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Publicada em 20 de Julho de 2025 às 21:07

Mudanças no clima não podem mais nos surpreender, diz Brum

"Se você não consegue exportar para os EUA (devido à taxação), vai ter que buscar outros mercados"

/TÂNIA MEINERZ/JC
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Bolívar Cavalar
Bolívar Cavalar Repórter
Setor que representa 40% do Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho, o agronegócio atravessa um momento em que enfrenta os prejuízos causados pelas mudanças climáticas, com cheias e estiagem, que resultaram em um endividamento de diversos produtores, que agora buscam formas de renegociar dívidas através da securitização.
Setor que representa 40% do Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho, o agronegócio atravessa um momento em que enfrenta os prejuízos causados pelas mudanças climáticas, com cheias e estiagem, que resultaram em um endividamento de diversos produtores, que agora buscam formas de renegociar dívidas através da securitização.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o titular da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), Edivilson Brum (MDB), afirma que a situação é crítica para os agricultores e que as crises do clima não podem mais surpreender os governantes
Atualmente estão tramitando no Congresso Nacional dois projetos que tratam da securitização do setor do agro. Na avaliação de Brum, o ideal seria uma união destas duas propostas, para que haja maior celeridade na implementação da renegociação das dívidas.  
Outra questão envolvendo o agronegócio gaúcho é o recente anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, de uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros a ser implementada a partir de 1º de agosto. O secretário explica que as três culturas mais prejudicadas no RS devem ser a da soja, do tabaco e do leite em pó. Brum acredita que, caso os EUA não recuem, uma das possibilidades é a expansão das comercializações com União Europeia e Ásia.  
Jornal do Comércio - Como a secretaria recebeu o anúncio dos EUA da tarifa de 50%? 
Edivilson Brum - Nos pegou de surpresa. Um impacto negativo muito grande, tendo em vista o efeito dominó que isso pode ocasionar, especialmente ao nosso setor. Exportamos soja, tabaco, leite em pó. Café e algodão não são aqui do nosso Estado, mas isso impacta muito de forma negativa, tornando nossos produtos não competitivos como os de outros países que exportam para os EUA. E, se isso permanecer, nós temos outro problema, porque se esses produtos ficarem no mercado interno, vai se seguir a lei da oferta e da procura. Se tem muita oferta, o preço cai, o que é normal, vai ter muito produto. E isso pode significar, se não se muda isso, que o preço que vai ser ofertado ao mercado possa ser menor que o custo de produção, e isso é prejuízo. E os produtores gaúchos, que já vêm sendo impactados pela questão das últimas cheias e das estiagens, isso vem a agravar ainda mais a situação. Ou seja, no agro de modo geral, mas especialmente no gaúcho, o produtor não deu causa ao seu endividamento, porque foram as mudanças climáticas que impactaram e nós não colhemos e, mesmo assim, até o ano passado, tínhamos o menor índice de endividamento. Aí quebrou, não tinha mais como manter essa baixa inadimplência, que se tornou mais alta porque os produtores não conseguiram pagar. Agora, vem mais essa sobretaxa. Isso é muito ruim para o mercado, isso é muito ruim para os produtores e para o próprio setor público. Ou seja, é uma questão que está sendo discutida lá em Brasília, no Ministério das Relações Exteriores e tal, e vai ter que se ter um trabalho redobrado de quem faz a política externa, dos diplomatas especialmente, porque as informações da carta que o presidente americano enviou para o presidente brasileiro, elas estão eivadas ali de equívocos, inclusive equívocos graves diplomáticos.  
JC - E como avalia a condução do governo federal frente à crise? 
Brum - Avalio que está sendo positivo. Na minha opinião, o governo brasileiro tem que também se impor. Não pode um país intervir na soberania de outro país, muito menos ainda no Judiciário de outro país. É fora de qualquer contexto. A gente se assusta porque quando vê um presidente que é poderoso, da maior economia do planeta, fazer o que fez, nos preocupa muito. Essa instabilidade comercial e de relações multilaterais, ela vai ser toda atingida. Penso que, por exemplo, o antiamericanismo, por parte de outros países, tende a se acentuar por causa destas imposições descabidas.    
JC - Em caso de não haver recuo dos EUA, a solução é buscar outros mercados? 
Brum - Olha, acredito que vai chegar o momento em que o Brasil vai ter que pedir uma noventena, 90 dias de adiamento disso, e aí se tem 90 dias para se trabalhar junto com os EUA para abrandar essa supertaxação. É normal isso. Se você não consegue exportar para os Estados Unidos, você vai ter que buscar outros mercados. São dois mercados fundamentais: Ásia e o Mercado Comum Europeu, a União Europeia. Então, são dois mercados em que os próprios setores já estão se articulando, porque se trabalha em uma verga, como se diz no ditado do agro, essa questão de abrandar a decisão, e em outra verga se trabalha a questão já na procura de outros mercados, porque esse produto tem que ser comercializado.  
