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Entrevista Especial

- Publicada em 26 de Fevereiro de 2023 às 12:30

'Tributamos muito serviços e pouco renda e propriedade', avalia Mourão

Senador gaúcho, Hamilton Mourão afirma que auxiliará Estado a reaver recursos do ICMS

Senador gaúcho, Hamilton Mourão afirma que auxiliará Estado a reaver recursos do ICMS


LUIZA PRADO/JC
Senador eleito pelo Rio Grande do Sul em 2022 com 2.593.229 votos (44,11% dos válidos), o ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) atuará na bancada gaúcha do Congresso Nacional pelos próximos oito anos.
Senador eleito pelo Rio Grande do Sul em 2022 com 2.593.229 votos (44,11% dos válidos), o ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) atuará na bancada gaúcha do Congresso Nacional pelos próximos oito anos.
Tendo como bandeira do desenvolvimento econômico, o general da reserva defende a diminuição das alíquotas em uma possível junção de impostos na reforma tributária. Mourão defende o reequilíbrio entre os tributos cobrados através dos serviços e os que taxam a renda e a propriedade.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o senador afirma que também prestará apoio ao governador Eduardo Leite (PSDB) na tentativa de reaver as perdas do ICMS e acredita que, apesar da derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua tentativa de reeleição, a vitória do bolsonarismo foi consolidar uma direita no Brasil.
Jornal do Comércio - Qual será o foco de sua atuação?
Hamilton Mourão - Primeiro, o desenvolvimento econômico, porque só por meio do desenvolvimento econômico é que teremos geração de emprego, de qualidade e renda para a nossa população. São as reformas estruturantes capazes de fazer com que o País saia dessa armadilha da renda média que estamos presos há 40 anos: a reforma tributária e a reforma administrativa. E também a atração de investimentos, em especial para o nosso Estado, que é outra fonte de geração de emprego e de renda. Temos potencial na geração de energia eólica na região de Rio Grande e tem que ser explorado. É um marco para o futuro do Estado. Outro eixo são as questões ligadas à área social, de educação, de saúde e de segurança pública.
JC - O senhor, inclusive, já apresentou projeto de lei nesse início de mandato.
Mourão - Sim, a respeito da questão da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), que houve uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) fazendo uma cobrança retroativa, o que é péssimo para o nosso pessoal, e aí apresentamos um projeto de lei para que isso não aconteça. Vamos cobrar para frente. Para trás, não. Creio que o projeto tenha grande chance de ser aprovado.
JC - Sobre as eleições, ao que o senhor atribui o sucesso eleitoral na corrida pelo Senado?
Mourão - Enfrentamos dois adversários de peso, que era o ex-governador Olívio Dutra (PT) e a ex-senadora Ana Amélia (PSD), uma figura tradicional do nosso Estado, que tem uma imagem grande por ter sido jornalista, além de ter trabalhado aqui no Senado. Não era uma eleição simples, mas procuramos apresentar nossas propostas e nos colocarmos como candidato efetivo do pensamento conservador e de direita do nosso Estado, que eu creio que é a maioria. E nesse trabalho contamos com o apoio inestimado do presidente Bolsonaro e também da Comandante Nádia (PP) no final da campanha, e eu acho que essas foram as grandes razões para levar a nossa vitória.
JC - Acredita que o movimento da Comandante Nádia, de desistir da própria candidatura para apoiá-lo, teve impacto?
Mourão - Não tenho dúvida. Apesar de ter sido no final da campanha, a Nádia tem um grupo de eleitores significativo no nosso estado. É outra figura muito querida pelo nosso campo e, consequentemente, o fato de ela ter nos apoiado proporcionou aquele "sprint" nos últimos dias de campanha. Ela tem um grande potencial, com certeza vai chegar a voos mais altos.
JC - Esse movimento já era planejado ou foi algo feito de última hora no final da campanha?
Mourão - Não foi planejado. Naquele momento a Nádia teve um gesto de grandeza moral de compreender que ela estava bem atrás, mas tinha um número significativo de votos. E esse número significativo poderia fazer falta na hora do embate final com o Olívio, que, naquele momento, estava na ponta, e entregaríamos de bandeja a eleição para o candidato do PT.
JC - O que acredita que faltou para o ex-presidente Jair Bolsonaro na disputa pela presidência, que tirou dele a reeleição?
