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Publicada em 16 de Novembro de 2023 às 21:58

Analista argentina não vê ruptura com Brasil a partir do resultado eleitoral

Geraldina Dana esteve em Porto Alegre para o evento Summit Eleições

Geraldina Dana esteve em Porto Alegre para o evento Summit Eleições

André Lopez Peixoto/Divulgação/Jc
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Diego Nuñez
As eleições argentinas certamente devem impactar o Brasil, país vizinho e principal parceiro econômico da Argentina, segundo vê Geraldina Dana. A cientista política natural de Buenos Aires, porém, não vê possibilidade de ruptura comercial entre os dois países, como prometeu o candidato Javier Milei, opositor do ministro da Economia do presidente Alberto Fernández, Sergio Massa, representando a situação.
As eleições argentinas certamente devem impactar o Brasil, país vizinho e principal parceiro econômico da Argentina, segundo vê Geraldina Dana. A cientista política natural de Buenos Aires, porém, não vê possibilidade de ruptura comercial entre os dois países, como prometeu o candidato Javier Milei, opositor do ministro da Economia do presidente Alberto Fernández, Sergio Massa, representando a situação.
Para a especialista, essa é a eleição mais polarizada desde que o histórico presidente Juan Domingo Perón, pai da principal corrente política da Argentina, o peronismo, enfrentou o embaixador dos Estados Unidos no país, Spruille Braden, em 1946.
Jornal do Comércio - Como o pleito argentino pode afetar o Brasil?
Geraldina Dana - Acho que a parceria comercial entre Brasil e Argentina é estratégica para os dois. Nosso primeiro parceiro comercial são vocês. É o principal destino turístico dos dois países reciprocamente. A eleição vai afetar, com certeza. Se Massa ganhar, o governo do Brasil vai se sentir compelido a ajudar a Argentina, como já está fazendo, não somente aceitando o Peso, mas também com uma promessa do BNDES de financiar parte do nosso novo gasoduto. No caso do Milei, ele fez algumas declarações muito ideologizadas, como cortar vínculos com o Brasil por ser um país comunista, como a China, comparando regimes políticos que nada têm a ver. Essas ideias são pouco praticáveis. São relações estratégicas, e há muitas indústrias interessadas em continuar com essa parceria, sem se importar quem for o governo do Brasil.
JC - Seria possível, de alguma forma, essa ruptura nas relações comerciais com Brasil e China?
Geraldina - Acho que não. Porque o Brasil é o nosso principal parceiro econômico e comercial, e a China é o segundo. A política exterior, mesmo que esteja na cabeça do presidente, também representa interesses econômicos e comerciais da sociedade. Não existe uma vantagem em romper laços para um país fortemente atravessado por uma dívida externa O que poderia acontecer, por exemplo, seria que a Argentina não ingressasse nos Brics (bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Então, não avançar mais, o que não é a mesma coisa que romper. Ou talvez não acompanhar alguma declaração de caráter mais político em algum organismo multilateral. Em termos econômicos, comerciais, não acredito que seja uma uma decisão que esteja no poder do presidente argentino.
JC - É possível traçar paralelos entre a eleição argentina e as últimas eleições no Brasil?
Geraldina - Muitos. O principal seria a presença de um ator, que nesse caso é o Milei, que critica o establishment político, com uma crítica geral também ao funcionamento do Estado, e é um ator que também nunca se elegeu num cargo do Executivo. A diferença é que (Jair) Bolsonaro (PL) já tinha sido deputado por vários mandatos, e Milei não tem experiência política. A outra semelhança é que temos um segundo turno entre esse candidato e outro que está tentando pôr, ao redor dele, forças de centro. Não é um representante puro do kirchnerismo.
JC - Que já foi um opositor do kirchnerismo...
Geraldina - Foi, mais de uma vez. E sua crítica era mais de direita, ou de centro-direita. Agora, tenta representar essa ideia de moderação.
JC - A Argentina já tinha experienciado uma eleição tão polarizada recentemente?
Geraldina - Não. A única vez onde as eleições polarizaram tanto foi na eleição do (Juan Domingo) Perón em 1946, quando o candidato era ele ou Spruille Braden, representante da oposição, que era o embaixador dos Estados Unidos na Argentina. Tínhamos uma opção mais voltada para a indústria nacional e outra opção mais claramente para um modelo voltado à exportação.
JC - Há temor com isolacionismo caso Milei vença?
