Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Entrevista Especial

- Publicada em 06 de Fevereiro de 2023 às 00:35

Precisamos de uma revolução tributária, diz Melchionna

Fernanda Melchionna comentou sobre prefeitura de Porto Alegre em 2024 e defende extradição de Bolsonaro

Fernanda Melchionna comentou sobre prefeitura de Porto Alegre em 2024 e defende extradição de Bolsonaro


ISABELLE RIEGER/JC
Quarta deputada federal mais votada no Rio Grande do Sul em 2022, com quase 200 mil votos, Fernanda Melchionna (PSOL) acredita que a proposta de reforma tributá debatida atualmente no âmbito do governo federal é insuficiente. Segundo ela, a reformulação apenas simplifica a cobrança de impostos no Brasil, sem mudar a matriz tributária do País.
Quarta deputada federal mais votada no Rio Grande do Sul em 2022, com quase 200 mil votos, Fernanda Melchionna (PSOL) acredita que a proposta de reforma tributá debatida atualmente no âmbito do governo federal é insuficiente. Segundo ela, a reformulação apenas simplifica a cobrança de impostos no Brasil, sem mudar a matriz tributária do País.
Para Melchionna, a proposta, que deve ser o principal tema do primeiro ano do novo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deve conter uma mudança na lógica de tributos: com menor incidência sobre consumo e maior foco na renda.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a deputada faz um balanço de seus primeiros quatro anos em Brasília já como líder do PSOL na Câmara dos Deputados, defende a extradição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e comenta sobre as chances de concorrer novamente à prefeitura de Porto Alegre em 2024.
Jornal do Comércio - É a primeira vez que atuará como situação no Congresso?
Fernanda Melchionna - Não sei se a situação é uma definição certa. Nós apoiamos o Lula diante da necessidade histórica de derrotar a extrema-direita, extrema-direita que segue existindo e que vamos enfrentar. Mas o PSOL não compõe cargos no governo. A gente quer manter a nossa independência política e não precisamos de cargos para votar o que é bom.
JC - Tem a Sonia Guajajara.
Melchionna - A Sônia tem que se licenciar do partido. Essa é nossa resolução. A gente respeita e admira o trabalho que a Sônia tem com os povos indígenas e foi indicada pelo movimento social. A resolução do partido é clara em não indicar pessoas para compor ministérios e todos os filiados que porventura venham a ocupar cargos têm que se licenciar do partido. É uma forma de manter a independência partidária e, ao mesmo tempo, vamos apoiar tudo que tiver de bom do governo mantendo nosso perfil fiscalizador, propositivo, de luta.
JC - Mesmo não sendo situação, tem o apoio ao governo…
Melchionna - Apoio a medidas. Por exemplo: estamos apoiando a luta agora para identificar os financiadores do Capitólio à brasileira, que foi o 8 de Janeiro. Não foi um raio no céu azul que eles foram lá, invadiram, quebraram e depredaram. Existe uma organização da extrema-direita que é financiada por setores do agro, por setores que foram ao fascismo e pessoas dispostas a fazer atos golpistas. O que é ilegal, é antidemocrático, contraria o Código Penal. Então tem que identificar os financiadores, responder criminal e civilmente aqueles que foram omissos ou cúmplices, como é o caso do Anderson Torres e do próprio Bolsonaro. Faz três anos que ele vem fazendo mentiras, fake news, falando da urna. Ele promoveu, em 2020, quando o Brasil enfrentava a pior pandemia da história, manifestações pedindo o fechamento de Supremo, da Câmara dos Deputados, pedindo AI-5. Ele fomentou essa estrutura golpista que botou a cabeça para fora no Brasil. Essa medida nós vamos apoiar. Medidas que venham no sentido de garantir atualização da tabela do imposto de renda para R$ 5 mil nós não só vamos apoiar como vamos lutar para que venha, como foi prometido no segundo turno é uma medida necessária para o povo brasileiro.
JC - Nesse paralelo com o Capitólio, quais são as semelhanças da direita brasileira com a direita dos Estados Unidos?
Melchionnna - A extrema-direita tem vinculações internacionais. O Eduardo Bolsonaro esteve várias vezes nos Estados Unidos, na Hungria - que é um exemplo negativo de um país governado pela extrema-direita. Fazia 90 anos que o Brasil não ia e os Bolsonaro foram várias vezes, O próprio (Viktor) Orbán esteve aqui no Brasil. O (Steve) Bannon, que foi o ideólogo marqueteiro da campanha do (Donald) Trump,que seria enfim articulador dessa campanha de fake news. Eles têm uma estrutura criminosa de produção de mentira e de disseminação da mentira. Era financiada pelo Bolsonaro quando estava no Palácio do Planalto com o gabinete do ódio e que agora segue funcionando certamente com vínculos com essa extrema-direita internacional. Vejo similaridade no processo, na campanha, nos eixos políticos que eles defendem, na própria intersecção e na forma. Então essa luta contra a extrema-direita é uma luta internacional, que tem que culminar numa campanha para a extradição do Bolsonaro, que eu não tenho dúvida que, se a Justiça funcionar, vai ser preso no Brasil. Crimes não faltam. Crimes contra a saúde pública, durante a pandemia, crimes de charlatanismo, crime de mentira. Ele estimulou, no seu discurso, o que aconteceu no 8 de janeiro. Crimes contra a humanidade que aconteceram com os Yanomamis. Ele foi avisado 21 vezes vezes por vários órgãos e eles lavaram as mãos, deixaram as pessoas morrer por subnutrição, por malária.
