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Publicada em 04 de Julho de 2025 às 16:43

Falta de mão de obra é desafio em Lajeado, afirma prefeita Gláucia Schumacher

Prefeita de Lajeado, Gláucia Schumacher acredita que é necessário pensar em soluções a médio e longo prazo

Prefeita de Lajeado, Gláucia Schumacher acredita que é necessário pensar em soluções a médio e longo prazo

ASCOM/Prefeitura de Lajeado/Divulgação/JC
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Ana Stobbe
Ana Stobbe Repórter
Localizada no Vale do Taquari, a cidade de Lajeado tem enfrentado sucessivos desafios. Afinal, entre 2023 e 2024, o município passou por três enchentes de grandes proporções. Mesmo assim, cada vez mais se consolida como um importante polo industrial do Estado, com empresas de diversos segmentos, que esbarram em outro entrave: a falta de mão de obra.
Localizada no Vale do Taquari, a cidade de Lajeado tem enfrentado sucessivos desafios. Afinal, entre 2023 e 2024, o município passou por três enchentes de grandes proporções. Mesmo assim, cada vez mais se consolida como um importante polo industrial do Estado, com empresas de diversos segmentos, que esbarram em outro entrave: a falta de mão de obra.
Para a prefeita Gláucia Schumacher (PP), é possível ver um crescimento populacional do município, mas faltam perspectivas para sanar a crise na retenção de talentos. Iniciativas como a formação profissional voltada às vocações da região podem ser uma luz no fim do túnel, acredita. 
As empresas, embora não estejam encontrando novos funcionários na proporção em que necessitam, têm ampliado suas produções e, consequentemente, os postos de trabalho vacantes. Nesse sentido, Gláucia avalia que já é possível ver uma movimentação de pessoas de outros estados que, a despeito das enchentes que assolaram o município, têm migrado a Lajeado em busca de oportunidades de emprego.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a prefeita de Lajeado trata de desafios da região, como a construção de uma cidade mais resiliente diante das adversidades climáticas e a busca constante por mão de obra. Além disso, ressalta oportunidades de desenvolvimento e faz uma análise sobre a situação das diferentes matrizes produtivas da região, especialmente no pós-enchentes.
Jornal do Comércio — Lajeado é um importante polo industrial do Vale do Taquari. Como está a questão industrial após as enchentes?
Gláucia Schumacher — Permaneceu estável, porque não tivemos muitas indústrias atingidas pelas cheias. Tivemos a Lajeadense Vidros, que é uma grande indústria daqui e que conseguimos que se realocasse em outro ponto, para uma área não alagável. Perdemos a Prinz, de vinagre, que ainda está em funcionamento aqui, mas montando uma estrutura em Estrela. Tivemos, apesar da enchente, um acréscimo de pequenas empresas, com 3.463 novos negócios de maio de 2024 até maio de 2025. Também tivemos um saldo positivo de vagas de empregos e isso tem sido uma constante. A cidade continua crescendo apesar de tudo, os comércios conseguiram se reativar e aqueles que pegaram água se mudaram para outras regiões. A cidade conseguiu se reestruturar bem, foi rápida e conseguiu superar a crise.
JC — Como está a oferta de mão de obra para preencher essas novas vagas?
Gláucia — É muito difícil, em todos os setores. Não só na indústria, mas no setor de serviços também. Estamos fazendo encontros para ver que solução dar, mas não vislumbramos soluções a curto prazo, porque é um problema geral em todo o Estado, então também não tem onde buscar (mão de obra). Estamos recebendo muitas pessoas do Nordeste do Brasil, que vemos que estão começando a vir para a cidade, se instalando e gostando. Talvez isso vai ser um movimento de vir pessoas de outros estados.
JC — A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) anunciou recentemente um investimento de R$ 50,5 milhões nos Vales do Taquari e do Caí, que contempla, entre outros aspectos, iniciativas do Sesi e do Senai. Isso pode ajudar?
