Com autoria da Comandante Nádia (PL), o projeto de lei que busca regulamentar a distribuição de alimentos a pessoas em situação de rua tramita na Câmara Municipal de Porto Alegre. A proposta deve começar a ser debatida na próxima quarta-feira (5).
O texto determina que qualquer pessoa, ONG ou entidade que queira distribuir alimentos, precisará seguir uma série de normas, como a obtenção de autorização, credenciamento prévio de datas e horários para as entregas e o uso de crachás de identificação. A multa por descumprir as diretrizes pode chegar a R$ 2,9 mil.
A proposta tem enfrentado resistência da oposição e de ONGs que atuam em ações voluntárias na região da Capital. Segundo eles, o projeto de lei iria burocratizar atos de caridade.
Quem se manifestou de maneira contrária ao PL foi Fábio Henrique de Oliveira, coordenador do projeto social chamado "Caravana do Bem, Pão com Amor e Margarina", focado na distribuição de alimentos para pessoas em situação de rua desde 1998. Segundo ele, o projeto de lei proposto falha em abordar a raiz do problema da fome ou da situação de rua, e tenta regulamentar algo que o poder público não consegue suprir.
“O projeto não vai de encontro da realidade ao problema, não procura sanar o problema, procura regular uma coisa que eles nunca encostaram, nunca fizeram e nunca vão fazer corretamente. Desde que eu trabalho com isso, já passaram cinco prefeitos, inúmeros secretários municipais e ninguém nunca fez algo para de fato diminuir a fome ou servir melhor as pessoas de rua. Talvez nenhuma política pública mundial tenha condições de tirar as pessoas da rua. Mas já que elas existem, e vão sempre existir em cada vez maior número, temos que atendê-las. São seres humanos igual a todos nós”, afirmou Oliveira.
Autora do projeto e presidente da câmara dos deputados, a vereadora Comandante Nádia, por sua vez, argumenta que o PL tem como principal objetivo organizar a distribuição de comida na rua.
“O que nós precisamos é organizar. Não é proibição, não é nenhum tipo de censura, é um tipo de organização para ter maior efetividade na comida e eficiência para quem está fazendo esse serviço. Por exemplo, tem uma ONG ou um grupo que entrega segunda, quarta e sexta comida, mas terça e quinta a pessoa não tem o que comer. Quem sabe se a gente acha uma outra organização que terça e quinta completa aquela semana de comida”, ponderou Nádia.
Outro ponto destacado pela vereadora é que o projeto visa coibir a prática de pessoas em situação de rua que, segundo ela, pegam mais de uma marmita para vender, muitas vezes utilizando o dinheiro obtido para comprar droga.
“Um dos motivos centrais para essa organização é que nós temos pessoas em situação de rua que acabam pegando mais de uma marmita para vender. Vender para quê? Para comprar droga. Ou seja, a marmita que é entregue na solidariedade não é para ser vendida, é para ser consumida. Além disso, a prefeitura, Secretaria de Assistência Social precisa de quem entregue comida, porque se a gente for ver, não temos orçamento para entregar para todo mundo. Então, o que nós precisamos é organizar a distribuição para ter maior efetividade na comida e eficiência para quem está fazendo”, destacou.
A líder do PT na Câmara dos deputados, Natasha Ferreira, porém, discorda. A vereadora do Partido dos Trabalhadores argumenta que o projeto é "extremamente desumano", especialmente após as enchentes de maio de 2024. Segundo ela, o projeto busca punir as pessoas que estão com fome e as organizações que as ajudam, sob a alegação de combater o crime e o tráfico de drogas.
“Esse tipo de projeto tem um caráter extremamente desumano, ainda mais depois das enchentes. Multar as organizações que atuam fora da esfera de governo é um crime contra a cidade de Porto Alegre, porque a gente sabe que nas enchentes muitas pessoas tiveram somente o que comer graças à ação voluntária. Ela afirma que o tráfico está interessado, mas aí não é um problema ter a marmita ou não. A questão é segurança pública, que é o que está falhando”, destacou Natasha.
A vereadora também afirma que o argumento de que falta organização na entrega de marmitas é falso. Segundo a líder da oposição na Câmara, o verdadeiro problema é a falta de política pública do município direcionada à população em situação de rua.
“Não, (a desorganização) é mentira. Não há falta de organização das entidades. O que há hoje é uma falta de política pública do município para essas pessoas. A desorganização é do Estado, que permite que 20 ou 30 pessoas durmam na rua em pleno inverno. Essa deveria ser a preocupação”, destacou Natasha.
Por fim, ela destaca que protocolou um substitutivo à proposta da vereadora Nádia, buscando, essencialmente, o reconhecimento da ação voluntária de distribuição de alimentos como de relevante interesse público e social. Ela explica que o texto estabelece que o município pode promover campanhas educativas e de orientação sobre as boas práticas de segurança alimentar, mas deve fazê-lo respeitando a autonomia das iniciativas cidadãs.
A principal determinação deste substitutivo é que fica expressamente vedada qualquer forma de restrição ou penalidade administrativa à atuação voluntária na distribuição gratuita de alimentos. Além disso, o projeto destaca a necessidade de observação da preservação da integridade higiênica dos alimentos, o cuidado com a limpeza do espaço público e o respeito à dignidade das pessoas assistidas.
“Na verdade a gente faz aqui um desagravo a esse projeto dela e coloca um substitutivo para ser debatido em projeto. Queremos constituir dentro deste projeto uma agenda que assegure direitos para as pessoas. Hoje, a questão das marmitas não é a grande questão em Porto Alegre”, destacou.