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Entrevista especial

- Publicada em 29 de Agosto de 2021 às 11:00

Cpers quer garantir reajuste do magistério no orçamento estadual de 2022

'Considerando a inflação oficial, a categoria perdeu quase metade do poder de compra', diz Helenir

'Considerando a inflação oficial, a categoria perdeu quase metade do poder de compra', diz Helenir


fotos: LUIZA PRADO/JC
Diante da perda salarial de 46,5% dos professores e funcionários de escolas do Rio Grande do Sul, entre 2014 e 2021, a presidente do Cpers Sindicato, Helenir Schürer, quer garantir a inclusão de algum reajuste para a categoria na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022, que deve ser votada na Assembleia Legislativa até setembro deste ano. Há pouco mais de um mês, o sindicato iniciou uma campanha por reposição salarial, que culminou na abertura de uma mesa de negociação com o governo do Estado.
Diante da perda salarial de 46,5% dos professores e funcionários de escolas do Rio Grande do Sul, entre 2014 e 2021, a presidente do Cpers Sindicato, Helenir Schürer, quer garantir a inclusão de algum reajuste para a categoria na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022, que deve ser votada na Assembleia Legislativa até setembro deste ano. Há pouco mais de um mês, o sindicato iniciou uma campanha por reposição salarial, que culminou na abertura de uma mesa de negociação com o governo do Estado.
Helenir acredita que o ideal seria a reposição de todo o poder de compra perdido ao longo de sete anos de salários congelados. Entretanto, ela sabe que dificilmente a categoria conseguirá um reajuste tão proeminente. "Temos que partir de algum ponto na negociação. Só no governo (Eduardo) Leite (PSDB), acumulamos mais de 14% de defasagem (15,6%, segundo o INPC)."
A alta no preço dos alimentos e os quase cinco anos de salário atrasado, segundo a dirigente, agravaram ainda mais a situação financeira dos professores. "Em 2014, conseguíamos comprar quase três cestas básicas com o nosso salário básico, hoje uma cesta básica e meia. Isso mostra que o nosso salário está tão defasado que, cada vez mais, serve só para nos alimentarmos."
Ela critica também as reformas do governo - especialmente, a da Previdência e da carreira do magistério. Para ela, a retirada de direitos previstos no plano de carreira anterior financiou o pagamento do piso dos professores, além de diminuir o salário de alguns profissionais.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Helenir comenta as dificuldades pelas quais a categoria passou na pandemia - seja fazendo a transição para o ensino virtual, seja tentando evitar a contaminação pelo novo coronavírus. Ela avalia que ferramentas virtuais devem ser incluídas no ensino, mas jamais substituirão o professor.
Jornal do Comércio - Os professores estão com o salário congelado desde o governo José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018). Há pouco mais de um mês, o Cpers iniciou uma campanha por reposição. Qual a dimensão das perdas salariais da categoria?
Helenir Schürer - Em novembro, faz sete anos que os profissionais da educação estão sem reajuste salarial. Se considerarmos a inflação oficial desse mesmo período, que é de 46,53% (conforme o INPC), constatamos que a categoria perdeu quase metade do poder de compra. Isso quer dizer que hoje conseguimos comprar metade das coisas que conseguíamos comprar em novembro de 2014. Isso, somado com os 57 meses de atraso no nosso salário, que fez com que tivéssemos que nos endividar para pagar as nossas contas, fez com que o nosso salário se resumisse à sobrevivência.
JC - Embora a inflação oficial medida pelo INPC gire em torno desse percentual que a senhora mencionou, algumas coisas aumentaram mais. Por exemplo, a cesta básica...
Helenir - O valor da cesta básica cresceu, de novembro de 2014 até hoje, 83%. Em 2014, conseguíamos comprar quase três cestas básicas com o nosso salário básico, hoje uma cesta básica e meia. Isso mostra que o nosso salário está tão defasado que, cada vez mais, serve só para nos alimentarmos. Inclusive, tivemos que distribuir cestas básica para os nossos sócios, porque eles estavam em uma situação extremamente miserável. Hoje temos uma campanha em todos os núcleos regionais, onde estão sendo arrecadadas cestas básicas. A população está nos alcançado doações, e nós temos repassado aos professores e funcionários que necessitam desse aporte alimentar. Infelizmente, houve casos extremos de colegas que chegaram a se suicidar, diante das dificuldades financeiras causadas pela desvalorização e o atraso do salário por quase cinco anos, além da perda de direitos causadas pela reforma na carreira e na Previdência.
JC - Depois de algumas vigílias em frente ao Palácio Piratini, os professores foram recebidos na Casa Civil. Como está a negociação?
