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Entrevista Especial

- Publicada em 11 de Dezembro de 2022 às 15:35

"Nossa eleição no Rio Grande do Sul foi fundamental para o centro sobreviver no Brasil", avalia Gabriel Souza

Gabriel Souza prevê que projeto que reestrutura governo gaúcho seja enviado esta semana ao Parlamento

Gabriel Souza prevê que projeto que reestrutura governo gaúcho seja enviado esta semana ao Parlamento


ISABELLE RIEGER/JC
Gabriel Souza (MDB) chega em janeiro ao cargo de vice-governador do Rio Grande do Sul após intensas disputas internas no partido. Se a discussão pública, na época, parecia ser sobre o MDB pela primeira vez na história não ter uma candidatura própria ao Palácio Piratini, o pano de fundo foi um debate mais profundo.
Gabriel Souza (MDB) chega em janeiro ao cargo de vice-governador do Rio Grande do Sul após intensas disputas internas no partido. Se a discussão pública, na época, parecia ser sobre o MDB pela primeira vez na história não ter uma candidatura própria ao Palácio Piratini, o pano de fundo foi um debate mais profundo.
Segundo Souza, a disputa foi sobre qual rumo o MDB seguiria no futuro. "O rumo da extrema-direita, abandonando o seu programa original de defesa da democracia, de ponderação na política, de moderação, de respeito à divergência?", questiona. Na avaliação dele, não. Souza quer manter o MDB no centro e acredita que a vitória dele e do governador eleito Eduardo Leite (PSDB) foi fundamental para a sobrevivência do campo mesmo em nível nacional.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Souza conta sua história: como um adolescente de Tramandaí sem tradição política na família chega ao Palácio Piratini como o segundo vice-governador mais jovem do Estado após a redemocratização.
O emedebista também afirma que o projeto de reestruturação do Estado deve ser apresentado entre hoje e amanhã na Assembleia Legislativa.
Jornal do Comércio - O senhor tem 38 anos, é deputado estadual, já foi presidente da Assembleia e agora é vice-governador eleito. O Gabriel Souza de quatro, oito anos atrás, imaginaria estar agora neste momento?
Gabriel Souza - Não imaginava e não foi planejada assim essa ascensão. Além da idade, tem também a questão do sobrenome, né? Meu sobrenome não é famoso. Souza. Meus pais não têm nenhum familiar na política, absolutamente. Nunca foram filiados a um partido político antes de mim, fui o primeiro membro da minha família.
JC - Vem de uma região que nunca governou o Estado.
Souza - O primeiro litorâneo que concorreu a um cargo majoritário, pelo menos com chance de vencer eleição, fui eu. A questão da região tem muito a ver com poder econômico, que geralmente fica em outras regiões do Estado. Minha cidade (Tramandaí) tem 35 mil eleitores. São cidades menores, enquanto Caxias do Sul, Pelotas e Porto Alegre são cidades muito maiores. Só Caxias do Sul tem mais eleitores que todos os 23 municípios do Litoral Norte. Mas ressaltaria que não tenho origem familiar na política. Filiado a um partido político, fui só eu, e isso aconteceu com os meus 15 anos de idade. Não foi planejado, mas também acho que tem muito a ver com a questão da conjuntura política. O momento propiciava a ascensão de um líder mais jovem do MDB. O que talvez tenha favorecido o aparecimento do meu nome, junto à minha militância de 23 anos de filiação partidária extremamente intensa. Fui presidente da juventude do partido nos níveis municipal, estadual e nacional. Fui secretário-geral do partido três vezes, para depois ser deputado estadual. Fui eleito em 2014, logo em seguida virei líder do governo (José Ivo) Sartori (MDB, 2015-2018), que também me deu uma projeção importante.
JC - Como e por que alguém que não tem uma base familiar na política ingressa em um partido?
Souza - Na minha vida tudo foi acontecendo de forma muito natural. Fui líder estudantil na minha escola em Osório… acho que também é uma questão de vocação para a coisa pública, para a política. Na época, me interessava muito em querer melhorar a minha escola, melhorar as condições da educação, e aí entrei no grêmio estudantil nesse sentido e terminei como vice-presidente da União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas, a Uges. No meio do caminho, senti a necessidade de me filiar a um partido político, porque notei que não tinha como fazer política no Brasil sem estar em um partido político. Pesquisei vários partidos, me interessei pelo MDB porque foi o partido que reconquistou a democracia.
JC - Gabriel Souza é o sucessor natural de Eduardo Leite?
