A minirreforma eleitoral proposta no Congresso Nacional para ajustar as regras para o pleito municipal de 2024 não avançou no Senado Federal. Assim, as normas para as eleições do ano que vem permanecem as mesmas de 2022.
Para a presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul, Vanderlei Teresinha Kubiak, o pleito não será prejudicado sem a reforma. Entende, porém, que debates importantes ficaram pelo caminho, em uma tramitação realizada às pressas pelos parlamentares.
A desembargadora defende a proposta da reserva de cadeiras para garantir maior pluralidade ao Legislativo, um sistema que seria mais eficaz do que as cotas de gênero. Teresinha Kubick cita o exemplo de países como o México, que garante paridade de gênero no Parlamento.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Teresinha Kubiak também comenta o funcionamento das federações em eleições municipais e a preparação da Justiça eleitoral para o combate à desinformação.
Jornal do Comércio - A reforma eleitoral não avançou no Senado. O que não muda para as eleições 2024, mas que deveria ter mudado?
Vanderlei Teresinha Kubiak - Na verdade, vai permanecer tudo igual. Não tivemos alterações significativas. Algumas alterações já valeram para as eleições de 2022 e vão valer também para as municipais naquilo que se aplica. Não tivemos tempo suficiente para aprovar essas reformas na Câmara e no Senado. Teremos as mesmas regras de 2022.
JC - O não andamento da minirreforma vai prejudicar o processo eleitoral?
Teresinha Kubiak - Não, acredito que não. O que pode acontecer é que em toda eleição o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) edita resoluções, que detalham algumas situações. Talvez essas resoluções do TSE, que foram editadas para 2022, possam ter alguma alteração para 2024, mas isso só em pontos muito específicos, que não sejam diferentes da própria lei em si. Alguma resolução do TSE, principalmente trazendo e especificando algo do calendário eleitoral, algum procedimento que os tribunais precisem adotar para melhorar o processo. Isso pode acontecer ainda, mas nada que seja diferente das legislação que nós aplicamos em 2022.
JC - Quais pontos dessa minirreforma que considerava positivos?
Teresinha Kubiak - Algo muito positivo teria sido ampliar o período considerado de processo eleitoral, que vai desde o registro da candidatura até a eleição. Esse período mais crítico hoje é curtíssimo, com 45 dias. Com a minirreforma, haveria uma ampliação de mais 15 dias. Isso facilitaria, porque nós temos um prazo muito exíguo para analisar os registros de candidaturas, impugnações eventuais desses registros, julgar a tempo de que os nomes possam ser inseridos na urna com segurança, que não tenhamos candidatos concorrendo com a candidatura sub judice. Temos que considerar que é uma eleição municipal e esses registros são analisados nas zonas eleitorais. E pode haver recursos ainda, que o tribunal precisa julgar até 15 de setembro. O que eventualmente acontece é que o candidato pode concorrer e esse registro vai ser desconsiderado posteriormente em caso de irregularidade. Me parece que há benefício na ampliação do período eleitoral propriamente dito, com registros, propaganda, toda aquela fase pré-eleição. Não só nos facilitaria muito, mas também daria mais tempo para a população refletir a respeito dos candidatos. Outra coisa que também impacta são casos de desinformação. Num período curto de propaganda, se eventualmente há uma propaganda negativa de algum candidato, ele tem muito pouco tempo para reverter aquela imagem.
JC - São muitos processos para analisar em um curto período?
Teresinha Kubiak - Numa eleição municipal, registros de candidatura são analisados nas zonas eleitorais. São 165 zonas eleitorais no Estado e uma zona pode ter vários municípios agregados. Num primeiro momento, o juiz eleitoral da zona analisa as candidaturas e defere ou indefere. Cabe daí um recurso, que o TRE analisa e temos um prazo para analisar, que vai até 15 de setembro. Nesse período, tanto os juízes eleitorais quanto o TRE trabalham com dedicação exclusiva na análise desses pedidos de registro de candidatura. Isso para julgar em tempo hábil de candidato recorrer, numa eventual impugnação, para que o tribunal possa analisar a tempo.
