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Entrevista Especial

- Publicada em 14 de Maio de 2023 às 20:07

Secretário da Segurança propõe rever liberdade provisória

Caron lembra que a maioria dos homicídios tem relação com tráfico

Caron lembra que a maioria dos homicídios tem relação com tráfico


/fotos: ANA TERRA FIRMINO/JC
Diego Nuñez
Diego Nuñez
O secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul e presidente Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), Sandro Caron, pretende levantar um debate nacional para a alteração de legislações sobre a liberdade provisória para crimes violentos. No Estado, tem como prioridades o combate ao crime organizado, prevenção contra feminicídios e redução nos roubos.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ele também comenta sobre o uso de câmeras corporais nas polícias, tornozeleiras eletrônicas em agressores de mulheres e afirma que a violência gerada pelas guerras de facções não irá retornar aos níveis observadores em 2015, 2016 e 2017 no Estado.
Jornal do Comércio - Como presidente do Consesp, que contribuições pretende agregar?
Sandro Caron - Nessas reuniões, sempre discutimos questões estruturantes que têm impacto na segurança pública. Minha grande bandeira como presidente do Consesp é abrir a discussão sobre a necessidade de alterações e ajustes legislativos no Brasil.
JC - Quais?
Caron - Por exemplo, tivemos legislação recente que criou medidas alternativas à prisão, exatamente com o objetivo de reduzir a superlotação no sistema carcerário. Essas medidas foram criadas com a ideia de tirar das prisões pessoas que praticavam crimes de menor gravidade. Mas em razão da forma como a lei foi redigida isso vem permitindo com que, hoje, em várias situações concretas, pessoas que praticam um homicídio, um roubo ou tráfico de drogas recebam liberdade provisória. Não sou a favor de encarceramento geral, de forma alguma. Mas uma coisa é óbvio: uma pessoa que pratica um homicídio ou um roubo hoje e for para a rua amanhã, o que ela vai voltar a fazer? Vai voltar a praticar o roubo, o homicídio. E quando esse processo evoluir, a tendência é essa pessoa ficar foragida. E ainda mais numa conjuntura dessa, ela dificilmente vai sair do mundo do crime. Não é uma crítica a outras autoridades, a outros Poderes. É uma crítica à legislação. Minha grande defesa é que a gente abra esse debate no Brasil.
JC - Aqui no RS, ao que atribui a melhora dos indicadores de criminalidade em abril?
Caron - Decorre de todo um fortalecimento no sistema de segurança pública que vem ocorrendo, vários investimentos que foram feitos, contratações de novos profissionais em concurso, aumento do número de integrantes, entregas de viaturas, armamentos, coletes, equipamentos tecnológicos. O programa RS Seguro já tem quatro anos. O grande mérito é a integração que ele trouxe.
JC - O RS Seguro é o melhor plano possível para combater a violência no Estado?
Caron - É um ótimo plano. Do que pode ser feito para o Rio Grande do Sul, é sim o melhor programa que podemos ter. Primeiro porque ele já mostrou claramente que tem esse grande mérito de integrar a segurança pública do Estado com as polícias federais, com os municípios, com o Poder Judiciário, com o Ministério Público (MP). Ele trabalha a questão do eixo de combate ao crime, que isso fica mais com as polícias, com o Ministério Público e Judiciário. Pega também o eixo do sistema prisional, que é muito importante, porque aquilo que ocorre nos presídios vai ter impacto na rua. E tem também a previsão das chamadas políticas transversais, que são também ações que não se referem às polícias, mas que vão ter um impacto por fazerem a prevenção primária. Estamos pensando agora em ampliações, trazer inovações, mas eu gosto de deixar muito claro que a segurança pública do RS vinha muito bem gerida. A prova disso são os resultados. Viemos agora com experiências de fora para buscar trazer outras inovações e conseguir derrubar (a taxa de criminalidade) mais ainda. Não podemos nos acomodar.
JC - Quais são as prioridades no combate à criminalidade?