Helenir - De fato, fomos recebidos pelo chefe da Casa Civil, Artur Lemos (PSDB). Mas consideramos que houve apenas uma reunião de negociação salarial, quando participaram o chefe da Casa Civil; o secretário da Fazenda (Marco Aurelio Cardoso); a secretária da Educação (Raquel Teixeira); e o secretário do Planejamento (Governança e Gestão, Claudio Gastal). Pela minha experiência no Cpers, só é reunião para negociar salários, quando o governo envolve esses secretários, além do próprio governador.
JC - Houve reunião com o governador Eduardo Leite?
Helenir - Com o governador, não tivemos nenhuma reunião (depois que iniciamos a campanha salarial). Tivemos apenas uma audiência, em que apresentamos a defasagem no salário dos professores e funcionários de escolas, que, na época, era de 45,5%. Na semana passada, enviamos ao Palácio Piratini mais um pedido de reunião para continuarmos as discussões.
JC - Qual seria o reajuste ideal para o Cpers?
Helenir - O ideal seria cobrir todas as perdas salariais. Aí o nosso salário teria o mesmo poder de compra que em novembro de 2014. Entretanto, temos a clareza que dificilmente vamos receber esse percentual de mais de 45%. Então, ao discutir o reajuste, temos que partir de algum ponto. Só no governo Leite, acumulamos mais de 14% de defasagem (15,6%, segundo o INPC).
JC - A ideia é incluir algum reajuste no orçamento de 2022?
Helenir - Exato. A LOA para 2022 deve ser apresentada até setembro. Por isso, temos pressa para que o governo nos atenda. Sabemos que o governo (do presidente Jair) Bolsonaro (sem partido) aprovou uma lei que impede reajustes salariais em 2021. Então, só podemos ter algum reajuste a partir de 2022. Queremos incluir alguma reposição na LOA de 2022, para que possamos recebê-la nem que seja em janeiro de 2022. Chegamos a um ponto que a gente não aguenta mais.
JC - Acredita que o governo tem condições de conceder quanto?
Helenir - Tem duas questões importantes aqui. Primeiro, o superávit do governo até agora é de R$ 2,7 bilhões. Segundo, o Palácio Piratini aumentou em 20% as isenções fiscais. A grande pergunta que a população deve se fazer é: "Se não tem dinheiro para pagar a obrigação, que é manter os salários em dia e atualizados, como o governo abre mão de mais recursos através dos incentivos fiscais?". Então, é muito difícil entender essa lógica, a não ser, claro, que o governo não tenha realmente nenhum compromisso com a educação.
JC - Os servidores estaduais receberam parcelado por 57 meses. Qual a consequência disso para a categoria?
Helenir - Estivemos quase cinco anos com o salário atrasado e parcelado. Essa situação foi um momento muito duro para a categoria, porque, além da defasagem do salário, houve meses que o governo pagou apenas R$ 300,00 (no início do mês). Não sabíamos quando realmente receberíamos todo o salário. As contas se descontrolam quando a gente vai recebendo aos poucos, porque os boletos vêm todos de uma vez, às vezes surgem gastos extras. Muita gente acabou se endividando para honrar todos os compromissos, seja usando o cheque especial, seja pegando empréstimos. Com os juros, isso se transformou em uma bola de neve, que descontrolou totalmente a economia dos professores e funcionários de escolas. Hoje vivemos um caos.
JC - Segundo o governador, o Estado conseguiu pagar a folha em dia, a partir de novembro de 2020, por causa das reformas estruturantes, como a da Previdência e na carreira dos servidores. Como avalia isso?
Helenir - Na campanha eleitoral de 2018, em um debate entre o governador Eduardo Leite e o ex-governador Sartori, Leite disse que era fácil pagar os salários, bastava "levantar a bunda da cadeira". Achei extremamente desrespeitoso. Além disso, quando assumiu, continuou com a mesma política (dos salários atrasados). Só colocou em dia depois que aprovou o pacote (de reformas). (Com a reforma da Previdência estadual, que passou a cobrar alíquotas dos servidores inativos, de 7,5% a 22%) só dos professores aposentados, o governo tirou R$ 340 milhões. Os educadores passaram a vida contribuindo para poderem receber a aposentadoria e, quando finalmente se aposentam, quando deveriam usufruir pelo que pagaram, descobrem que vão ter que pagar mais. Além disso, ele diminuiu drasticamente (o pagamento da gratificação para) o difícil acesso. Era um valor importantíssimo para educadores que recebiam baixos salários. Todos esses valores se somaram a uma poupança que o governo fez...
JC - O governo argumenta que, no novo plano de carreira dos professores, o Estado passou a pagar o piso salarial...
Helenir - A forma que o governo usou para pagar o piso no Rio Grande do Sul é ridícula, porque o dinheiro para pagar o piso saiu dos benefícios extintos dos próprios professores. O governo não injetou dinheiro algum no nosso salário. Ele simplesmente pegou os nossos triênios e passou ao salário-base para fechar o piso. Continuamos recebendo a mesma coisa, só que sem nenhuma possibilidade de aumentar os salários através das vantagens que existiam na carreira.