JC - Acredita que o tempo curto de campanha prejudica o eleitor e favorece os políticos que já estão no jogo?
Teresinha Kubiak - O eleitor tem pouco tempo para poder conhecer todos candidatos. Talvez aqueles que sejam mais conhecidos e já estejam há mais tempo na vida política ou tenham uma profissão, um cargo que permita mais visibilidade, tenham mais vantagem. É realmente um período curto de tempo para que todos possam apresentar suas propostas e serem conhecidos pelos eleitores.
JC - O debate parece ter começado de forma tardia.
Teresinha Kubiak - Exatamente. Talvez não tenham tido tempo de amadurecer, então eles não tiveram tempo suficiente de amadurecer, porque há outros assuntos polêmicos. Tem a questão do percentual da participação de gênero, de 30%, que na verdade se aplica às mulheres. Isso estava prestes a mudar para que fossem asseguradas cadeiras em vez de candidaturas. Essa é uma discussão polêmica. Não há definição no Congresso em relação a isso. Então esse pode ser um dos motivos também.
JC - Como as cadeiras seriam asseguradas?
Teresinha Kubiak - Hoje, 30% das candidaturas vão para cota de gênero. Mas isso não garante que as mulheres sejam realmente eleitas e ocupassem uma cadeira no Legislativo. A ideia seria assegurar vagas no Legislativo. A ideia do projeto era de que 15% das cadeiras fossem reservados às mulheres. Porém, hoje, mesmo sem cadeiras reservadas, conseguimos um percentual de 18% de mulheres no Legislativo. As cadeiras asseguradas seriam num percentual menor do que existe hoje na prática. Alguns países do mundo já praticam a paridade de gênero. O México, por exemplo, tem paridade de gênero na casa legislativa, com 50% homens e 50% mulheres. Isso também é um assunto polêmico.
JC - Não seria uma interferência maior na eleição, alterando até a disposição dos partidos?
Teresinha Kubiak - Iria garantir o mínimo de acesso às mulheres. Teríamos garantia de diversidade de gênero efetiva. Hoje ela é uma possibilidade. É uma discussão. Talvez seja um dos motivos para o projeto não ter avançado. Ainda temos uma baixa representatividade feminina. Embora tenha a obrigatoriedade de 30%, ela não se reflete no resultado das urnas. Tivemos apenas 18% de mulheres em 2022. Uma disparidade que não coincide com o número de eleitoras, Temos uma maioria de mulheres. 53% do eleitorado. Isso ocorre em outros segmentos sociais. Pessoas negras, indígenas, pessoas com questões de acessibilidade. Temos deficiência de representação plural nas nossas lideranças políticas. Isso precisa ser revisto. Nossa população não é apenas de homens brancos. Nossa população é composta por mulheres, mulheres negras, homens negros, indígenas, comunidade LGBTQIA . Essa pluralidade acaba subrepresentada. Quem faz as leis são homens brancos, e as leis se aplicam a todas as pessoas. Precisamos tornar nosso Parlamento mais plural para que as leis possam ser pensadas para todos. Outro ponto é diminuir as fraudes eleitorais em relação às cotas de gênero. Com a obrigatoriedade, muitas vezes partidos políticos colocam para concorrer mulheres que na verdade não estão querendo realmente concorrer.
JC - Candidaturas laranjas...
Teresinha Kubiak - O que chama-se de candidatura laranja. Isso faz com que essas mulheres sejam processadas, muitas vezes tendo que pagar elevadas multas ou devolver valores que transitaram pela conta delas para a campanha, que sequer foi feita em alguns casos, porque elas recebem esse dinheiro e depois devolvem para o partido ou aplicam na candidatura de homens. Então são processadas, condenadas a devolver quantias que não usaram e, ainda mais grave, toda chapa eleita cai. Mesmo algumas mulheres que conseguem ser eleitas, se houver fraude na cota de gênero daquela chapa, todo o registro daquelas caem e aquelas vagas são destinadas a outro partido.
JC - Essa punição não deveria ser ao partido em vez da pessoa física que concorre?
