Porto Alegre, ter�a-feira, 22 de mar�o de 2016. Atualizado �s 21h42.
PREVIS�O DO TEMPO
PORTO ALEGRE AMANH�
AGORA
22°C
27�C
17�C
previs�o do tempo
COTA��O DO D�LAR
em R$ Compra Venda Varia��o
Comercial 3,6000 3,6020 0,22%
Turismo/SP 3,6000 3,7400 0,53%
Paralelo/SP 3,6000 3,7400 0,53%
mais indicadores
P�gina Inicial | Opini�o | Economia | Pol�tica | Geral | Internacional | Esportes | Cadernos | Colunas | GeraçãoE
ASSINE  |   ANUNCIE  |   ATENDIMENTO ONLINE
COMENTAR CORRIGIR ENVIAR imprimir IMPRIMIR

CINEMA Not�cia da edi��o impressa de 23/03/2016. Alterada em 22/03 �s 19h46min

Mundo c�o, a amarga cr�nica de Marcos Jorge

FEBRE /DIVULGAÇÃO/JC
Babu Santana vive protagonista do longa nacional Mundo cão

Caroline da Silva

Em 1962, o documentário italiano Mondo cane foi lançado em Cannes e virou uma febre internacional, pois inaugurou um novo estilo de narrativa, "shockumentary". Foi este filme que popularizou a expressão Mundo cão, que dá título ao longa de Marcos Jorge atualmente nos cinemas.
O diretor brasileiro completa o caso: "Foi um documentário sobre coisas bizarras do mundo inteiro, e o primeiro blockbuster do gênero na História. Nos anos posteriores, vários seguidores fizeram documentários chocantes de coisas absurdas. Hoje, falamos 'mundo cão' para a violência por causa da produção dos anos 1960". Para tornar explícita a reverência a esta obra, Jorge deixou em seu trabalho um teste para os cinéfilos, uma espécie de "easter egg", uma citação aos italianos.
O cineasta ainda traduziu a epígrafe do título de 1962: "As cenas que vocês vão ver são verdadeiras e filmadas sem truques. Se, às vezes, serão amargas, é porque muitas coisas são amargas nesta terra. O dever do cronista não é adocicar a realidade, mas descrevê-la objetivamente". Os temas de Mundo cão também não são fáceis de digerir. A trama se passa no ano de 2007, quando ainda ocorria o extermínio de animais sadios no âmbito do município de São Paulo. Santana é um funcionário do Departamento de Combate às Zoonoses e trabalha recolhendo cachorros perigosos das ruas. Com uma mulher evangélica e dois filhos, leva uma rotina tranquila, até que seu caminho se cruza com o de um rottweiler. Ele terá que se ver com o dono do cão, Nenê, envolvido com atos ilícitos.
Marcos Jorge afirma que o conflito principal surge da impossibilidade do diálogo. "Os dois homens se encontram, um deles já está furioso, e o outro fica nervoso também. Eles trocam palavras, mas nenhum tenta entender o ponto de vista do outro. Tudo nasce disso, do diálogo que não se estabeleceu entre o Santana e o Nenê." Na opinião do diretor, essa questão reflete o momento atual do País, em que as pessoas estão "homologando" em vez de dialogar. "Uma vez estabelecido o diálogo, você deixa de considerar o outro como um objeto, alguém sem importância. Ele assume uma subjetividade, uma personalidade. Dialogar faz com que você se aproxime do outro ser humano. O roteiro é pleno de significados", destaca.
Autor de Estômago (2008), Corpos celestes (2011) e O duelo (2015), o cineasta diz que tinha como desafio não conduzir com a mão pesada este drama tão cru: "Se fizesse um filme sério, cabeça, iria ficar insuportável, muito doloroso. O que queria era deixar esta história, de alguma maneira, simbólica na cabeça das pessoas". Segundo Jorge, seu cinema busca a reflexão, e Estômago já tinha essa propriedade.
O realizador pôde contar com um grande elenco para esta que seria uma narrativa delicada. "Ele é superimportante, daquelas decisões cruciais. Aliás, é a que me dá mais trabalho e mais angústia. Porque se o elenco não está correto, não funciona, não tem o que salve o filme. É tão crucial que levo muito tempo escolhendo."
Babu Santana (de Tim Maia, 2013) era o único intérprete definido quando da construção do roteiro, tanto que acabou dando nome ao personagem. Marcos Jorge e Lusa Silvestre estavam escrevendo Mundo cão à época do lançamento de Estômago (cujo elenco é integrado pelo ator). "Pensamos que poderia ser um cara como ele: bonachão, que parece forte, agressivo, mas tem o coração mole", relata o diretor.
Como queria um casal misto para representar a família média brasileira, chamou Adriana Esteves, que considera uma excelente atriz dramática. "O Brasil é muito misturado, e nosso cinema é muito branco. Não há muitos títulos brasileiros em que o protagonista e o antagonista são negros." Para fazer o Nenê, Jorge já não tinha mais requisito de perfil: "Ele podia ser branco, negro, japonês, o que quer que fosse... E aí chamei o melhor ator a que tinha acesso naquele momento. Era interessante ter Lázaro Ramos, que faz os mocinhos, para o papel de um psicopata, pois já estava colocando o Babu Santana em um lugar onde nunca era colocado, sempre fazia bandidos e eu queria que ele fosse um pai de família". Conforme o cineasta, Ramos curtiu a proposta, leu o roteiro rapidamente e aceitou pelo desafio. "Foi uma aposta ousada, um trabalho grande, mas deu super certo. Eles estão ótimos nos personagens, isso é unânime na crítica", conclui.
Para o diretor, a dualidade é uma característica de seu trabalho: "As pessoas não são totalmente boas, totalmente más. O que dá profundidade são os defeitos, e também as qualidades. Nenê é um psicopata apaixonante; ele adora cachorro, futebol, fala bem, é entusiasmado, carismático". Marcos Jorge comenta que isso faz parte do desenho do roteiro: "Me oponho a esse cinema didático, em que o bonzinho é bonzinho, o mau é sempre mau. Então, as classes socais mais oprimidas são todas boazinhas e os opressores são todos ricos? Isso não é verdade. A vida real é mais em tons de cinza do que preto e branco, e procuro colocar isso no filme".