Mourão - O presidente Bolsonaro foi um homem extremamente criticado desde o primeiro momento até o último dia de governo, enfrentando sempre chuvas e trovoadas, e sempre procurou enfrentar o que tinha que ser enfrentado com altivez. A pandemia aconteceu no momento em que o País tinha condições de fazer alguns avanços fundamentais e esses avanços ficaram parados pelo enfrentamento da pandemia. E tenho a visão clara de que a Suprema Corte e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não foram imparciais nas análises de tudo aquilo que foi a campanha do nosso lado. Sempre impugnando muitas das coisas que estavam ocorrendo, muitas das coisas que poderiam ser ditas contra o candidato adversário e isso trouxe um certo prejuízo numa eleição em que a diferença foi muito pequena.
JC - Tem conversado com o ex-presidente? Como ele está agora nesse período pós-eleição?
Mourão - Quando o presidente saiu do Brasil, me mandou uma mensagem informando que estava saindo e me solicitando para assinar alguns decretos. Desde então não tivemos mais contato. Ele está lá nos Estados Unidos, eu estou aqui, e todos nós aguardamos o retorno dele.
JC - Com a derrota eleitoral de Bolsonaro e a vitória do PT nas eleições, qual será o futuro da direita brasileira?
Mourão - Eu vejo que a grande vitória do Bolsonaro foi ter colocado a direita no mapa. Aqui no Brasil, ninguém se dizia de direita. Eram raríssimas as pessoas. Todo mundo era de esquerda, centro-esquerda, e na realidade você vê que o movimento de direita está forte, acho que nunca esteve tão forte no nosso País como nesse momento e existem lideranças. Óbvio que a primeira liderança é o Bolsonaro, mas temos outras surgindo aí, que, ao longo dos próximos anos, poderão se apresentar para as eleições de 2026 e ao longo desse período fazer oposição de forma organizada e sem ser raivosa contra o governo do PT.
JC - Uma consolidação também regional através de partidos como PL e Republicanos ajuda a direita a manter os espaços conquistados?
Mourão - É muito importante que esses partidos, o PL, o Republicanos, o PP, que são de direita, centro-direita, se fortaleçam cada vez mais, porque através da base que a gente consegue atingir o topo. Esse resultado das eleições para deputado, senador, que colocou o PL com 99 deputados, o nosso partido Republicanos com 41 deputados. Agora temos quatro senadores no Republicanos, o PL tem 12 senadores. O PL hoje é o partido que tem maior quantidade de recursos do fundo partidário, então tem que aproveitar esse momento para aumentar essa capacidade e o primeiro momento será para a eleição de prefeito e vereador para 2024.
JC - Em 2024, Hamilton Mourão poderá ser um candidato?
Mourão - Eu vejo que o nosso prefeito (de Porto Alegre) Sebastião Melo (MDB) tem sido um homem extraordinário, um homem habilidoso. Não nasceu em Porto Alegre, mas é um porto-alegrense comprometido com o futuro da cidade e gostaria muito de poder apoiá-lo em uma campanha à reeleição.
JC - Como avalia os atos ocorridos em 8 de janeiro e o que acha que motivou a invasão na Praça dos Três Poderes?
Mourão - Aqueles atos têm que ser tratados como aquilo que foi: uma manifestação sem lideranças - nunca vi uma manifestação que não tivesse carro de som conduzindo. Foi uma arruaça, porque no momento em que as pessoas deixam de fazer uma manifestação pacífica e invadem prédios públicos e depredam estão fazendo uma arruaça, atos de vandalismo e que devem ser tratados de acordo com a lei. Acho que é um exagero a forma como está sendo conduzido esse processo, querendo dizer que era uma tentativa de golpe de Estado. Golpe de Estado mais "tabajara" que esse não existiria, né? Golpe de Estado tem que ter força militar, tem que ter tiro, tem que ter bomba e nada disso ocorreu naquele dia. Então, houve uma grande arruaça aqui em Brasília e, na minha visão, os órgãos federais responsáveis por acionar o dispositivos de segurança, ou seja, Ministério da Justiça, Gabinete de Segurança Institucional, não o fizeram. Tinham dados de inteligência que diziam que poderia essa manifestação desandar em algum tipo de violência e não se prepararam, então eles têm que ser investigados.
JC - Como vai ser a oposição ao governo Lula?
Mourão - Faço parte dessa oposição, mas tenho deixado muito claro que não somos iguais com a forma em que o PT faz oposição. O PT faz oposição ao Brasil quando está nessa situação. É só analisar que eles não participaram da eleição indireta lá do Tancredo Neve, inclusive expulsaram os deputados que votaram naquela ocasião, não assinaram a Constituição de 1988, foram contra o Plano Real, ou seja: fazem uma oposição sistemática independente se as ideias forem boas ou não. Deixo claro que eu faço oposição ao governo, mas não faço oposição ao Brasil. Ou seja, se o governo vai mandar uma reforma tributária, uma reforma administrativa, que vá ao encontro daquilo que são as nossas ideias, terá o nosso apoio. Ou seja, é uma oposição racional, objetiva, honesta.