JC - Na relação com a Europa, o Mercosul está em tratativas para assinar um acordo comercial com a União Europeia. Pode ser uma saída? 
Brum - O presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) vai assumir o Mercosul agora este ano ainda, e isso fortalece o Brasil enquanto líder. O Brasil já é um líder pelo seu gigantismo dentro aqui da América do Sul, mas, tendo a presidência do Mercosul, a tendência é que se avance. Inclusive, há promessa de expansão do comércio com a União Europeia. Dias atrás, por exemplo, houve uma conversa do governo brasileiro com o governo francês para arredar as arestas e comercializar o que ainda falta um pouco de maturidade, especialmente aqui e também da própria Europa, onde ainda falta um amadurecimento comercial, vamos dizer assim, especialmente da França.   
JC - Estudos apontam o RS como o estado brasileiro mais atingido pelas mudanças climáticas. Eventos como enchentes e estiagem acarretam prejuízos ao agro. Como o Estado está se preparando para eventuais crises? 
Brum - As mudanças climáticas nos surpreenderam muito até aqui, mas daqui para frente elas não podem mais nos surpreender, porque a gente já sabe que esses eventos climáticos vão ser mais intensos e mais frequentes. Ou seja, vamos ter que nos preparar para isso. Em relação à estiagem, o governador Eduardo Leite (PSD) lançou o Irriga RS, que é um programa que a gente está bancando 20% de todos os projetos. Temos mais de mil projetos, são mais de 15 mil hectares que serão irrigados com lavoura hoje, que têm apenas 4% das lavouras irrigadas. Então, temos projetos em andamento até o final do mês, e isso é positivo. O Estado lançou, e quem faz a gestão disso é a SDR (Secretaria de Desenvolvimento Regional), mais de R$ 900 milhões também para a questão do solo. Terra Forte é o programa. 
JC - O quanto avaliam que o Estado precisa avançar em irrigação para estar preparado para períodos de estiagem? 
Brum - Temos um grande exemplo na região de Cruz Alta, que é a que mais irriga no RS. Por consequência, são ali os recordes na colheita de grãos. Em outras regiões, muito pouco se irriga ou quase nada. Temos, tirando a lavoura de arroz, apenas 4% de lavouras irrigadas. Não temos a tradição, a cultura do irrigar. Já melhoramos muito. A Secretaria do Meio Ambiente, a Fepam, já amenizaram bastante a questão ambiental. Queremos sair para dois dígitos. Esse é um objetivo nosso.   
JC - Tratando da securitização, atualmente está no Senado um projeto de lei. Acredita que é suficiente? 
Brum - Olha, ele necessitaria de alguns ajustes. Foi criado para acolher, analisar e sugerir ao governo propostas para a requalificação do produtor, para uma reengenharia econômica das dívidas serem postergadas, que dê tempo dos produtores, por exemplo, "desnegativar", ter acesso ao crédito, voltar a plantar para ter lucro e pagar as suas dívidas. Os produtores gaúchos fazem manifestações nas beiras das estradas porque querem pagar a conta, e é cultural do nosso povo pagar a conta. E queremos pagar a conta, queremos prazo para pagar, e como eu disse, requalificar o produtor a voltar a plantar. Isso é fundamental. O projeto de lei do deputado Pedro Westphalen (PP), que está no Congresso e que tem como relator o deputado Afonso Hamm (PP), está mais próximo de ser votado. A ideia é unificar os projetos para que a gente tenha mais celeridade. A criação desse grupo de trabalho foi uma sugestão do deputado Alceu Moreira (MDB). O que nos preocupa sempre é a questão do tempo, temos que ter mais rapidez. Temos muita responsabilidade, nós que somos lideranças do agro, que somos lideranças políticas, lideranças econômicas e temos toda a nossa força, temos que ter a consciência de que vamos ter que acelerar processos para que a gente consiga, de uma maneira muito rápida, resolver esse problema. Isso já aflige milhares de produtores. 
JC - E o senhor tem conversado com os produtores?  