Teresinha Kubiak - Pois é. É que a ação é destinada às mulheres que ocupam essas vagas de forma fictícia. Agora, claro, a interpretação jurisprudencial está avançando para que também haja uma responsabilização dos dirigentes partidários. Num primeiro momento, ela é direcionada àquelas que ofereceram seus nomes de forma fraudulenta. Às vezes, muitas sequer sabem que foram colocadas como candidatas.
JC - Acredita que a reserva de cadeiras garantiria mais representatividade que a cota de gênero?
Teresinha Kubiak - Acho que sim. É uma política afirmativa que vai ter mais efetividade.
JC - Como funcionarão as federações, formadas em 2022, para o pleito municipal de 2024?
Teresinha Kubiak - Ela tem uma diferença para as coligações porque tem uma permanência, um período de quatro anos, para toda uma legislatura. A federação funciona como se fosse um partido político único.
JC - Nacionalmente, mas os municípios sempre têm suas características próprias.
Teresinha Kubiak - Exatamente, mas aqueles partidos que se uniram à federação para as eleições de 2022 vão permanecer para as eleições de 2024. A regra das federações vai permanecer para as eleições de 2024. Aqueles que se uniram à federação vão ter que observar também esses critérios para as eleições municipais. Considerando a natureza da federação, ela acaba funcionando como uma fusão de partidos. Não que os partidos deixem de existir individualmente, mas acabam se fundindo para efeitos de legislação naquele período de quatro anos.
JC - Acredita que a próxima eleição será pautada novamente por contestação ao sistema eleitoral?
Teresinha Kubiak - A Justiça eleitoral já demonstrou a transparência, confiabilidade e segurança do processo eleitoral. Na minha opinião, isso já é um assunto esgotado. As eleições (2022) transcorreram da melhor forma possível. Existem inúmeros momentos de auditoria das urnas, do sistema e do processo eleitoral, então eu penso que vai diminuir essa tentativa de descredibilização. Já mostramos que o processo é confiável. Foi auditado e acompanhado por organismos internacionais e todos eles atestaram a fidedignidade e confiabilidade do processo eletrônico.
JC - Como o TRE se prepara para combater a desinformação nas eleições?
Teresinha Kubiak - Nós já estamos preparando desde cedo o processo eleitoral fazendo um trabalho preventivo. Temos um projeto chamado Caminhos da Democracia, em que estamos percorrendo o Estado fazendo eventos regionais, onde convidamos a comunidade e os partidos políticos, prefeitura, Câmara de Vereadores, juízes, promotores, servidores da justiça eleitoral para tratar justamente de temas importantes para a próxima eleição. O projeto consiste em nos reunirmos com a comunidade da região e apresentarmos algumas palestras que falam sobre desinformação, o impacto das fake news nas eleições, a responsabilidades de cada um de nós, seja candidato, eleitor ou servidor de justiça, no sentido de sempre passar a informação verdadeira, sempre checar que chegam antes de reproduzir.
Perfil
A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak (Guaíba, 1960) formou-se em Magistério em 1978 pela Escola Normal Gomes Jardim, em Guaíba. Foi professora municipal na cidade. Em 1983 ingressou, por concurso público, no magistério estadual. Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em julho de 1983 pela Unisinos. Em abril de 1985, assumiu, por concurso público, o cargo de pretora, exercendo suas atividades nas Comarcas de Osório e Porto Alegre. Em fevereiro de 1988, assumiu, por concurso, o cargo de Juíza de Direito, jurisdicionando comarcas de Guaíba; Triunfo, Gravataí e Porto Alegre. Em outubro de 2000, foi convocada ao Tribunal de Justiça como substituta de desembargador. Atuou como juíza eleitoral da Zona 113 de abril de 2005 a março de 2007, quando foi designada ao pleno do TRE, onde permaneceu até dezembro de 2008. Lecionou na Unisinos, na Ulbra e na Escola Estadual da Magistratura. Foi eleita corregedora-geral da Justiça ao biênio 2020/2022. Em 23 de maio de 2022, tomou posse como vice-presidente e corregedora regional eleitoral do TRE. Em 29 de maio de 2023, assumiu a presidência da corte.


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