A produ��o de atmosferas sonoras


Em entrevista, o diretor Marcos Jorge ainda explicou a configuração da trilha sonora de Mundo cão (da qual assina a supervisão e pesquisa musical) e também sobre a escolha de Nem vem que não tem para ser o tema do filme.
JC - Panorama - O que norteou a escolha da trilha sonora?
Marcos Jorge - Às vezes, as pessoas não são muito sensíveis à trilha, e esta é especial. Nos meus longas, eu tinha uma visão clara de que tipo de trilha eu queria. Neste, com exceção de “Nem vem que não tem” (gostosa para tocar à bateria), eu não tinha ainda certeza de todo o estilo da música quando ainda estava filmando... O filme foi ficando, em função do cast, muito black... (Não há muitos filmes brasileiros em que o protagonista e o antagonista são negros, esta família mista, onde os filhos também são negros). Então, queria uma linguagem pop, um pouco de história em quadrinhos. Resolvi pedir para o compositor que fizesse com uma sonoridade “black”, de black music e samba rock.
Panorama - O compositor a que te referes é Maurício Tagliari, que assina a música original?
Jorge - Sim, Maurício Tagliari é um compositor muito experiente de São Paulo. Ele produz muita gente, conhece bem a história da música brasileira. E ele fez uma música calcada no samba rock, com sons afro, fizemos uma mistura grande neste sentido. Então, tem uma música que é mais atmosférica, em relação ao suspense, especialmente, e tem essa pegada afro em vários momentos, que é bem desafiadora também, porque é uma música muito forte, que tem muita presença. Colocamos ela com muito destaque, um pouco à maneira do Tarantino, que usa a música sempre alto e trabalha a música com as atmosferas. E esta música é muito original, diferente do que você ouve no cinema, não dá para passar desapercebido a ela.
Brigitte Bardot interpreta "Tu veux ou tu veux pas", versão em francês de "Nem vem que não tem", de Carlos Imperial
Panorama - Foi uma coincidência Eu sou Carlos Imperial, filme de Renato Terra e Ricardo Calil (os mesmos de Uma noite em 67), estrear no Brasil no mesmo dia em que Mundo cão, uma vez que o documentário é sobre o compositor de Nem vem que não tem?
Jorge - Poxa, você gosta mesmo de música, tem uma boa cultura musical! Todo mundo acha que Nem vem que não tem é de Wilson Simonal, ficou muito famosa por causa dele. Carlos Imperial compôs essa música e apresentou no programa de televisão do Simonal. E o grupo do Simonal, que tocava ao vivo com ele, meio que fez a música na hora, pois a letra era do Imperial. Carlos Imperial tinha esta mania de registrar no nome dele tudo que acontecia, mas esta, de fato, era dele. E nos anos 1970, ela foi um sucesso internacional. Tem uma versão dela linda na voz da Brigitte Bardot, cantando em francês. Ela teve gravações em várias línguas, é uma música muito legal, malandra...
Panorama - Nem vem que não tem estava no roteiro desde o início?