JC - Retomando a primeira pergunta, o que diferencia a atuação do PSOL na Câmara da atuação da situação?
Melchionna - O que é bom vai ter nosso apoio. No enfrentamento à extrema-direita nós estaremos na linha de frente, junto com o governo. Mas nós estamos na independência política do nosso programa. Por exemplo, a ação que acabou com o orçamento secreto partiu do PSOL. Nós entramos no Supremo Tribunal Federal, que nos deu razão. O Arthur Lira fez uma resolução para tentar enganar os ministros do Supremo, tendo ali percentuais de divisão por bancada, mas que também é contrário aos interesses da Constituição. O PT foi favorável e o PSOL votou contra. Agora, na presidência da Câmara, vamos lançar um candidato próprio, que é o Chico Alencar, nosso companheiro lá do Rio de Janeiro. Não vamos apoiar o Arthur Lira. como está fazendo já a base do governo Lula na Câmara. Ele ajudou a extrema-direita a chegar onde está e, além disso, precisamos combater essa lógica do centrão do fisiologia, da chantagem permanente, que o Lira simboliza. São atuações concretas distintas em um mês de governo. Acho que independência é isso. É ter a política correta para enfrentar o inimigo principal que é a extrema-direita. E ao mesmo tempo independência política para nos diferenciar quando for necessário, para propor projetos, para fiscalizar o governo…
JC - Assim surgiu o PSOL.
Melchionna - Assim surgiu o PSOL. Exatamente. Em uma outra conjuntura, em que nós nã tínhamos uma exterma-direita organizada e éramos oposição esquerda ao governo. Agora nós temos uma extrema-direita organizada. Nós sabemos que essa extrema-direita precisa ter o nosso enfrentamento, mas ao mesmo tempo temos um programa diferente, propostas que nos materializam enquanto partido. Por exemplo, a dívida pública. Há anos estou enfrentando o tema da dívida pública que nenhum governo enfrentou. A bolsa banqueiro, que consome R$ 2 trilhões do orçamento da União. E estamos aqui batalhando para ter R$ 100 bilhões para pagar o Bolsa Família com R$ 150 por filhos, para retomar um pouquinho os investimentos. É preciso enfrentar o "bolsa banqueiro" para que a gente tenha capacidade de investimento. A taxação das grandes fortunas, a Luciana apresentou em 2010 quando era deputada federal. Está na Constituição desde 1988 e nenhum governo regulamentou, nem os do PT. Agora, frente ao governo Lula, vamos lutar também.
JC - Sobre essa questão da taxação das grandes fortunas, é possível propor isso durante a discussão da reforma tributária?
Melchionna - A reforma tributária do Bernard Appy, que é a que o Lula tem usado como referência, é uma reforma que simplifica os nove impostos criando um imposto único. Ela não muda a matriz tributária brasileira. É absolutamente insuficiente. Nós precisamos de uma revolução tributária no Brasil. Hoje, 49,5% dos nossos impostos são tributados no consumo. Por isso é uma estrutura tributária super desigual, porque o arroz que tu consome tem o mesmo tributo que o arroz do dono das Americanas. Na proporção do pagamento dos tributos, nós temos uma tributação regressiva em que os assalariados e a classe média paga muito mais tributos que os ricos. Então a taxação das grandes fortunas pode ser inserida aí, sem dúvida. Mas a reforma tributária que foi falada não muda a lógica de tributar o patrimônio ao invés do consumo. Isso é que tem que mudar. Nós precisamos de uma revolução tributária que taxe muito patrimônio e desonere o consumo.
JC - Como avalia o mandato?
