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Publicada em 21 de Novembro de 2025 às 00:25

Depois dos Lanceiros Negros, Paulo Paim quer João Cândido entre Heróis da Pátria

Paim fez balanço de suas quatro décadas de atuação no Congresso

Paim fez balanço de suas quatro décadas de atuação no Congresso

/EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Marcus Meneghetti
O único representante negro do Rio Grande do Sul no Senado, senador Paulo Paim (PT), tem levantado a bandeira da igualdade racial há décadas. Atualmente, trabalha para a inclusão do marinheiro gaúcho João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata, no rol de Heróis da Pátria. A matéria já foi aprovada no Senado, mas sofre resistência na Câmara dos Deputados.  
O único representante negro do Rio Grande do Sul no Senado, senador Paulo Paim (PT), tem levantado a bandeira da igualdade racial há décadas. Atualmente, trabalha para a inclusão do marinheiro gaúcho João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata, no rol de Heróis da Pátria. A matéria já foi aprovada no Senado, mas sofre resistência na Câmara dos Deputados.  
Aliás, Paim já aprovou projetos relacionados à igualdade racial com repercussão mais prática na sociedade brasileira, como o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas. E também já aprovou matérias simbólicas sobre o tema, como a inclusão dos Lanceiros Negros entre os heróis da Pátria. Os lanceiros foram revolucionários gaúchos que participaram da Revolução Farroupilha e que, ao final do conflito, foram traídos e assassinados na Batalha de Porongos.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Paulo Paim também explica que, devido ao pedido de representantes de sindicatos e movimentos sociais, pode concorrer a mais um mandato de senador. Ele tinha dito que não concorreria mais. Além disso, revela preocupação com o financiamento da previdência brasileira devido à contratação indiscriminada de funcionários através do regime de Pessoa Jurídica (PJ) ou Microempreendedor Individual (MEI).  
Jornal do Comércio – Qual o balanço que o senhor faz da sua trajetória no Senado?
Paulo Paim – Minha trajetória foi marcada pelas pautas ligadas aos direitos humanos. Sou o autor do Estatuto do Idoso, relator do projeto que deu origem ao Estatuto da Juventude, política de cotas, Estatuto da Igualdade Racial, matérias ligadas à previdência. Cheguei a vice-presidente do Senado. Hoje, sou um dos principais legisladores, que mais tem leis aprovadas. E leis consistentes, né? Não nome de rua. Para mim, um exemplo de lei consistente é transformar os Lanceiros Negros em Heróis da Pátria. E eu tive que negociar com o Exército, inclusive.
JC - Eles resistiram a esse projeto?
Paim - Resistiram. Porque... O que eles diziam aqui no Rio Grande do Sul naquela época? O que o Duque de Caxias disse na época? “Vamos fazer a paz (entre os revolucionários e o governo central), mas matem os negros e poupem os índios.”
JC - Para não dar a liberdade prometida a eles...
Paim – Isso. E assim eles fizeram: desarmaram os negros e pouparam os índios (no Massacre de Porongos)
JC - Mas o exército não estava disposto a revisar essa história?
Paim – Não estava. Fiz um embate respeitoso, mas firme. Qual é o problema se houve um erro naquela época? Qual é o problema de a gente admitir que houve um erro, um equívoco, uma matança, só porque eram negros? Não é justo que a gente faça uma homenagem hoje? Não estava pedindo nem sequer uma indenização. Estava pedindo só que transformassem os negros em heróis da pátria. Consegui. Tentei também com o Almirante Negro, João Cândido. Só que aí a negociação foi com a Marinha.
JC – E a Marinha não queria reconhecer o Almirante Negro?
Paim – E a revolta dele foi contra a Lei do Chicote, que era o castigo que eles davam aos marinheiros, principalmente negros e pobres. Tratavam eles com a chibata. Qualquer coisa, era chibatada. E o João Cândido, gaúcho de Encruzilhada do Sul, disse “não, vamos acabar com isso”. Aí ficou o Almirante Negro. Aprovei (o projeto) no Senado. Na Câmara, estão trabalhando nisso até hoje. Mas ainda vou aprovar antes de sair de lá (do Congresso).
JC – Uma parte considerável da militância do PT quer que o senhor concorra à reeleição, apesar de o senhor ter dito que não pretende mais concorrer. Se o partido insistir, o senhor concorre a mais um mandato no Senado?