JC - O que o senhor defende que tenha nessa reforma tributária?
Mourão - A questão é complicada. Não pode ser uma resposta muito simples. Temos um sistema tributário que é complicado, é um sistema que é caro, custa uns R$ 80 bilhões por ano para as pessoas e para as empresas e tem uma sonegação/evasão, ou seja, gente que não paga, de R$ 400 bilhões. É muito dinheiro. Tributamos muito serviços e tributamos pouco renda e propriedade. Então tem que haver um reequilíbrio, uma unificação de impostos, tem que ser uma reforma neutra - porque já temos uma carga de impostos que é praticamente um terço do nosso Produto Interno Bruto. Não há condições de aumentar essa carga. Começar com uma reforma neutra e o grande objetivo é, na minha visão, reorganizar e, depois, baixar as alíquotas. Para com isso aumentar a base, diminuindo a sonegação e, com isso, até melhorar a arrecadação.
JC - Como o senhor avalia o início dessa nova relação do presidente Lula com o comando das Forças Armadas?
Mourão - Não foi um começo auspicioso. As Forças Armadas se mantiveram o tempo todo dentro do seu tripé da legalidade, da legitimidade e da estabilidade. Não se meteram em nenhuma tentativa de impedir que o presidente Lula assumisse ou de contestar o processo eleitoral. Não se viu nenhum pronunciamento de oficiais da ativa, generais da ativa e comandantes a esse respeito. A troca prematura do comandante do Exército não foi algo que desse uma boa sinalização. No entanto, foi decisão tomada, decisão aceita e a força, em particular o Exército, continua com o seu trabalho. É importante que o presidente Lula respeite para ser respeitado e compreenda sempre que são instituições do Estado e não de governo.
JC - Falando de RS, quais são os temas caros para o Estado que o senhor pretende defender?
Mourão - Já houve um primeiro momento com essa questão da estiagem, que é o que temos que solucionar de forma definitiva. Conversei com o governador Eduardo Leite para alinharmos nossas percepções de quais mudanças na legislação seriam importantes para que a gente conseguisse reter mais a água que cai em abundância no Estado em uns períodos e não sofrer nesses períodos de seca. O trabalho feito pela nossa bancada trouxe um apoio da ordem de R$ 400 milhões. O grupo de ministros ter ido ao Estado é bem importante. E é buscar atrair investimentos, apoiar as iniciativas do Estado nesse sentido, para melhoria da nossa infraestrutura de rodovias, ferrovias, etc.
JC - Qual pode ser essa solução definitiva para a estiagem?
Mourão - O que vejo é a questão do barramento. Ter capacidade de aumentar as barragens que temos, principalmente em áreas de preservação ambiental, de proteção permanente. Isso requer uma flexibilização tanto na legislação federal, quanto na legislação estadual e em algumas legislações municipais. A construção de cisternas, uso de carros pipa, orientação sobre fazer uma irrigação de melhor qualidade, tanto para grandes quanto para pequenos proprietários. O governo do Estado tem essas medidas mapeadas, e temos que trabalhar em conjunto para que isso aconteça.
JC - Os estados estão lutando para reaver receitas de ICMS...
Mourão - Conversei com o governador e me coloquei à disposição para apoiar as iniciativas no sentido das compensações que precisam ser dadas aos estados pela perda ocorrida com ICMS.
JC - Pretende ajudar nas articulações em Brasília?
Mourão - O governador conta com o meu apoio.
 

Perfil

Antônio Hamilton Martins Mourão é general da reserva do Exército e foi vice-presidente da República (2019-2022). Casado comPaula Mourão, é pai de Antônio e Renata e avô de cinco netos. Nascido em Porto Alegre em 1953,passou parte de sua infância na cidade natal de sua mãe, Bagé (RS). Retornou a Porto Alegre, onde concluiu o Ensino Médio no Colégio Militar, até ingressar no Exército Brasileiro em 1972, na Academia Militar das Agulhas Negras. Durante sua vida militar, cumpriu Missão de Paz em Angola e foi adido militar na Embaixada do Brasil na Venezuela, de 2002 a 2004. No Rio Grande do Sul, foi comandante da 6ª Divisão de Exército e Comandante Militar do Sul, sempre em Porto Alegre. Em Brasília, desempenhou a função de secretário de Economia e Finanças do Exército. Presidiu ainda o Clube Militar, no Rio de Janeiro. Iniciou sua vida política filiado ao PRTB, partido pelo qual foi eleito, em 2018, vice-presidente na chapa liderada por Jair Bolsonaro, então PSL. Em 2022, transferiu-se para o Republicanos para concorrer ao Senado pelo Rio Grande do Sul. Foi eleito senador com2.593.229 votos.