Ex-analista de inteligência do Ministério da Justiça, Clebson Ferreira de Paula Vieira disse ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspeitou de ordens do alto escalão da equipe do ex-ministro Anderson Torres para mapear os municípios em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) tinham recebido mais de 70% dos votos no primeiro turno das eleições de 2022.
Indicado como testemunha da Procuradoria-Geral da República (PGR) no processo da trama golpista, Vieira disse que guardou toda a documentação relacionada aos pedidos da ex-diretora de Inteligência Marília Ferreira para apresentá-la à investigação.
Segundo Clebson, a equipe de Torres havia demandado a ele duas análises após o primeiro turno do pleito. A primeira era identificar as cidades em que os candidatos tiveram mais de 70% dos votos, e a segunda tratava sobre a distribuição do efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, perguntou se Vieira havia estranhado as ordens. "Imediatamente. Era uma época complicada. Eu diria que havia um viés cognitivo político (...) Tudo foi somando para um raciocínio que o que aconteceu no dia do segundo turno, eu já sabia que ia acontecer", respondeu.
Segundo a denúncia da PGR, a direção da PRF montou blitze no segundo turno das eleições para dificultar a ida de eleitores de Lula aos locais de votação.
Clebson Vieira disse que teve convicção de que os dados levantados por ele haviam sido usados para uma finalidade ilegal quando viu a movimentação da PRF no dia da eleição. "À época eu fiquei apavorado porque eu vi que uma habilidade técnica minha foi utilizada para uma tomada de decisão ilegal. Eu só me preparei para que no momento oportuno eu pudesse falar."
O ministro Alexandre de Moraes iniciou a fase de depoimento das testemunhas do processo contra o núcleo central da trama golpista de 2022. O grupo tem como réus o ex-presidente Bolsonaro, Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-chefe da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).
Eles são acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado. Somadas, as penas máximas podem passar de 40 anos de prisão.
A acusação e as defesas indicaram mais de 80 testemunhas para serem ouvidas pelo Supremo em duas semanas de audiências. Os primeiros depoentes são os escolhidos pela PGR.
Agências