Souza - Ainda é muito cedo para falar. Nem iniciamos um governo, estamos no meio de um processo de transição, acabamos de sair de uma campanha. Eleições não se planejam com quatro anos de antecedência. O que tens, é claro, é uma conquista, uma vitória muito importante de uma chapa que representa legitimamente um projeto de centro para o Brasil. É importante ter um governo estadual tipicamente de centro no País, nesse momento que estamos vivendo na história, um governo tão importante como o do Rio Grande do Sul, com dois jovens liderando o governo. É muito importante também para a situação interna do MDB, na medida que tenha o surgimento de uma nova liderança no cenário, isso é inegável, mesmo com todos os atos de infidelidade partidária que aconteceram, e que agora me dá a tarefa também de ajudar a reconstruir o partido. Eu tenho responsabilidade com o maior partido do Rio Grande do Sul, que é o MDB e, da minha parte, vou ter comportamento de olhar pra frente, de pacificação. Nunca respondi ataques ou provocações, nem mesmo de mim partiu qualquer tipo de ofensa ou agressão a qualquer companheiro.
JC - O senhor trata essas questões como infidelidades partidárias, mas outros quadros do partido preferem contemporizar. Acha que deve haver punição?
Souza - Eu não costumo comentar atos de infidelidade partidária, porque quem trata disso é a direção partidária. O nosso presidente é o Fábio Branco, que eu respeito. Seja qual for a conduta que a direção tomar, vai ter a minha concordância. Da minha parte, sei da minha responsabilidade de pacificar o partido, de reunificar o, de ajudar a conduzir ao rumo correto, que é o rumo que o MDB nasceu. O MDB foi fundado em defesa da democracia, em defesa das minorias, em defesa dos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito. Este é o rumo. Acho que neste momento que o Brasil vive de radicalização e polarização, precisamos ter um centro democrático forte e exatamente isso que eu quero ajudar a construir. Não só no Rio Grande do Sul, mas no Brasil também. A nossa eleição, do Eduardo e minha, foi fundamental para que o centro democrático sobrevivesse no Brasil. Divirjo quando alguém quer levar o MDB para a extrema-direita. Acho que o MDB tem que ser um partido de centro e isso não significa não ter posição, não ter opinião. Significa ter uma opinião que venha a contemplar os princípios democráticos, que são os princípios que sempre nos nortearam. Eu entrei nesse partido com 15 anos de idade, porque foi o partido que lutou contra a ditadura militar. Esse momento que nós estamos vivendo é fundamental para essas decisões serem tomadas.
JC - Quais seriam essas decisões exatamente?
Souza - É a primeira vez que vou falar isso em uma entrevista: do ponto de vista interno, o pano de fundo dessa discussão não foi se o Gabriel ia ser vice-governador, ou ia ser governador, se ia ter candidatura própria ou não. Estávamos exatamente disputando o rumo que o MDB iria tomar no futuro. Qual o rumo que o MDB deveria tomar? O rumo da extrema-direita, abandonando o seu programa original de defesa da democracia, de ponderação na política, de moderação, de respeito à divergência? São os princípios que norteiam a democracia. Ou se o MDB ia continuar nesse rumo, que é o rumo que eu defendo que ele continue. Se nós tivéssemos perdido a eleição, provavelmente o rumo do partido seria outro. Essa foi a grande luta interna do partido. Esquece Gabriel, fulano, beltrano, era o rumo do partido, para onde o MDB do Rio Grande do Sul iria seguir. Se iria para um rumo que nunca foi o seu, que é o campo da extrema-direita, ou se seguiria no rumo que historicamente sempre trilhou. A tese de manter o MDB no campo do centro democrático venceu.
JC - O esforço para manter o MDB no centro termina na eleição ou deve ser contínuo?
Souza - Acho que o marco temporal mais importante dos últimos momentos foi a eleição. A nossa eleição tem uma importância para o centro democrático nacional, porque o Eduardo é um líder que se consolida no cenário nacional com a sua reeleição e, no que tange ao MDB, que é o maior partido do Estado, com a minha eleição de vice-governador, tivemos um marco importante na definição do rumo do partido. Mas a luta política é contínua do ponto de vista de para onde vai o partido, quais são as opiniões. Falo num contexto maior. Porque o MDB está inserido num contexto de centro democrático que tem que sobreviver na democracia brasileira em tempo de tanta radicalização e polarização.
JC - Como primeiro secretário nacional do partido, como o senhor avalia a aproximação do MDB ao presidente Lula, que vem se acentuando nesse processo de transição?
