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Eleições 2022

- Publicada em 14 de Agosto de 2022 às 20:49

É obrigação questionar a dívida com a União, sustenta Vieira

Vieira da Cunha afirma que não vai privatizar Corsan e Banrisul

Vieira da Cunha afirma que não vai privatizar Corsan e Banrisul


/ANDRESSA PUFAL/JC
Lívia Araújo e Fernando Albrecht
Lívia Araújo e Fernando Albrecht
O pedetista Vieira da Cunha, candidato ao governo do Estado em aliança com o Avante, pretende questionar as regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) "no primeiro minuto de governo". Para cumprir as exigências do programa, o governo terá de dispender, até 2030, além das parcelas mensais da dívida, um montante de R$ 14 bilhões referente a valores não pagos nos últimos anos, além de implementar medidas de austeridade fiscal, algumas delas já em curso.

JC VÍDEOS: Como foi a entrevista com Vieira da Cunha

"Se o volume da dívida está sendo contestado, se o RS não deve os R$ 75 bilhões que a União alega que devemos, como vou assinar um acordo com base em um montante que é questionável?" e, nesse sentido, "é uma obrigação do governador questionar judicialmente essa dívida".
Para garantir investimentos, principalmente em educação e no fortalecimento de regiões do Estado deprimidas economicamente, Vieira também pretende "retomar lutas históricas, como o ressarcimento das perdas da Lei Kandir".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Vieira, que é procurador de Justiça, afirma ainda que não privatizará o Banrisul e a Corsan. "Um governo sob nossa responsabilidade preservará o patrimônio público."
Jornal do Comércio - O trabalhismo pensado por Alberto Pasqualini, Getúlio Vargas e Leonel Brizola ainda está vivo?
Vieira da Cunha - Mais vivo do que nunca. O chamado neoliberalismo, que é vendido como moderno, se mostrou uma ideologia concentradora de renda, geradora de exclusão social, e o trabalhismo surge exatamente no sentido contrário, para fazer com que haja mais igualdade na sociedade. Antes de Vargas, o trabalhador brasileiro era uma espécie de semiescravo, não tinha direito a absolutamente nada, sequer tinha jornada de trabalho. Eu me filiei ao PDT com 21 anos de idade, então são mais de 40 anos de militância em um partido cuja ideologia eu acredito firmemente, voltada à realidade brasileira. Defendemos uma ideologia que não tem nada a ver com os modelos comunistas, somos de esquerda, mas defendemos o socialismo democrático, ou seja, para nós o socialismo e a liberdade são versos de uma mesma moeda, um não existe sem o outro.
JC - Seria centro-esquerda?
Vieira - O PDT está no campo centro-esquerda, não tenha dúvida.
JC - Sua descrição ideológica do PDT é muito parecida com a dada pelo candidato do PSB, Vicente Bogo, ao seu próprio partido. Essa proximidade em duas chapas diferentes não poderia gerar uma pulverização do eleitorado, que diminuiria as chances de uma votação suficiente?
Vieira - Não faltou empenho de minha parte para que o PDT e o PSB estivessem juntos nessa eleição. Cheguei a propor uma reunião com a participação dos dois presidentes nacionais em Brasília, e ao Beto Albuquerque, na época o pré-candidato do PSB, para que encomendássemos uma pesquisa qualitativa, de comum acordo, para avaliar a competitividade de cada candidatura.
JC - Uma divisão do eleitorado não pode beneficiar outros candidatos na disputa?
Vieira - Não creio que isso possa ocorrer porque penso que estão muito claras as posições ideológicas de cada candidatura. Se considerarmos o PT, o PDT e o PSB na esquerda, temos também do outro lado o PL, o PP, Novo, o PSC, e o PSDB na direita. Se há divisão no campo da esquerda, a direita está ainda mais perdida, não é?
JC - O senhor pretende tentar alguma mudança no que está posto no RRF, que já vai estar em vigência a partir do próximo ano?
Vieira - Questionarei no primeiro minuto de governo. Eleito, já vou começar a preparar a ação judicial, porque dependendo do resultado da eleição presidencial, poderemos ter um presidente da República tão insensível quanto o atual, e se não for assim, não vai nos restar outro caminho que não a Justiça, aliás como a OAB está fazendo, ela tem uma ação questionando essa dívida que já é de dez anos atrás e permanece tramitando, ou seja, a OAB está fazendo o papel que deveria ser do governo do Estado.
JC - Mas pela ação da OAB, ou pela ideia de uma ação, isso significaria o pagamento imediato de quase R$ 1 bilhão à União, e a dificuldade de conseguir aval do governo federal para empréstimos junto a outros organismos de fomento, inclusive do exterior.