Caron - Nesse ano conseguimos, em quatro meses, colocar grande parte dos números em viés de queda. Temos três grandes eixos que coloco como prioritários. Um, é o combate aos homicídios. A redução de homicídio, que se faz isso enfraquecendo os grupos criminosos, as facções. A maioria dos homicídios tem como motivação envolvimento de pessoas com tráfico. Quem acaba praticando esses homicídios são as facções. Se enfraquece as facções prendendo as lideranças, aprendendo a arma e droga e fazendo a investigação patrimonial, asfixia financeira, como chamo. Localizar onde está o dinheiro e os bens que se obteve com crime e fazer, através da investigação, apreensão. Prender as lideranças, tirar a droga e arma e tirar o dinheiro. Quando esses grupos estão enfraquecidos, há redução nos número de crimes porque existe uma repressão muito forte do Estado. O segundo eixo é a redução de feminicídios, que já é uma estratégia completamente diferente. São crimes que, via de regra, ocorrem dentro das residências. Não vai reduzir o feminicídio com o policiamento nas ruas. O principal é conseguimos fazer um trabalho de convencimento de criar condições para que mulheres vítimas de violência doméstica registrem boletim de ocorrência na Polícia Civil. Feito esse registro, a polícia vai pedir ao Judiciário a medida protetiva para que consiga impedir que um caso de violência doméstica evolua para o que há de pior, que é um feminicídio. Sabemos que é difícil. E o RS teve um aumento de feminicídios. No ano passado, de 106 casos, nós só tínhamos boletim de ocorrência e medida protetiva em 20. Então temos que fazer esse trabalho de conscientização. Hoje, temos mais ocorrências de violência doméstica que havia ano passado, mas temos um número bem menor de feminicídio. Muito por causa do trabalho de convencimento, abrimos esse outro canal que é a delegacia online da mulher e o foco para investigar esses inquéritos de violência doméstica.
JC - Desde o ano passado, o Estado discute a possibilidade do monitoramento eletrônico de agressores para prevenir feminicídios. Como está essa questão?
Caron - Estamos finalizando os testes com a ferramenta. Vamos logo em seguida assinar um protocolo junto ao Poder Judiciário e MP para colocar a tecnologia em prática.
JC - Como funcionaria?
Caron - Feito o boletim de ocorrência e quando o Judiciário decretar a medida protetiva, o juiz vai dizer, na decisão, se é caso de colocação de tornozeleira no agressor. Então a vítima recebe um aparelho idêntico a um celular. Esse monitoramento vai ser feito na secretaria. Quando o agressor descumprir a distância mínima da vítima, vai ser disparado um alerta no telefone que fica com a vítima e para a segurança pública. Então a segurança vai até a vítima para protegê-la e vai localizar e abordar o agressor. Já está em vias de ser colocado em prática, estamos fazendo os últimos testes com a ferramenta.
JC - Se observa que vários indicadores apresentaram melhora nos últimos anos no Estado, mas a violência contra a mulher persistiu. Quais as causas?
Caron - Desde a pandemia, tivemos um aumento não só no RS, mas como no Brasil e no mundo, de ocorrência de violência doméstica. Ainda está sendo tudo analisado de maneira científica. Mas me parece que a pandemia teve uma participação. Vem sendo feito esse trabalho de conscientização porque se avalia que o número de ocorrência de violência doméstica, por essa falta de boletim de ocorrência, seja um crime subnotificado. Estamos buscando coibir. Desde janeiro, houve um aumento do número de BOs por violência doméstica e ao mesmo tempo uma redução de feminicídios.
JC - Muitas mulheres não se sentem seguras em denunciar.
Caron - Esse trabalho de conscientização envolve criar um ambiente em que a vítima se sinta acolhida para fazer essa denúncias às autoridades. Via de regra são policiais do sexo feminino que atendem essas ocorrências. Mas tem que ter uma resposta de Segurança Pública também, por isso que até julho vamos inaugurar a segunda Delegacia da Mulher em Porto Alegre e a Polícia Civil vai dobrar a capacidade dela para dar a vazão nesses inquéritos de violência doméstica.
JC - Qual é o terceiro eixo?
Caron - É a questão do combate aos crimes contra o patrimônio, os roubos. Envolve uma ação preventiva e ostensiva da Brigada e as investigações da Polícia Civil sobre grupos e quadrilhas que praticam roubos. Esse combate aos crimes contra o patrimônio vem trazendo uma redução também de latrocínios. Fechamos abril com o menor número de roubos da série histórica.
JC - O que faz o RS avançar nos indicadores da segurança?
Caron - Viemos colocando muita força nas ações de prevenção da Brigada, muita força nas investigações da Polícia Civil e também esse compartilhamento de inteligência entre a Brigada e a Civil. Viemos realizando muitas prisões qualificadas. A Brigada vem realizando uma média de 300 prisões por dia.