Geraldina - Somente entre os círculos mais informados. Também porque as condições de implementação das propostas de Milei, entre elas, a dolarização, mas também, cortar relações comerciais com o Brasil, como ele falou, são baixas. Mesmo se ele ganhar, as possibilidades de ação são restringidas pelo sistema político. Ele não teria maioria em nenhuma das câmaras, não teria governadores ou prefeitos do seu próprio partido, e o nosso serviço exterior tem muitas pessoas concursadas que não vão deixar tão facilmente.
JC - Como a dolarização da Argentina poderia afetar a relação comercial na América do Sul?
Geraldina - Em primeiro lugar, ela é criticada pela falta de dólares da Argentina. A Argentina tem reservas muito fracas nesse momento e uma grande dívida externa. Em relação ao comércio internacional, é difícil pensar um país inserido com essa dolarização, já que esses dólares faltam. Mas é verdade também que a Argentina precisa sempre desses dólares para negociar com o resto do mundo. A Argentina não tem nem os dólares que precisa já. Por isso, valorizou a gestualidade do Brasil de aceitar nossa moeda nacional como moeda de pagamento. Temos um déficit crônico de dólares.
JC - Como surgiu o fenômeno Milei?
Geraldina - Faz dois anos, ele criou o seu partido e se apresentou nas eleições. Mas ele começou a se fazer mais conhecido com suas participações em programas de televisão, com críticas como um economista anarcocapitalista. Ficou conhecido num momento de muita decepção com as opções políticas tradicionais e de alta inflação, de desesperança e fragilidade. Os atores peronistas e antiperonistas fracassaram em diversos governos, de diversas formas. As pessoas que eram contrárias ao peronismo acreditaram que o governo encabeçado por Mauricio Macri ia terminar com os problemas da Argentina, o que não aconteceu. Como opção antiperonista, essa coligação chamada Juntos Por El Cambio (Juntos Pela Mudança) ficou sem uma opção tentadora para acabar com o kirchnerismo. Esse último governo, de uma coligação mais peronista, com elementos do kirchnerismo terminou em uma elevada inflação. As opções tradicionais não deram resultado positivo.
JC - Como Massa, ministro de uma economia que atingiu inflação de 100%, conseguiu chegar ao segundo turno? Seria rejeição ao Milei ou o peronismo ainda vive na Argentina?
Geraldina - Acho que as duas respostas são corretas. E também o fato que ele, como ministro da Economia, inseriu recursos nos bolsos das pessoas nos últimos tempos. Por exemplo, isenção do Imposto de Valor Agregado (IVA) para todas as compras com cartão de débito. Ou alguns aumentos salariais, ou reforços em assistências sociais de vários tipos, elevação do piso mínimo para pagar imposto às ganâncias (lucro), o que ajudou muito a classe média alta. Esses tipos de medidas econômicas, que não são as medidas que o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou à Argentina, fizeram com que muitas pessoas, mesmo que a situação macroeconômica seja instável, chegassem até o final de mês com alguma coisa nova em casa, ou que tiveram menos problemas em termos financeiros pessoais. Se criou uma sensação de estabilidade.
JC - As acusações de fraude nas eleições colocam a própria democracia argentina em risco?
Geraldina - É por isso que Massa se posiciona como um candidato defensor do sistema político. O nosso sistema não tem antecedentes de fraude ou acusação séria na Justiça. É um sistema em papel, não é eletrônico como aqui, uma papeleta partidária e voto em lista. É um sistema que é utilizado há 40 anos. Os eleitores conhecem. É um sistema que não cria dúvidas na população, nem na Justiça ou em âmbitos internacionais. Mas Milei coloca esse comentário contra o sistema eleitoral, como Bolsonaro fez, como (Donald) Trump fez. Milei não é um candidato do sistema, então ele não tem nada a perder pessoalmente.
JC - Com essas figuras políticas citadas, avalia que Milei faz parte de um movimento mundial?
Geraldina - Faz. Eles têm congressos. Seu ex-presidente participa também. É uma tendência geral, e não somente uma estratégia de campanha, seguir Steve Bannon. E também um backlash, uma resposta, antifeminista, antiliberal, no sentido clássico do termo, da liberdade de escolha da forma de vida. A diferença com Milei é que a questão racial não está presente em seu discurso. Eu não caracterizaria ele como um candidato xenófobo ou racista, particularmente. O que é bem diferente do caso dos outros mencionados.
 

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