Jorge - Tinha duas músicas que eu gostaria de ter comprado. Uma era 16 toneladas, que não consegui comprar... Na primeira versão do roteiro, o Santana tocava na bateria 16 toneladas, que tem uma história incrível. É uma música tradicional dos escravos africanos do Sul dos Estados Unidos, que trabalhavam nas minas de carvão. Nos anos 1970, ela foi lançada no Brasil. Quando eu era bem menino, ela explodiu com uma versão em português. Nos anos 2000, o Funk Como Le Gusta regravou e ficou muito legal. Aí tentei comprar os direitos dessa música, mas eles são dificílimos de adquirir, pois os originais norte-americanos foram contestados por dois diferentes compositores que registraram a letra. E o cara que tinha adaptado ela para o português morreu e não deixou herdeiros... A partir de então, comprei Nem vem que não tem para substituí-la, mas é uma coisa parecida com a outra. Eu queria uma música suingada, porque o Santana é um cara bonachão, que tem muito suingue, queria que ele tocasse bateria de uma maneira muito suingada.
16 Toneladas, na versão de Noriel Vilela
Panorama - Mas a letra de Nem vem que não tem também tem a ver com o perfil do personagem...
Jorge - Exatamente, funcionou bem. É uma música de malandro, de quem vai resolver, que se antecipa às coisas. Ao mesmo tempo, ela adianta o que vai acontecer no filme e também supõe, é um pouco uma antítese. E acabou se tornando o tema do filme. Ela é politicamente incorreta, caiu como uma luva, tem tudo a ver com o filme. E ela é difícil, o Babu (Santana) conseguiu tocá-la bem à bateria, você acredita que ele é um baterista amador.
Panorama - Tu também assinas a trilha sonora?
Jorge - Em todos os meus trabalhos, procuro trabalhar lado a lado com o músico, o compositor da trilha. Em geral, pesquiso referências, em alguns casos, até partituras. Acabo assinando a pesquisa musical e a supervisão da trilha porque isso me coloca ao lado do músico, assumo a responsabilidade também. Não compus, sentei ao lado do Maurício (Tagliari), atormentei, ele teve que me aguentar.
Panorama - Isso ocorreu também na fotografia e na montagem, já que és um diretor-autor?
Jorge - Exatamente, gosto de trabalhar com parceiros de alto nível. Não monto meus filmes, chamo um montador, mas sento e trabalho com ele. O mesmo aconteceu com o parceiro da fotografia. Discutimos muito a fotografia do filme, trabalhamos muito na conceitualização dela também... Toca Seabra é meu parceiro de longa data; defendemos a fotografia juntos, e, depois, ele realiza. Tem razão, acabo me metendo em tudo. Por isso, sou como treinador: se o filme é bom, é mérito de todo o mundo; se o filme é ruim, assumo a culpa.
COMENT�RIOS
Deixe seu coment�rio sobre este texto.



DEIXE SEU COMENT�RIO CORRIGIR ENVIAR imprimir IMPRIMIR
LEIA TAMB�M
Museu do Festival de Cinema deve ser inaugurado em agosto Spotlight leva Oscar de melhor filme e DiCaprio finalmente conquista estatueta Bafta 2016, o "Oscar brit�nico", anuncia vencedores Gravata� ter� cinema a partir de mar�o

 EDI��O IMPRESSA

Clique aqui
para ler a edi��o
do dia e edi��es
anteriores
do JC.


 
para folhear | modo texto
� Corrigir
Se voc� encontrou algum erro nesta not�cia, por favor preencha o formul�rio abaixo e clique em enviar. Este formul�rio destina-se somente � comunica��o de erros.
Nome:
Email:
Mensagem:
� Indique esta mat�ria
[FECHAR]
Para enviar essa p�gina a um amigo(a), preencha os campos abaixo:
De:
Email:
Amigo:
Email:
Mensagem:
 
� Comente esta not�cia
[FECHAR]
  Seu coment�rio est� sujeito a modera��o. N�o ser�o aceitos coment�rios com ofensas pessoais, bem como usar o espa�o para divulgar produtos, sites e servi�os. Para sua seguran�a ser�o bloqueados coment�rios com n�meros de telefone e e-mail.  
  Nome:  
  Email:    
  Cidade:    
  Coment�rio:    
500 caracteres restantes
 
Autorizo a publicação deste comentário na edição impressa.
 
Digite o resultado
da opera��o matem�tica
neste campo