JC - Então, não houve diminuição de salário com a reforma na carreira dos professores...
Helenir - Houve, sim. Temos professores e funcionários de escola que, ao perderem o difícil acesso, tiveram diminuição nos salários. Também temos casos gravíssimos de aposentados que, ao pagar a alíquota imposta pela reforma da Previdência, perderam o dinheiro que precisavam para pagar um remédio, por exemplo. Há colegas aposentados que estão passando por dificuldades enormes inclusive: têm que tirar o dinheiro da comida para pagar o remédio...
JC - Como a pandemia afetou os professores e funcionários de escolas?
Helenir - Mesmo quando não haviam voltado as aulas (nas escolas), o governo exigia plantões nas escolas, onde ficavam a direção e os funcionários. Nesse contexto, muitos contraíram a doença e, infelizmente, muitos faleceram. Inclusive, temos um mosaico no nosso site, para homenagear e lembrar dos mais de 100 professores e funcionários que morreram de Covid. Aliás, na semana passada, recebi uma informação sobre um surto de Covid em uma escola em Não Me Toque, onde já temos 15 pessoas infectadas, um professor e 14 alunos. E olha que a escola está seguindo todos os protocolos sanitários. Não adianta medir a febre dos alunos e dos professores, porque, se tiver alguém assintomático, vai contaminar as outras pessoas. Esse fato e o avanço da variante Delta do vírus têm nos preocupado.
JC - Como foi a transição para as aulas virtuais, quando as aulas presenciais foram suspensas?
Helenir - Foi terrível. No dia 19 de março de 2020, encerraram as aulas presenciais. Nos comunicaram que teríamos que dar aulas virtuais. Houve muito sofrimento da categoria, porque, primeiro, com o salário extremamente defasado, comprar internet já era artigo de luxo. Muitos professores tiveram que comprar um notebook para poder desenvolver o trabalho. Acabaram se endividando, comprando em prestações, porque não tínhamos recursos para isso e nem o governo ofertou. Não foi fácil, mas a categoria conseguiu dominar esses espaços. Durante a pandemia, muitos professores trabalharam muito mais do que as horas para as quais são contratados. Por quê? Primeiro, tinham que estudar para entender. Segundo, fazer os vídeos, gravar, jogar na internet. Isso custou muitas horas trabalho. E ainda custam, porque, mesmo com as aulas voltando presencialmente, ainda há necessidade de atender os alunos virtualmente, quando os pais não mandam seus filhos para a escola, porque não consideram seguro.
JC - Mas o governo anunciou cursos de qualificação...
Helenir - Para fazer essa qualificação, não basta uma hora. Foram ofertados alguns cursos que não foram o suficiente para que os professores pudessem dominar (o ambiente virtual). A maioria dos professores foi entendendo as plataformas, porque teve a ajuda de um neto, um filho e, muitas vezes, os próprios alunos que tinham mais conhecimento sobre a internet.
JC - Muitas pessoas dizem que o formato híbrido veio para ficar. Qual sua avaliação?
Helenir - A pandemia nos ensinou muitas coisas. Em primeiro lugar, hoje muitos pais percebem a importância do professor e da escola, porque vivenciaram como é difícil educar os alunos. Quanto ao ensino híbrido, acredito que a internet deve servir como apoio da aprendizagem, não pode ser o fim, porque ela não substitui o professor. Não podemos descartar a tecnologia como ponto de apoio e pesquisa, mas jamais vai substituir o professor.

Perfil

Helenir Aguiar Schürer, 67 anos, nasceu em Canoas. Ainda criança, mudou-se com a família para Santa Maria, onde estudou, da alfabetização ao Ensino Médio, no Colégio Estadual Manoel Ribas. Foi na política estudantil dessa escola que iniciou a atuação militante, ainda durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). Depois de concluir o Ensino Médio, foi morar em Horizontina, onde fez o Magistério. Depois foi para Santa Rosa, onde, entre 1984 e 1988, graduou-se em Letras pela Faculdade Dom Bosco. Durante a faculdade, participou da direção do diretório acadêmico da Letras. No mesmo ano que ingressou no Ensino Superior, passou em um concurso para a rede municipal de ensino de Horizontina. Assim que começou a dar aulas no município, se filiou ao Cpers Sindicato (na época, a entidade abarcava professores municipais). Em 1987, passou em um concurso para a rede estadual. Em 1991, se filiou ao PT. Em 1994, assumiu o núcleo do Cpers de Santana do Livramento. Em 2001, mudou-se para Porto Alegre, onde assumiu uma vaga na direção do sindicato. Em 2014, se elegeu pela primeira vez presidente da entidade. Atualmente, está no terceiro mandato.