Melchionna - Eu nunca imaginei que seria fácil. A gente sabe que tem uma maioria na Câmara dos Deputados que representam os interesses da grande das grandes elites. A gente sabia que seria uma minoria em relação à defesa dos direitos dos trabalhadores, a uma agenda antirracista antimachista, anti LGBTfóbica. A bancada fundamentalista é grande. Combinado com o enfrentamento ao Bolsonaro foram anos de muitos desafios. Eu fui líder da bancada no pior momento da pandemia. Eu destacaria a experiência que foi o pedido de impeachment, com 1 milhão e 300 mil assinaturas. Foi muito importante para começar a botar o Fora Bolsonaro que, em 2021, tomou as ruas no País e foi fundamental para que ele não avançasse mais nas nossas liberdades democráticas. Ele seria o presidente até 2022, é verdade. Mas se não tivesse tido luta e resistência o cenário político poderia ser outro. Ele poderia ter vencido e retirado as nossas liberdades democráticas. Nós conseguimos um grande trunfo democrático que foi a derrota eleitoral do Bolsonaro e a vitória do Lula. É a maior vitória democrática desde 1985. Não era uma eleição menor. Era a eleição mais importante dessa geração. E eu tenho a convicção de que cada resistência que a gente fez, na Câmara como líder da bancada, na rua, sobretudo na mobilização de rua, ajudou nesse resultado.
JC - Antes de ir para Brasília, era vereadora em Porto Alegre até 2018. Como avalia o mandato do prefeito Sebastião Melo (MDB), que chegou a metade agora na virada do ano?
Melchionna - O Melo, além de combinar uma agenda econômica neoliberal, tem uma lógica privatista muito pesada. A privatização da Redenção é um escândalo o governo propor uma coisa dessas. É a forma de pensar uma cidade que seja voltada para a lógica dos negócios e não para a lógica das pessoas. Essa é uma marca da prefeitura em relação aos espaços públicos. Outra crítica é sobre a direitização do Melo. A forma como ele defendeu o Bolsonaro, silenciou sobre os acampamentos golpistas, chegou na prática a defendê-lo - aproxima ele de uma extrema-direita que é nefasta para o cenário nacional. Naquela eleição (de 2020), a gente estava enfrentando o Marchezan e eu acho que foi uma vitória ter derrotado ele, mas em muitas agendas o Melo se assemelha bastante ao Marchezan.
JC - Em 2022, o PSOL pela primeira vez não encabeçou uma chapa à presidência. No RS, teve uma união entre PT e PSOL para uma candidatura ao governo do Estado. Muda a relação dos dois partidos após as eleições?
Melchionna - Eu acho que nós fizemos uma combinação do processo de afirmação de um projeto, porque o PSOL é um projeto independente, e ao mesmo tempo de composição política. Quando a gente consegue uma chapa que tem uma síntese programática, aí sim é unidade. Isso foi muito positivo em 2022. A gente sabe que tem diferença nos projetos. Mas acho que esse tempo de enfrentamento à extrema-direita vai seguir nos pautando. Quem sabe, em 2024, com um programa que seja no sentido de resgatar Porto Alegre, de apresentar um caminho que passe pela valorização do servidores, por uma reforma urbana que a cidade tanto precisa, o respeito à população, a garantia dos espaços públicos, pelas necessidades mais sentidas pelo povo Porto Alegrense e ao mesmo tempo que tenha a expressão da força da unidade e respeito aos partidos. Acho que 2022 foi uma boa experiência.
JC - Em 2024, podemos ver uma nova candidatura sua?
Melchionna - O desafio em 2024 é a gente desbolsonarizar a prefeitura de Porto Alegre. Fazer um amplo movimento de discussão programática que culmine com essa resistência a um projeto que se aliou ao bolsonarista, vide o papel que o Melo cumpriu na eleição de 2022 e deu continuidade a uma agenda antipovo, de tentativa de privatização dos espaços públicos, de ataque aos municipários. Acho que o PSOL tem excelentes nomes. Em 2020 eu cumpri com orgulho essa tarefa. Acho que em 2024 é possível fazer uma ampla unidade que permita ter uma chapa que dê síntese a uma construção dos movimentos alternativos e, ao mesmo tempo, possa inclusive vencer a eleição na Capital. O PSOL tem excelentes nomes, como o Pedro Ruas, que cumpriu um papel fundamental como candidato a vice na chapa ao governo do Estado, fazendo também uma unidade inédita entre essas forças políticas. Quase chegou ao segundo turno e acho que seria um excelente representante.

Perfil

Fernanda Melchionna (PSOL) é deputada federal pelo PSOL, sendo a mulher gaúcha mais votada em 2022, com quase 200 mil votos. Nascida em 2 de fevereiro de 1984, é natural de Alegrete, graduada em Biblioteconomia pela Ufrgs e pós-graduada em História do Brasil pela Fapa. É bancária licenciada do Banrisul, e começou sua atuação política no movimento estudantil. Foi uma das fundadoras do PSOL e elegeu-se vereadora em 2008, concorrendo à reeleição em 2012, obtendo a maior votação entre as mulheres eleitas. Em 2016, foi a parlamentar mais votada em Porto Alegre, com mais de 14 mil votos. Em 2018, foi a mulher com mais votos no Rio Grande do Sul para deputada federal, feito que repete em 2022 com aumento expressivo do número. Foi candidata a prefeita de Porto Alegre em 2020, ano em que também foi líder da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados. Nas eleições do ano passado, recebeu 199.894 votos, em sua primeira reeleição para o Congresso Nacional.