Gláucia — É bem importante, porque eles vieram para focar em necessidades da região, com cursos técnicos e a própria escola. Temos que ver qual é a matriz de cada cidade e investir em cursos das que estão necessitando de mão de obra. Então, é muito positiva essa aproximação deles para tentar entender as nossas dificuldades e se colocarem à disposição. Precisamos tentar fidelizar estes jovens desde o início, preparando eles para o mercado de trabalho, começando na base. Está faltando mão de obra e vamos ter que voltar a ter essas pessoas e valorizar seus serviços.
JC — Há perspectiva de crescimento do parque industrial em Lajeado?
Gláucia — O nosso principal problema é terreno. A cidade é muito pequena em território e praticamente essencialmente urbana. Então, não temos grandes espaços e o nosso distrito industrial é pequeno. Estamos tentando adquirir uma área, mas vai ser para instalar pequenas empresas.
JC — E no setor de alimentos e bebidas?
Gláucia — Esse está crescendo muito. Temos a Docile e a Florestal que são de doces e que estão sempre ampliando suas indústrias. A Docile agora está fazendo um grande investimento e dobrando seu parque. A Florestal também fez uma grande ampliação. A Fruki, de refrigerantes, tem sua sede aqui, ampliou mais em Paverama por falta de espaço, mas de qualquer forma está ampliando seus negócios. Vemos um crescimento muito grande e não só dessas empresas, tem outras, pequenas, que começaram em um pavilhão e estão necessitando de mais um local para trabalhar. Isso é visível. Você anda pela cidade e percebe essa pujança de todas as empresas querendo mais espaço, mas com falta de mão de obra, que é um apagão muito sério.
JC — Com a duplicação da rodovia BR-386, foi possível perceber a instalação de novas indústrias ou de centros logísticos na região?
Gláucia — Lajeado não tem muito espaço na beira da nossa BR, então ela já estava ocupada. Mas, de uma maneira geral, sim. O Stock Center veio para cá, a própria Havan. Quando se tem essa visibilidade, muda o cenário, muda o patamar e atrai mais pessoas.
JC — Inclusive, a região de Lajeado deve ser impactada pela concessão do Bloco 2 das rodovias estaduais. Como vê essa movimentação?
Gláucia — Lajeado teve um grande boom e cresceu muito nesses últimos oito anos, não só pela pujança da região, mas também porque teve a duplicação da BR-386. Nós ficamos do lado de Porto Alegre com ela. Se você consegue chegar na cidade de forma facilitada, isso muda a história da cidade. Por isso, acredito que uma concessão que duplicará vias, vai trazer um benefício muito grande para toda a região. Infelizmente, o Estado não consegue arcar com essas melhorias sem a concessão. Claro que ninguém gosta de pagar pedágio, mas eu não vejo outra possibilidade de conseguir fazer essa duplicação sem ser através de uma concessão. A tarifa é uma questão que temos brigado bastante e já conseguimos com que o governo baixasse para o leilão. Estava em R$ 0,23 e foi para R$ 0,19. Mas ainda consideramos que está alta.
JC — De uma maneira geral, como considera a estrutura viária da região, considerando as rodovias?
Gláucia — Tivemos muitos prejuízos nessa questão logística com as enchentes e que agora estamos recuperando. Temos uma obra na BR-386 que está atrasada nesse trecho de Lajeado, já era para estar pronta há dois anos e isso causa muito transtorno na cidade. Com a enchente, foi consertada a ponte, mas ainda é um desafio. Caiu na época a ponte da RS que liga Lajeado a Arroio do Meio, que também foi reconstruída. Estamos pleiteando uma ponte de ligação entre essas duas cidades com recursos da Defesa Civil. Tinha caído uma ponte de ferro também que foi garantido um recurso federal, mas precisamos de mais um valor para fazer as cabeceiras. Às vezes, o dinheiro não é suficiente para todo o projeto. O Vale está com vários projetos de outras pontes também na própria BR, tem uma que ligaria Lajeado e Estrela. é um movimento muito grande de prefeitos para apresentar esses projetos também para o Estado por conta do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), para a gente conseguir recompor a nossa situação e melhorar ela no caso de a gente vir a enfrentar novas enchentes.