Brum - É uma situação drástica. Tenho conversado com muitos produtores, já estive em algumas manifestações, demonstrando o apoio do governo do Estado a eles, estando do lado deles, e essa é uma determinação muito clara do governador Eduardo Leite e do vice-governador Gabriel Souza (MDB), de acolher, de estar junto, de lutar. O governador já esteve, inclusive, e nós estivemos várias vezes no Ministério da Agricultura, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento para tentar resolver este problema. Tivemos uma reunião muito interessante, lá no Ministério da Agricultura, em que o governador estava presente e que se deu o "start" lá, porque o governo do Estado e a Farsul têm muito claro que o recurso para renegociar essas dívidas existe no Fundo Social, aquele fundo criado lá com o advento do pré-sal. E esse fundo é irrigado de tal forma que até pode chegar a R$ 1 trilhão nos próximos 20 anos. Então, poderia ser de maneira mais ágil, mais rápida e efetiva a renegociação através do Fundo Social. Mas tem essa possibilidade, tem a sugestão do deputado Alceu Moreira que seria fazer vários fundos, buscar vários fundos, públicos ou privados, e fazer essa renegociação. São várias possibilidades que se tem no momento, em que o governo deixa claro que a securitização não tem espaço fiscal para ser feita.  
JC - Acha que falta sensibilidade do governo federal quanto ao endividamento dos produtores? 
Brum - Falta. Por isso que tem que ter pressão. Não é uma bandeira da direita, da oposição, essa é uma bandeira que representa 40% do Produto Interno Bruto gaúcho, e o governo federal tem que entender isso. O mecanismo pelo qual tem que ser feito isto foi através de deputados e senadores da direita, ok. Mas o clamor é geral e irrestrito. Não só por parte do agro, mas sim de todos os setores da economia. Porque a cada um real que ele produz lá no interior, ele gera um dólar. Um real no chão, na terra, é um dólar na economia - comércio, indústria, serviço.  Um dos fundamentos da economia é a questão do gasto que as pessoas fazem aliado ao bem-estar social. Mas como é que tu vais estar em um bem-estar social se não tens o recurso? O recurso que gera oportunidade, que gera renda. É o produtor que vai e compra a máquina nova, faz a revisão do seu trator e compra a peça. O produtor que tem o seu lucro vai fazer uma casa, vai comprar seus eletrodomésticos e assim por diante.   
JC - Houve em maio uma crise de gripe aviária no RS, que já foi sanada. Como o Estado se prepara para evitar que se repita? 
Brum - As ações são as mesmas que estávamos realizando antes da infestação ali naquela lavoura comercial em Montenegro. Treinamento, capacitação, interlocução com os produtores, os sistemistas, todos. Todos os países da América do Sul já tinham sido contaminados. O único que ainda não havia era o Brasil, motivo pelo qual o Serviço Veterinário Oficial do Estado vinha se qualificando. Inclusive, dias anteriores ao fato ocorrido lá em Montenegro, teve um seminário que tratou exclusivamente disso. Ou seja, a expertise, a competência e a celeridade do Serviço Veterinário Oficial foram fundamentais. A política pública é do governo federal, mas quem aplica ela é a Secretaria da Agricultura do Estado. E nós trabalhamos de uma maneira transversal: Secretaria da Agricultura, Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria da Saúde e a Secretaria de Segurança. Opa, Secretaria de Segurança? Sim, porque nós precisamos muito da Patrulha Ambiental da Brigada, precisamos muito da Polícia Rodoviária Estadual, para desinfectar os carros que pela região passavam. Então, foi um conjunto, uma união de esforços que deu uma visão muito clara de rapidez. 
JC - Entre o fim de agosto e o início de setembro ocorre a 48ª Expointer. Como a secretaria está trabalhando essa edição? 
Brum - Dia 17 (de julho) nós tivemos o lançamento da Expointer em Porto Alegre, na Secretaria da Agricultura. Dia 5 (de agosto) vamos fazer o lançamento, e isso é uma inovação, no escritório da Invest, em São Paulo, e dia 6 em Brasília. Ou seja, o motivo pelo qual a gente decidiu fazer o lançamento em São Paulo e em Brasília foi justamente mostrar a vitrine do agro, suas qualidades, o que há de melhor na sede econômica nacional do Brasil, que na minha opinião é São Paulo, e também em Brasília, porque é questão política. Política e economia, mostrar a vitrine do RS. Olha, tivemos a gripe aviária, mas estamos bem. Tivemos secas e enchentes, mas estamos na busca da reconstrução do setor do agro gaúcho. Então, a gente quer mostrar isso, quer fazer da Expointer um palco para essas discussões. Inclusive, não só as questões econômicas. Vamos ter, por exemplo, um Fórum Internacional do Direito, em que vamos discutir as questões das dívidas agrárias. Então, vai ser uma grande Expointer, por isso que a gente está fazendo esses três lançamentos.  

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