Souza - Eu já manifestei ao presidente do partido Baleia Rossi, e irei a Brasília nessa semana, onde eu vou também reforçar que acho que o MDB deveria ser uma bancada independente no Congresso Nacional. Ajudar o governo a aprovar as matérias que concordamos e não ajudar, ou seja, votar contra matérias que acho que é prejudicial ao País. O MDB deve se transformar numa alternativa. Como tentou ser agora em 2022, com a candidatura da (senadora) Simone Tebet. Entrando no governo, o MDB pode ter maior dificuldade de se viabilizar como alternativa de centro no futuro. Mas o partido está tomando rumo de participar do governo, fato que eu lamento, mas, como vice-governador do Estado, não vou fazer oposição nem situação a governo nenhum. Vou tentar fazer com que as nossas relações possam viabilizar soluções para os problemas do Rio Grande do Sul.
JC - Quais são os próximos passos da transição?
Souza - Essa semana vamos ter a apresentação do projeto de lei da reestruturação, pelo governo atual, a nosso pedido, na Assembleia Legislativa. É um projeto super importante que há muito tempo deveria ter sido apresentado. Vai corrigir as remunerações, não só do ponto de vista de colocar remunerações que sejam atrativas para os quadros qualificados e tecnicamente preparados que a gente quer recrutar, que muitas vezes são disputados por outros governos. Mas também para poder dar maior transparência e organização do governo. Muitas vezes tem um diretor da secretaria da Saúde que ganha “x”, enquanto que o diretor da secretaria de Educação ganha “y”, com uma função correlata, no mesmo nível hierárquico, porque foram criadas gratificações durante o tempo. Hoje um secretário adjunto recebe R$ 7 mil bruto no governo do Estado, muitas vezes gestionando orçamentos muito grandes, importantes, áreas estratégicas para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, e com uma remuneração completamente incompatível com os serviços que ele presta. E isso não é só cargo comissionado, também é questão de funções gratificadas que são remunerações de chefia pagas a servidores concursados. Então os servidores concursados, que exercem eventualmente cargos de chefia, também vão ser impactados positivamente pela medida e vai ter uma redução do número de cargos em comissão também. Então, nessa semana, vamos ter esse projeto e também a expectativa que consigamos anunciar outros nomes de secretários.
JC - O governo eleito afirma que a agenda no Legislativo não será polêmica, mas se esforça para construir uma base sólida no Parlamento, inclusive buscando o PL mesmo após uma disputa intensa na eleição.
Souza - A base do governo não é só questão meramente de painel de votação de matéria. Tem o apoio político e participação no governo, não só em ocupação de cargos e espaços, mas também de colaboração na definição dos rumos do governo. Os partidos que estão sendo procurados, em maior ou menor grau, têm alguma concordância com o nosso programa. No caso do PL, boa parte dos deputados do PL já esteve na base do atual governo, portanto ajudaram a construir muitas das reformas e conquistas. Temos uma relação anterior à eleição com estes parlamentares. No caso dos demais partidos, são partidos que, ou estiveram conosco no primeiro ou no segundo turno, ou eventualmente até estiveram conosco antes das eleições de maneira muito clara. E como ex-líder do governo que fui, também significa ter um número de parlamentares suficiente para, por exemplo, aprovar uma emenda constitucional ou uma lei complementar, porque, mesmo que não seja polêmico, tem que ter a sua base organizada para qualquer eventualidade, para ter votos necessários para aprovar as matérias que eventualmente tenha que mandar à casa.
 

Perfil

Gabriel Vieira de Souza tem 38 anos e é natural de Tramandaí. Veterinário formado pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), possui especialização em Gestão Pública pela Universidade Católica Dom Bosco. Iniciou a militância política aos 14 anos, ao ingressar na Juventude do PMDB. Aos 17 anos, já integrava o diretório municipal do partido, em Tramandaí, e, aos 20 anos, se tornou assessor parlamentar do deputado federal Eliseu Padilha (PMDB). Entre 2013 e 2014, foi secretário municipal do Planejamento e Desenvolvimento em Tramandaí. Nas eleições de 2014, assegurou vaga deputado estadual com quase 40 mil votos. Entre junho de 2016 e dezembro de 2018, foi o líder do governo de José Ivo Sartori (MDB) na Assembleia Legislativa, e presidiu o Parlamento estadual em 2021. Nas eleições de 2022, foi eleito vice-governador do RS na chapa de Eduardo Leite (PSDB), com 3.687.126 votos. Atualmente é o coordenador político da transição de poder no Estado.