JC — E do ponto de vista das ferrovias?
Gláucia — A ferrovia era mais baseada no turismo e poderíamos, de repente, aproveitar mais para outras coisas, mas isso está bem parado. Aqui em Lajeado, não tem nenhum traçado, mas, no Vale (do Taquari), sim. E está lutando porque a enchente levou tudo que se tinha.
JC — O turismo para a região, inclusive, está crescendo com a inaugruação do Cristo Protetor de Encantado. Lajeado tem sido impactada por isso de alguma forma?
Gláucia — Ainda é pouco perceptível, mas queremos entrar nesse caminho e auxiliar Encantado com a rede hoteleira, que é algo que também temos dificuldade. Nós não temos hotel suficiente para os nossos negócios, que ficam lotados de segunda a quinta-feira porque é um turismo de negócios. Então, poderíamos aproveitar para no final de semana ofertar hotéis para quem vem visitar o Cristo. A nossa rede de restaurantes e bares tem crescido muito também. Há 30 anos, se você quisesse comer de noite, não ia encontrar nada aberto. E hoje temos uma série de lugares. Podemos também ser o polo gastronômico da região. Também está se investindo nisso. Estamos trabalhando para aproximar as regiões e entender, para trabalhar com todas as cidades.
JC — Tem grandes projetos de geração de energia em Lajeado. Um deles é o da Hidrelétrica Bom Retiro, da Certel. Tem alguma novidade nesse sentido?
Gláucia — Eles estão trabalhando nisso, mas também foram atingidos pela enchente. Estão refazendo tudo e não sei dizer em que pé está, mas sei que está andando para poder sair. Vai acontecer. A Certel, aliás, é uma empresa de Teutônia, mas que está instalando agora uma sede em Lajeado.
JC — A Sulgás também tem um projeto para levar rede de gás natural para as indústrias de Lajeado. Como esses dois projetos vão impactar o município?
Gláucia — Quanto mais energias conseguirmos trazer, melhor. Ficamos felizes que isso aconteça na nossa região e que se desenvolva. Percebemos que o crescimento das empresas e da própria região atrai mais pessoas para cá. Então, quando tu consegue disponibilizar tudo isso de forma fácil para as empresas, elas querem vir para cá.
JC — A construção civil cresceu no Estado e especialmente na macrorregião Central após as enchentes. Como está a situação em Lajeado?
Gláucia — A construção civil sempre foi promissora aqui na cidade. Quando aconteceram as enchentes, se pensou como isso ia continuar, mas seguiu sendo muito promissora. Lajeado tem ainda espaço para crescer em outros bairros distantes do rio e a própria região central da cidade ainda tem pontos. A cidade está sendo verticalizada, se nota um crescimento. Você anda pela cidade e vê prédios sendo construídos por todo lugar, é algo muito pulsante. Tanto é que no último Censo (de 2022), chegou a 97 mil habitantes. Mas acreditamos que hoje já passamos de 100 mil.
JC — Como está sendo a reconstrução da cidade? O que está sendo feito para torná-la mais resiliente?
Gláucia — Lajeado sempre teve enchente, mesmo antes da grande tragédia do ano passado, mas a de 2024 foi em uma proporção astronômica. Por causa disso, várias famílias entraram em programas habitacionais, mas nenhuma casa foi efetivamente entregue ainda, mesmo já estando avançados. E essas pessoas estão em aluguel social pago pela prefeitura, algumas desde 2023, quando já tivemos uma grande enchente aqui no Vale do Taquari. Temos vários bairros na beira do rio e tem várias que permaneceram e que, passando a enchente, o pessoal voltou a morar ali, até porque é perto do centro. Tem casos de casas que não foram destruídas pelas enchentes e que não foram contempladas pelos programas de habitação, mas que também precisariam sair de lá.
JC — A Univates (Universidade do Vale do Taquari) tem auxiliado nisso?
Gláucia — Sim, eles estão fazendo um estudo de Plano Diretor para cidades que não tinham. E, no nosso caso, contratamos a Univates para fazer um estudo de como ficaram as zonas invadidas pelas águas. Então, vão mapear bairros que foram impactados e que se tornaram as chamadas zonas de arraste, que é onde o rio arrastou. E ali não vai poder ter construções. A partir disso, vamos organizar um projeto para a prefeitura desapropriar casas, seja com governo estadual ou federal, e criar um parque, porque ali ninguém mais pode morar.