JC - Mesmo com bons números, o Estado começou o ano com muitas trocas nos comandos da segurança, principalmente na Polícia Civil. Qual o motivo?
Caron - Temos uma linha de gestão na Polícia Federal, que é a mesma usada nas Forças Armadas, em que essas trocas de comando são salutares. A segurança pública do RS vinha muito bem gerida. Traz da PF, e semelhante ao que é feito na iniciativa privada, em que as pessoas ocupam cargo de gestão e depois de dois três anos ocorre as trocas, que são naturais, para que haja uma oxigenação. Aqueles que vinham num cargo gestão e vem dando o resultado recebem convite para outro cargo de gestão.
JC - Como está a questão das câmeras corporais para agentes da segurança?
Caron - Teve uma primeira licitação, em dezembro. As duas empresas que apresentaram propostas ao final foram desclassificadas porque os equipamentos não preencheram especificação necessária. Se decidiu por uma nova licitação, que saiu na semana passada. O prazo para a resposta é dia 23 de maio. São 1,1 mil câmeras, 1 mil para a Brigada e 100 para a Civil.
JC - Como as câmeras podem melhorar a atuação da polícia?
Caron - Primeiro, porque é uma garantia para o cidadão de que não vai haver nenhum tipo de abuso por parte do agente da Segurança Pública. Segundo, é uma garantia para o policial, porque ele vai ter ali provas do que foi feito e do que não foi feito. E o terceiro é que vai ser um elemento de formação de prova para o inquérito policial.
JC - Recentemente, foram revelados dados que mostraram alta taxa de suicídio entre policiais no Estado. Como a secretaria pode trabalhar essa questão?
Caron - A secretaria vai ter atenção sempre para a questão de saúde mental, assim como os comandos das polícias. Já existem trabalhos feitos no âmbito da Brigada Militar em que os policiais eram treinados para que ajudassem a detectar situações em que se verificasse que um colega ali estava eventualmente com depressão ou com algum tipo de problema. Essa questão hoje é um ponto total de atenção na secretaria e nas polícias.
JC - Em 2022, voltaram a ocorrer casos de violência em guerra de facções, principalmente em Porto Alegre. Existe o temor de que haja escalada de violência no Estado como ocorreu em 2015, 2016 e 2017?
Caron - Estamos trabalhando para que isso não ocorra de forma alguma. Aconteceram algumas situações no ano passado e em razão disso um aumento de homicídios, em especial em Porto Alegre, no segundo semestre do ano passado, em decorrência de disputa entre grupos criminosos. Direcionamos ações para fazer uma repressão forte a esses grupos. Grupos criminosos têm que estar sempre sob uma repressão muito forte do Estado, com prisões, operações, prisões de lideranças, trabalho de investigação patrimonial para asfixia financeira. Ocorrendo homicídios, vai ser um indicativo de que os grupos estão se fortalecendo. E aí com certeza vamos aumentar ainda mais essa repressão. Temos ações quase que diárias para enfraquecer esses grupos. Conseguimos já no mês de abril uma redução grande em Porto Alegre. No quadrimestre, também. Um dos três eixos de prioridade é enfraquecer grupos criminosos para reduzir homicídios. Hoje já se tem uma realidade de equipamentos e de número de policiais muito maior do que se tinha em 2015 e 2016. Por isso, eu digo que é muito difícil voltar a acontecer.
 

Perfil

Natural de Porto Alegre, Sandro Caron de Moraes tem 47 anos e ingressou na Polícia Federal (PF) em 1999. Formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Caron tem pós-graduação em Gestão de Políticas de Segurança Pública. Atuou na coordenação da Segurança da Copa do Mundo de 2014, no Rio Grande do Sul, e coordenou o serviço antiterrorismo nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Caron foi Delegado Regional Executivo no Rio Grande do Norte e Superintendente Regional no Ceará e no Rio Grande do Sul. Caron foi Diretor de Inteligência da PF e atuou por mais de três anos na Embaixada do Brasil em Portugal. Em setembro de 2020 assumiu a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, função que desempenhou até o final de dezembro de 2022.É secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul desde o início de 2023, a convite do governador Eduardo Leite (PSDB). Em março, foi eleito presidente Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp).