100 ou 200 metros quadrados", resume. Sobre um dia voltar a ter salão, os donos não descartam, mas isso só será examinado depois de passar a pandemia.
Custos para manter o casarão tombado pesaram na mudança
O segundo motivo já vinha, pode-se dizer, sendo amadurecido mesmo que de forma inconsciente pelos donos do Chicafundó. A manutenção do casarão, herdado há cinco anos do Chez Philippe, e adaptações exigidas para um imóvel tombado pelo patrimônio histórico, estavam tirando Elisa e o marido do sério.
'A pandemia fez a gente perceber que não precisa de muito, mas a essência vai continuar a mesma', diz Elisa, entre o marido Matias (à esquerda) e Xerez. Foto: Leticia Remião/Divulgação
"Foram cinco anos de muita batalha. Saímos da rua Bordini, onde operamos cinco anos, para a oportunidade aqui. Abraçamos o casarão", lembra ela, sobre o entusiasmo na largada. Planos e até algumas novidades com o uso do jardim acabaram tendo que ser revistos devido a regras do patrimônio histórico.
"Isso veio anos depois. A prefeitura simplesmente nos notificou e mandou demolir tudo que tinha fora (jardim). Foi um balde de água fria", lamenta a proprietária, citando que o casarão, erguido em 1926, no número 1.005, 'é o mais tombado pelo município', devido ao número de itens que não podem ser mudados. O IPTU custa, por exemplo, R$ 27 mil.
"Não tinha noção que era neste nível quando viemos", admite ela. O casal chegou a contratar um escritório de arquitetura para fazer o Estudo de Viabilidade Urbanística, visando às adaptações. O dono do imóvel, a quem cabe fazer as melhorias e conservação, ajudou a pagar parte dos custos. Também ao longo da ocupação, a casa foi aberta a visitantes para conhecer suas características, que é previsto para imóveis tombados. Elisa cita a dificuldade de lidar com os diferentes órgãos, entre Estado e município, que lidam com procedimentos que envolvem patrimônio.
Antes da troca de endereço, Elisa e Moreno lançaram uma campanha ao estilo de financiamento coletivo para pagar as contas do mês (salários, luz, água etc), já que o Chicafundó não terá atividade, pois aguarda as ligações de energia e gás. O casal torce ainda para que o dono do casarão isente o último aluguel, como já vinha ocorrendo nos meses anteriores em meio aos impactos da crise.
Os pedidos foram feitos em setembro. A CEEE pediu ajustes, como a instalação de chave trifásica, devido ao uso de equipamentos com maior demanda de energia, o que foi feito, e o restaurante aguarda desde 13 de outubro pela definição sobre a ligação.
Enquanto isso, Elisa criou vouchers que valem kits com pratos da casa, para 'antecipar o valor' que depois será pago com as comidinhas. A ação foi feita no sábado e, em poucas horas, a oferta se esgotou. O número limitada a 40 kits para garantir a capacidade de elaboração e entrega, explica.
"Liquidou! vendemos tudo que tínhamos disponível. Agora esperamos os clientes quando reabrirmos", avisa a proprietária, feliz pela adesão das pessoas.
"Vai dar tudo certo, vamos seguir", anima-se a dona do Chicacafundó, que não vê a hora de reabrir.
"Vai ter uma mesinha para tomar um café, enquanto o cliente espera o pedido", garante, num recado a um dos frequentadores mais habitues da casa, o escritor e cronista Luis Fernando Verissimo.