JC — Como avalia o apoio dos governos estadual e federal nesse momento de reconstrução?
Gláucia — Não podemos negar que vieram recursos, mas dificulta trabalhar com três esferas. Acaba ficando um empurra-empurra entre os entes. Eu vejo muito problema em municípios menores. Por exemplo, o governo federal paga as casas, mas os loteamentos estão sendo feitos pelos municípios. Lajeado está bancando essa diferença porque tem esse recurso, mas são R$ 40 milhões sendo retirados do nosso orçamento para recuperar dessa enchente. Acho que falta diálogo entre os três entes para construir soluções mais rápidas.
JC — Com esses gastos, como estão as contas públicas?
Gláucia — Estamos conseguindo equilibrar, mas isso vai se refletir em menos investimentos. Vamos conseguir pagar as contas, isso está organizado, mas acaba que o dinheiro que poderia ser investido em obras de infraestrutura para o município vai ter que ser reduzido.
JC — Você foi vice-prefeita nos dois mandatos do prefeito Marcelo Caumo (à época do PP, hoje, do União Brasil), que enfrentou uma pandemia e três enchentes. Mesmo assim, conseguiu se eleger em 2024. Ao que se deve o êxito na sucessão?
Gláucia — Foi um trabalho focado em austeridade e controle do gasto público. Por isso que conseguimos resolver e passar por essas situações de uma maneira mais tranquila. Na própria pandemia, conseguimos dar assistência para o hospital, comprando respiradores e equipamentos. Hoje, colocamos R$ 40 milhões na recuperação da cidade e nos programas habitacionais.
JC — Quais foram os maiores investimentos públicos que a cidade teve nos últimos tempos?
Gláucia — Tivemos que correr muito com equipamento público, porque somos uma das 10 cidades que mais cresceram no último Censo. Passamos de 80 mil para quase 100 mil habitantes. Então, construímos novas creches, postos de saúde e, agora, estamos com o desafio da mobilidade, de ligar os bairros que estão estrangulados porque não tem mais espaços. Vamos ter que investir muito para abrir novas vias, além de duplicar e alargar algumas que já existem.
JC — E os investimentos privados?
Gláucia — Tem muita coisa acontecendo aqui, mas a construção civil é muito pulsante, aprovamos muitos projetos a cada mês, é um crescimento extraordinário. E também tem grandes indústrias que estão ampliando sua capacidade, incluindo a Docile e a Florestal.
JC — Qual é a maior oportunidade de crescimento da região hoje?
Gláucia — Crescemos para muitos lados, então temos muitas oportunidades. Mas a saúde é muito forte aqui. Temos uma universidade com curso de medicina e um hospital. Então, acho que temos cada vez mais condições de ofertar serviços voltados para a saúde, que é um viés que estamos trabalhando aqui na nossa cidade. Até pelo setor de serviços não precisar de tanto espaço (físico) para se desenvolver.
JC — E o maior desafio para o desenvolvimento econômico?
Gláucia — Acho que equilibrar todas essas matrizes produtivas, para conseguirmos desenvolver cada uma delas.

Perfil

Aos 50 anos, a jornalista e advogada Gláucia Schumacher assumiu como prefeita de Lajeado em uma vitoriosa sucessão do governo progressista de Marcelo Caumo, dando continuidade à governança do partido no município. Filha do ex-prefeito da cidade, Claudio Pedro Schumacher, que comandou a cidade por três mandatos, entre 1989 e 2004, antes de ser eleita no ano passado, ela havia atuado como vice-prefeita nas duas gestões de Caumo, entre 2017 e 2024. Antes da vida pública, atuou em ambas as suas áreas de formação e foi professora do curso de Direito da Univates por doze anos. Em Jornalismo, graduou-se pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e, em Direito, pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Pela Unisc, ainda, realizou uma pós-graduação em Direito da Economia e da Empresa e um mestrado em Direito. 

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