Paim – Há mais ou menos um ano, eu disse que acreditava muito nos novos quadros. Disse que o PT deveria aprofundar a formação de novas lideranças. E todos nós vamos envelhecer. Então, naquele momento, abri esse espaço para novas lideranças. Tenho 20 anos de contribuição no Congresso Nacional e mais 20 como metalúrgico. Portanto, poderia me aposentar.
JC – Foi aí que apareceram outros nomes para o Senado no PT...
Paim – Quando eu disse que não ia (mais concorrer), apareceram outros candidatos. Legitimamente. Por exemplo, o Paulo Pimenta (PT) e a Manoela d’Ávila (sem partido). Todos são bons quadros, bons candidatos. O problema foi que, quando disse que não me candidataria mais, os movimentos sociais – negros, brancos, indígenas, homens, mulheres, jovens, idosos, pessoas com deficiência, sindicatos – vieram para cima de mim. Uma das coisas que me falaram foi algo assim: ‘Paim, se o Lula vai concorrer à reeleição com mais de 80 anos, por que que tu não vais com 75 anos? Se a (senadora) Benedita da Silva (PT-RJ) vai com 82, por que que tu não podes ir?’ Aí começou uma pressão, uma cobrança.
JC – Os movimentos sociais pediram que o senhor concorresse...
Paim –Outro dia, eu e uma juíza gaúcha fomos painelistas em um evento sobre o Estatuto da Igualdade Racial em Canoas. Após a minha fala sobre a legislação que teve origem num projeto de minha autoria, ela pediu a palavra. Ela disse que eu não tinha direito de me aposentar, porque, graças à política de cotas (cujo projeto foi de autoria de Paim), ela entrou na universidade, no serviço público e na magistratura. Aí eu derrubei os butiás do bolso.
JC – Ao longo dos seus mandatos, o senhor atuou em prol dos aposentados. A população brasileira está envelhecendo e há o risco de uma nova reforma da previdência. Como enxerga esse tema, que não foi encampado por outros parlamentares?
Paim –A Previdência passa por um debate muito duro. Se a pejotização do trabalho continuar acontecendo sem limite, teremos problemas. Não sou contra o contrato PJ (Pessoa Jurídica) ou MEI (Microempreendedor Individual). Mas é problemático botar um PJ para carregar cimento, no caixa de supermercado, em todas as áreas. As empresas contratam o trabalhador como PJ para não pagar os direitos legais. Nesse tipo de contrato, as empresas não pagam direito nenhum, praticamente. Se os celetistas começarem a virar PJ, quem vai pagar a Previdência? Se deixar desse jeito, a Previdência vai falir não só para os atuais aposentados, mas também para os futuros. Teremos problemas em 10, 15 anos se continuarmos desse jeito.
JC – As reformas na Previdência feitas nas últimas décadas, incluindo a última realizada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL, 2019-2022), alteraram a arquitetura da previdência. Como enxerga o financiamento da seguridade social, atualmente?
Paim - Os constituintes colocaram no texto constitucional uma cesta de contribuições para a seguridade social, incluindo a Previdência. Entre as fontes de financiamento estavam a tributação sobre lucro, faturamento, lucros e dividendos. Hoje, existem seis ou sete áreas que deveriam contribuir, mas não contribuem. A inteligência artificial tem zero contribuição, por exemplo. Por isso, estou discutindo outras fontes de recursos. Se não tiver outras fontes de recursos, a CLT for desaparecendo, e a uberização do trabalho continuar, vai quebrar a Previdência.
JC – O senhor consegue enxergar novas fontes de financiamento para recompor a cesta da previdência?
Paim – Em um primeiro momento, criei alguns grupos de estudos. Algumas propostas têm sido discutidas. Por exemplo, vamos pegar um banco, que é uma empresa que emprega pouco e lucra muito. O banco pode pagar sobre o faturamento e sobre o lucro. Além disso, a uberização dos contratos de trabalho vai ter que ser tributados em algum momento. “Ah, mas já paga 10%.” Temos que passar, quem sabe, para 20%. Afinal, se a folha das empresas enxugar cada vez mais, o número de homens e mulheres contribuindo para a previdência vai diminuir. Se esses trabalhadores são transformados em PJ, faz mais sentido as empresas pagarem (a contribuição previdenciária) sobre o faturamento. De certo modo, isso significa trazer a justiça tributária também para a contribuição da Previdência.

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