Vieira - Não necessariamente, até porque o governo Leite não pagou um centavo da dívida, amparado em uma liminar obtida judicialmente durante o governo Sartori.
JC - Mas caiu a liminar.
Vieira - Não caiu, eles retiraram, um ato atentatório aos interesses do próprio Estado, o governo do Estado cedeu à pressão do governo federal e retirou a ação que nos permitia não pagar a dívida, já há muitos anos, desde o governo Sartori. Se o volume da dívida está sendo contestado, se o Rio Grande do Sul não deve os R$ 75 bilhões que a União alega que devemos, como vou assinar um acordo com base em um montante que é questionável? Enquanto tivermos argumentos e base, é dever do governador fazer esse questionamento, em um primeiro momento administrativamente, mas se o governo federal for insensível, tem que entrar em juízo, é uma obrigação do governador questionar judicialmente essa dívida.
JC - Leite, para justificar a união com o MDB na disputa ao Piratini, admitiu algumas vezes que seu governo foi de continuidade em relação à gestão Sartori. Como o senhor avalia esses dois últimos governos?
Vieira - O PDT desembarcou do governo Sartori exatamente em função dessa linha que o ex-governador adotou em sua administração, eu inclusive saí antes do próprio PDT. Fui secretário de Educação do Estado de janeiro de 2015 a junho de 2016, quando o então governador Sartori mandou para a Assembleia Legislativa a PEC para retirada do plebiscito para venda de estatais; quando não colocou no orçamento os recursos necessários para implantar as escolas de tempo integral, compromisso que eu tinha como secretário da educação; quando não autorizou concurso público para professores e servidores de escola como pretendia fazer. A nossa permanência no governo se tornou insustentável, então realmente eu diria que o governo Sartori do segundo período foi um governo ao qual a atual administração deu continuidade, embora tenha sido eleito dizendo que não faria isso. Uma de suas promessas (de Leite), foi que não venderia a Corsan, e hoje fazem malabarismos para vender de uma vez a empresa, com o receio de que o próximo governo não siga essa política de privatizações, assim como estão dizendo agora que não venderão o Banrisul, mas eu alerto a população que pesquise as declarações do então candidato e verá que muitas das suas promessas foram descumpridas e aqui no RS isso tem muito valor. São muitas contradições e incoerências que, tenho certeza, serão cobradas pelo eleitor.
JC - Qual a sua posição sobre privatizações?
Vieira - Quando candidato, o governador disse que não privatizaria a Corsan. Agora estão "a toque de caixa" tentando vender. Sou radicalmente contra. Água não é mercadoria, é um bem público essencial, é saúde. Quanto ao Banrisul, iremos ouvir na campanha: "não vamos vender o banco". Esses são os mesmos que diziam que não iriam vender a Corsan. Um governo sob nossa responsabilidade preservará o patrimônio público. E mais: vou propor à Assembleia Legislativa um dispositivo na Constituição do Estado que garanta que futuras alienações do patrimônio público sejam precedidas de plebiscito.
JC - Além das privatizações, Leite abriu espaço a concessões diversas, tanto de estradas quanto de parques como o Jardim Botânico, o Zoológico. Como pretende abordar a questão? Pretende dar continuidade ou rever?
Vieira - Não tenho nenhum preconceito com Parcerias Público-Privadas. Pelo contrário, acho que é um caminho para impulsionar o desenvolvimento do Estado em algumas áreas para os quais o governo eventualmente não tenha condições de cumprir o seu papel. Chamar a iniciativa privada com transparência e regras claras, eu não vejo nenhum problema. Quero é discutir a modelagem do sistema: eu sou contra, por exemplo, conceder estradas construídas com dinheiro público e a população começar a pagar pedágio. Mas tudo tem que ser feito em um processo com discussão aberta. Aliás, nós vamos retomar os Conselhos Regionais de Desenvolvimento, que são instrumentos importantes de participação da população nos processos de tomada de decisão do governo, de definição de prioridades, aplicação de recursos, e em um governo sob nossa responsabilidade os Coredes serão fortalecidos e prestigiados.
JC - Seria papel do Estado ou da iniciativa privada instalar fábricas, comércio?
