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Publicada em 07 de Setembro de 2025 às 20:09

Alterações na Lei da Ficha Limpa não são positivas, diz Zilio

Zilio defende uma pena alta para desinformação sobre processo eleitoral

Zilio defende uma pena alta para desinformação sobre processo eleitoral

FOTOS: Tânia Meinerz/JC
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Marcus Meneghetti
Coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, Rodrigo Zilio critica as alterações na Lei da Ficha Limpa aprovadas no Congresso Nacional, que, na prática, reduzem o tempo de inelegibilidade de políticos condenados por alguma infração. O texto segue agora para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).   
Coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, Rodrigo Zilio critica as alterações na Lei da Ficha Limpa aprovadas no Congresso Nacional, que, na prática, reduzem o tempo de inelegibilidade de políticos condenados por alguma infração. O texto segue agora para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).   
Zilio também analisou o projeto do Novo Código Eleitoral, que, após ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, segue ao plenário para a votação. O texto unifica sete legislações e contém diversas alterações polêmicas. Entre elas, a diminuição da pena para quem espalhar notícias falsas durante a campanha eleitoral, o aumento do autofinanciamento e a inclusão do voto impresso junto às urnas eletrônicas.
Nessa entrevista ao Jornal do Comércio, Rodrigo Zilio defende uma pena alta para desinformação sobre processo eleitoral e alerta para a inconstitucionalidade do voto impresso, porque ele põe em risco o caráter secreto do voto. Por outro lado, concorda com o aumento do autofinanciamento, desde que tenha os critérios adequados para evitar abusos econômicos. Ele também defendeu a volta do financiamento privado, como uma forma de diminuir os recursos públicos destinados à campanha eleitoral.
Jornal do Comércio - O Senado aprovou mudanças nas regras para o período de inelegibilidade de políticos condenados na Lei da Ficha Limpa. Por quanto tempo um político fica inelegível hoje?
Rodrigo Zilio - Hoje, o prazo mínimo de inelegibilidade é de oito anos. Mas esse é um prazo mínimo. Na maioria dos casos, a inelegibilidade vai além dos oito anos. Por exemplo, se um parlamentar for cassado por quebra de decoro parlamentar, ele ficaria inelegível pelo período que resta do mandato, mais oito anos. Então, se o parlamentar perder o cargo no primeiro ano do mandato, ele ficaria 11 anos (três anos restantes do mandato, mais os oito anos previstos na lei).
JC - E como fica o período de inelegibilidade no projeto aprovado pelos senadores?
Zilio - Agora, o que esse texto diz é o seguinte: o período de inelegibilidade dura só oito anos. Isso vale para cassações dentro do Legislativo e para condenações penais. Hoje, a pessoa com uma condenação penal por um órgão colegiado, que é um grupo de juízes, seja uma câmara ou um tribunal, cumpre a pena e fica inelegível por mais oito anos (após o cumprimento da pena). O que esse projeto de lei diz? A inelegibilidade dura oito anos a contar da condenação colegiada, e deu. Não tem mais inelegibilidade após o cumprimento da pena.
JC - Pelas novas regras, que ainda precisam ser sancionadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o período de inelegibilidade passa a contar no dia da condenação colegiada...
Zilio - Sim, mas há exceções. O senador Sergio Moro fez uma emenda, acolhida, determinando que as regras antigas vão ser mantidas para crimes mais graves, como aqueles contra a administração pública, crimes hediondos e envolvimento com organizações criminosas. Ou seja, nos crimes mais graves, a pessoa vai ficar inelegível desde a condenação colegiada e mais oito anos após o cumprimento da pena.
JC - Dá para dizer que, no geral, o projeto aprovado no Senado reduz o período de inelegibilidade para políticos que cometerem crimes?
Zilio - Sim, houve uma redução dos prazos de inelegibilidade no geral, no varejo. Os senadores limitaram esse prazo a um teto de oito anos, não tem mais como estender. Só vai ser mantida a atual regra em crimes graves, como tráfico de entorpecentes, lavagem de dinheiro, crimes hediondos, crimes contra a vida, crimes de organização criminosa e crimes contra a administração pública.
JC - O projeto aprovado no Senado também prevê que, caso o parlamentar renuncie ao cargo, o período de inelegibilidade passa a contar do momento da renúncia...
Zilio - Hoje, a pessoa que renuncia após já ter um processo de cassação fica inelegível pelo período remanescente do mandato, mais oito anos. A nova lei vai tirar o período remanescente do mandato, vai ser só oito anos a contar da renúncia.
JC - E no caso de um político ser condenado em mais de um processo?
Zilio - Por exemplo, vamos imaginar que uma pessoa respondeu por improbidade administrativa duas vezes: na ação número um, ela foi condenada por desviar recursos do município em 2020; e, na ação número dois, por desvio de recursos em proveito próprio do município em 2024. Hoje, essas inelegibilidades contariam em termos autônomos, ou seja, as duas ações gerariam duas inelegibilidades, que seriam somadas (totalizando, pelo menos, 16 anos sem poder se eleger). A nova lei limita o prazo de inelegibilidade a 12 anos.
JC - O projeto aprovado no Senado traz algo positivo para a Lei da Ficha Limpa?
Zilio - Esse projeto vem nesse contexto político de anistia, afrouxamento da própria Lei de Improbidade. Eu diria que é um projeto que não precisaria existir, porque a Lei da Ficha Limpa, nos moldes em que ela estava sendo aplicada, era satisfatória. Claro que a lei não retirava da política as pessoas sem vocação para isso, nem evita a eleição daquelas que queriam tirar proveito pessoal da vida pública. Mas isso é impossível de fazer. A Lei da Ficha Limpa vem cumprindo um papel mínimo de traçar critérios razoáveis para ingresso na política, filtrando as pessoas que tenham vida pregressa compatível com a moralidade e a probidade administrativa. A legislação atual faz bem isso. Então, me parece que esse projeto (aprovado no Congresso) não soma nada, não traz nada positivo, digamos assim, para o cenário eleitoral.
JC - O projeto de reforma do Código Eleitoral, que foi aprovado no final de agosto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, deve ir ao plenário ainda em setembro para passar a valer na eleição de 2026. Um dos pontos discutidos nessa matéria é a auditoria das urnas eletrônicas e a inclusão do voto impresso. O que pensa sobre isso?
Zilio - A questão do voto impresso já foi objeto de duas leis e, por duas vezes, o Supremo Tribunal Federal (STF) disse que viola o sigilo do voto. Então, me parece que o Congresso está tangenciando com uma terceira ação de inconstitucionalidade, porque, se por duas vezes já foi reputado inconstitucional, me parece que tudo caminha para que o Supremo determine a inconstitucionalidade da matéria mais uma vez.
JC - E quanto às auditorias?
Zilio - Quanto às auditorias, quanto mais entidades tiverem acesso às etapas de fiscalização do processo eletrônico, melhor. Hoje, existe uma resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que trata de uma auditoria em que as pessoas interessadas - os partidos, as organizações, o Ministério Público, a OAB - podem verificar os softwares, se eles estão conformes às regras e aos procedimentos legais. Essas entidades têm acesso ao código-fonte da urna. O código-fonte recebe auditorias públicas até a cerimônia de lacração dos sistemas, que ocorre na véspera das eleições. Todos os partidos, federações, coligações, OAB, Ministério Público, Congresso, Polícia Federal, Conselho Nacional de Justiça, Tribunal de Contas da União, universidades que se credenciem perante o TSE, todas essas instituições, podem auditar o processo eletrônico. Então, hoje já temos um sistema bastante aberto a esses testes de fiscalização da sociedade, o que é muito bom. Não vejo problema em relação a isso. O problema é as pessoas usarem o argumento falacioso de que o sistema é opaco para fazer disso uma arma de campanha eleitoral e para obter a desconfiança do eleitorado em relação ao sistema.
JC - As urnas eletrônicas foram um dos principais alvos das notícias falsas nas últimas eleições. O projeto que vai ao plenário do Senado diminui a pena para o crime de propagação de fake news. A pena máxima passa a ser entre dois meses e um ano. Como é que o senhor enxerga a diminuição da pena?
Zilio - Hoje, a desinformação é um dos problemas mais significativos das eleições e do próprio processo democrático. Do ponto de vista do processo normativo a partir do Congresso Nacional, nunca tivemos uma regulação muito enfática em relação à desinformação. Hoje, o único crime eleitoral que trata disso é o artigo 323 do Código Eleitoral, que diz que é crime divulgar na propaganda fatos sabidamente inverídicos em relação a partidos e candidatos que podem influenciar o eleitorado. Mas a pena é de até um ano. Quer dizer, é uma pena absolutamente risível. Talvez nem tenha processo, talvez seja resolvido com doação de cesta básica, porque as infrações com penas abaixo de dois anos são consideradas de "menor potencial ofensivo".
JC - Apesar de o Congresso não criar uma legislação eficiente para combater a desinformação, o TSE tem emitido resoluções sobre o tema...