Vieira - É papel da iniciativa privada, mas isso tem que ser viabilizado pelo Estado, porque temos aqui um processo de desenvolvimento econômico muito desigual. Há regiões muito deprimidas economicamente, que precisam da alavancagem dos seus arranjos produtivos locais, e isso precisa ser feito pelo Estado, de várias formas, com incentivos, desonerações fiscais, atração de indústria, até do exterior ou de outras regiões do Brasil. O RS já foi vítima dessa política de guerra fiscal. Acho que em uma guerra perdem todos, inclusive os que se acham vitoriosos, mas nós não podemos ficar assistindo a perda de indústrias para outros estados.
JC - Mas há algum programa específico para atração ou retenção de empresas?
Vieira - Para viabilizar investimentos, nós temos que retomar lutas que são históricas, como por exemplo o ressarcimento das perdas da Lei Kandir. É um assunto sério, pois um estado como nosso, que tem perfil exportador, não pode se conformar com as desonerações das exportações sem que haja uma compensação. Isso foi prometido lá atrás e é uma luta que tem que ser retomada. Também temos uma questão muito séria, que é essa desoneração que houve. Todo mundo quer abaixar o imposto, óbvio, mas quem é que não quer também uma escola pública de qualidade, o posto de saúde funcionando, o brigadiano na rua? De onde é que nós vamos tirar esse dinheiro? O principal imposto do Estado é o ICMS, então se vem uma lei federal e diminui a arrecadação do ICMS como aconteceu agora, sobre o combustível, em ano eleitoral, que vai gerar uma perda de arrecadação estimada em R$ 2,8 bilhões só para este ano... eu não sou contra reduzir impostos, mas se isso vai me levar a perda de receita, a União, que tem a chave do cofre tem que compensar essas perdas. Nós vamos em busca de quase R$ 8 bilhões de volta para o Estado.
JC - Justamente sobre educação e tendo o PDT essa bandeira como característica, quais as propostas para inverter a evasão que foi agravada durante a pandemia e também para recuperar os índices da qualidade do ensino?
Vieira - Ensino em tempo integral. A Escola honesta, como diria o Darcy Ribeiro, porque essa escola que nós temos aí, de dois turnos é desonesta, porque não esnsina. Temos que ter mais tempo de permanência da criança na escola, e não é só isso: tem que ter uma proposta pedagógica que reconecte a juventude à escola, se sentir acolhida. Isso significa ter um professor valorizado, bem remunerado, ter uma estrutura escolar condizente com os equipamentos, tudo isso é possível desde de que seja efetiva a prioridade do ensino. Quando fui secretário da Educação no RS, chegamos a 33,7% do orçamento aplicado na educação em 2015. De lá para cá, só desceu, hoje é de 25%.
JC - Quais suas propostas para a segurança pública?
Vieira - Eu reconheço que houve avanços na área, tanto é que os índices de criminalidade, de uma maneira geral, diminuíram no RS. O que está sendo feito de bom pelo atual governo manterei, mas há uma preocupação muito grande na área de segurança no que diz respeito ao feminicídio: 55 mulheres morreram bárbara e covardemente assassinadas em um contexto de violência doméstica só no primeiro semestre de 2022.
JC - Ao que atribui esses números?
Vieira - Um motivo é a cultura machista. Temos que investir na formação de uma consciência, combater isso desde os primeiros anos da escola, é um projeto a longo prazo. Já a curto prazo, uma medida urgente, é aumentar as patrulhas Maria da Penha, que cumprem um papel fundamental na prevenção desse tipo de delito, e na fiscalização das medidas protetivas, o que é muito importante, porque muitas dessas vítimas tinham medida protetiva em vigor e mesmo assim foram assassinadas, então há uma falha no sistema de segurança que precisa ser corrigida, e mais delegacias especializadas no atendimento às mulheres.
 

Perfil

Carlos Eduardo Vieira da Cunha nasceu em Cachoeira do Sul em 1960. Procurador de Justiça, é formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Filiou-se ao PDT em 1981, aos 21 anos. Em 1985, o pedetista foi eleito vereador de Porto Alegre, onde atuou em duas legislaturas (1986-1992). Em 1993, assumiu a presidência da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Em 1994, foi eleito deputado estadual, tendo sido reeleito duas vezes e assumido a presidência da Assembleia Legislativa, de 2004 a 2005. Depois disso, também foi eleito para duas legislaturas na Câmara dos Deputados, onde foi líder do PDT na casa legislativa. Disputou a prefeitura de Porto Alegre nas eleições de 1996 e 2004. Fora do Legislativo, Vieira da Cunha também foi candidato ao Piratini em 2014, tendo apoiado José Ivo Sartori (MDB) no segundo turno. Com a vitória de Sartori, Vieira atuou como secretário da Educação na gestão emedebista entre 2015 e 2016.