Zilio - O Tribunal Superior Eleitoral, por meio de decisões judiciais ou mesmo por meio de resoluções, fez um trabalho bem interessante nas eleições de 2018 e 2022. As resoluções do TSE dizem que promover desinformação por meio da internet é uma forma de abuso de poder midiático que pode, inclusive, redundar na cassação dos candidatos. Então, o Congresso não fez a parte dele, mas o TSE fez. A desinformação é um problema grave. Nas eleições de 2026, esperamos que o Tribunal Superior Eleitoral mantenha a coerência, sustentando o entendimento de que a desinformação contra o sistema eleitoral é um dos atos mais violentos contra o processo democrático.
JC - Quanto ao financiamento das campanhas, um aspecto discutido no Congresso é a ampliação do uso de dinheiro privado do próprio candidato na campanha. Como percebe o aumento do uso de recursos próprios?
Zilio - Hoje, o autofinanciamento está limitado a 10% do teto dos gastos de campanha. Então, se o teto para o gasto com campanha na eleição para vereador de Encantado for R$ 50 mil, o limite do gasto pessoal é R$ 5 mil. Não importa se o cara é um bilionário ou uma pessoa com modestos recursos financeiros, o valor é o mesmo. Se o limite fosse baseado na capacidade pessoal de cada candidato, algo como 10% do patrimônio pessoal, teríamos uma quebra da isonomia (em termos de poder econômico). Porque, por exemplo, 10% da fortuna de alguém como o Luciano Huck representaria um valor muito maior que a maioria dos outros candidatos.
JC - O autofinanciamento e uso do dinheiro público do fundo eleitoral foram instituídos após a proibição de empresas privadas financiarem campanhas. Como avalia o financiamento público das campanhas?
Zilio - Tudo isso é fruto daquela decisão de 2015 do STF que entendeu que as doações de pessoas jurídicas são inconstitucionais, ou seja, que as empresas não podem doar nem para a campanha eleitoral, nem para os partidos fora do ano eleitoral. As pessoas jurídicas financiaram, nas eleições de 2014, mais de 90% dos recursos lícitos de campanha. Ao tirar o maior financiador, esse valor foi suprido com recursos públicos. Só que talvez o problema não fosse exatamente a doação de empresas para a campanha, mas a forma pela qual ocorriam as doações. As pessoas jurídicas podiam doar até 2% do faturamento bruto, o que era um problema, porque uma empresa como a Odebrecht ou a JBS elegiam metade do Congresso com esse valor.
JC - Que alternativa poderia ser adotada?
Zilio - Você pode fazer o seguinte: a pessoa jurídica pode doar, mas o limite é um valor nominal de 2% do teto de gastos do cargo. Aí o limite não está mais atrelado à fortuna pessoal da empresa. Então, acho que se a gente desse um passo atrás, no sentido de permitir doações empresariais, mas com critérios que nos trouxessem seguranças, seria positivo. Isso poderia diminuir o uso de recursos públicos nas campanhas, porque me parece demasiadamente excessivo destinar R$ 6 bilhões para as campanhas eleitorais, até porque nossa fiscalização é muito aquém do necessário. E vai ficar muito pior com o Código Eleitoral novo.
JC - Muitas pessoas evocam o direito à liberdade de expressão ao fazerem acusações ao sistema eleitoral sem apresentarem evidências...
Zilio - Vamos pegar o seguinte exemplo para trabalhar essa questão da liberdade de expressão. Eu teria liberdade de expressão para acusar um transeunte na rua de criminoso, assassino, estuprador, sem provas? Isso é liberdade de expressão? Então, uma coisa são sugestões de aperfeiçoamento do sistema: "acredito que o sistema pode melhorar pelos seguintes argumentos, e o voto impresso pode contribuir." Isso é completamente diferente de a pessoa afirmar que, quando você digita o número X na urna eletrônica, sai o número Y, porque a urna é feita na Venezuela. Muitas pessoas usam a liberdade de expressão, que é um valor fundamental, como uma ferramenta para promover desinformação com o intuito de iludir pessoas ou de causar de modo doloso, intencional, a descredibilidade do sistema eleitoral.
 

Perfil

Rodrigo López Zilio, natural de Encantado, é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e mestre em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Foi analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul entre 1996 e 2002, quando passou a exercer o cargo de promotor de Justiça. É professor de Direito Eleitoral (FMP e Instituto Brasileiro de Ensino IDP-DF) e também autor de diversos livros de Direito Eleitoral (Direito Eleitoral, Decisão de Cassação de Mandato, Crimes Eleitorais, Inelegibilidade e Lei da Ficha Limpa), alguns em coautoria. Atualmente, é coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul e, desde 2019, também é membro auxiliar da Procuradoria-Geral Eleitoral com atuação junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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