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Entrevista especial

- Publicada em 26 de Janeiro de 2020 às 21:55

Simon quer unir o Rio Grande em negociação com a União

Simon admite que dívida com a União é impagável, mas pondera que RS teve perdas com a Lei Kandir

Simon admite que dívida com a União é impagável, mas pondera que RS teve perdas com a Lei Kandir


ALEXANDRO AULER/JC
Prestes a completar 90 anos, o ex-senador e ex-governador Pedro Simon (MDB) se sente disposto a inspirar um debate que una o Rio Grande do Sul em torno de uma causa: a melhora da situação do caixa do Estado através de um encontro de contas com a União.
Prestes a completar 90 anos, o ex-senador e ex-governador Pedro Simon (MDB) se sente disposto a inspirar um debate que una o Rio Grande do Sul em torno de uma causa: a melhora da situação do caixa do Estado através de um encontro de contas com a União.
Simon admite que a dívida com o governo federal é impagável, mas pondera que o Rio Grande do Sul teve perdas de arrecadação desde a Lei Kandir, de 1996, que isenta de imposto a exportação de produtos primários e semielaborados. A União deveria compensar os estados exportadores, mas o tema não foi regulamentado.
Crítico das perdas históricas do Rio Grande do Sul, Simon lembra disputas difíceis em que o Estado saiu vencedor através da união de forças, caso da instalação do Polo Petroquímico de Triunfo.
Embora avalie que é difícil formar um consenso em torno da Lei Kandir - "todo mundo só fala: 'não dá, isso está superado, a União não tem como pagar'" -, Simon argumenta que a causa é justa e sustenta que um entendimento local daria força ao governador Eduardo Leite (PSDB) em sua negociação sobre a dívida com a União.
Simon já aconselhou o futuro presidente da Assembleia Legislativa, deputado estadual Ernani Polo (PP), a liderar o debate no Parlamento gaúcho em 2020, sobre o encontro de contas com a União.
"Vale a pena discutir. A Lei Kandir, até acho que é justa, porque, se as exportações pagam imposto, aumenta o valor da mercadoria, que perde competitividade. Agora, deixaram nosso orçamento com um vazio: tiraram o imposto de exportação e não colocaram nada ali."
Depois de 56 anos atuando como vereador em Caxias do Sul, deputado estadual, governador e senador, Simon está sem mandato há meia década, mas segue fazendo política. "Não me sinto velho. Nesse ano que passou, viajei pelo Brasil fazendo palestras, conversando com a mocidade - agora, estou de bengala, mas nunca tinha usado -, e me sinto inteiro, com vontade de fazer alguma coisa."
Jornal do Comércio - Volta e meia, fala-se, durante campanha eleitoral, que a última vez que o Rio Grande do Sul se uniu foi em torno do Polo Petroquímico de Triunfo. O senhor participou...
Pedro Simon - O (Sinval) Guazelli era governador, o (Ernesto) Geisel, presidente. E havia o debate se o polo petroquímico tinha que ser no Rio Grande. Criamos uma comissão (Simon era deputado estadual). Foi uma guerra, uma luta: "Tem que ser no Rio Grande!"; "não, porque no Rio Grande não tem petróleo, não tem minério, não tem por que ser no Rio Grande do Sul!". Fizemos um trabalho na comissão, ouvimos Deus e todo mundo, debatemos... "É no Rio Grande do Sul!" Aí, no fim da discussão, o Guazelli: "Ô Pedro, uma boa notícia. Falei com o presidente. Vai sair o polo petroquímico". Que bacana! "Só que o terceiro polo vai para a Bahia, mas ele garante que o próximo será nosso." O que é isso? Sai o terceiro no governo dele e outro nunca vai saber quando... Aí marcaram a vinda do Geisel ao Rio Grande do Sul. Guazelli, quando viu que a gente ia insistir, não quis fazer reunião em Porto Alegre, fez em Livramento. E levamos a Livramento arcebispo, comandante do III Exército, presidente da Assembleia, indústria, todo mundo. Na reunião, Guazelli falou meia dúzia de coisas, "e agora, em nome do Rio Grande do Sul, o líder da oposição, que é o presidente da comissão". E, modéstia à parte, falei tanto que o Geisel deu um prazo de 20 dias para mandarmos as explicações que eles queriam. Fizemos um roteiro, trabalhamos 24 horas por dia e mandamos. E o polo petroquímico veio para o Rio Grande. Uma coisa que veio da oposição.
JC - Foi a última vez que uma causa uniu o Rio Grande do Sul?
Simon - Concordo. Outro movimento, da oposição, foi para construir a Aços Finos Piratini. Uma briga. Também fui presidente da comissão da Aços Finos Piratini. Fizemos um grande debate, o Estado tinha se comprometido a investir, completou parte da obra, e o governo (federal) autorizou. Agora, para isso, passamos ao governo federal a Aços Finos, porque não tinha dinheiro para fazer (sozinho) uma obra cara. Uma vitória espetacular, entrou em operação e está funcionando. Depois privatizaram, o (Jorge Gerdau) Johannpeter transferiu (a Gerdau) para São Paulo, mas a Aços Piratini está aí até hoje. Quer dizer, fizemos mil coisas (críticas ao governo), CPI sobre tortura, mas o que era bom para o Rio Grande era bom para nós, uma oposição que o pessoal não entende. Agora, isso que tu estás falando de união do Rio Grande, tentei fazer quando veio a Lei Kandir.
JC - Como?
Simon - A Lei Kandir foi uma desgraça para o Rio Grande do Sul. Vejo esse debate em torno da dívida, mas não se fala do mais importante: a situação do Rio Grande do Sul vem ao longo do tempo, antes da Revolução de 1930, quando a maior economia era São Paulo, e a segunda, o Rio Grande do Sul. Tinha uma posição de desenvolvimento e foi decaindo Hoje, a economia de São Paulo é a primeira, depois tem Minas, Rio, Bahia, até Paraná. O que aconteceu, primeiro, houve uma convicção de que o Brasil tinha uma guerra inevitável com a Argentina, então colocaram metade do Exército na fronteira. Se, ao invés de colocar um monte de quartéis, colocassem indústria, seria uma coisa fantástica. Mas teve até lei proibindo indústria na região da fronteira com a Argentina, até hoje não tem uma fábrica naquela região. E nunca se estudou uma forma de dar uma chance a essa região. Então, estão lá a Metade Sul, a Fronteira (Oeste) se depauperando. Quando (Paulo) Paim (PT), (Sérgio) Zambiasi (PTB) e eu éramos senadores, mostramos isso ao presidente Lula e à (então) chefe da Casa Civil, Dilma (Rousseff). E analisamos inclusive essa lei (Kandir), como ela era terrível para o Rio Grande do Sul. Foi daquela discussão que eles concordaram em botar um item na lei dizendo que a União compensará os estados. Mas não resolveu nada.
JC - Não foi regulamentado.
Simon - Na discussão, debati, gritei, mas não conseguimos forjar o movimento de defesa do Rio Grande do Sul e podem dizer o seguinte: "Não, mas a dívida que o Estado tem com a União é impagável". É verdade. Mas a dívida que a União tem com o Rio Grande do Sul também é impagável, pô! Então não queremos dinheiro, não queremos obras. Quer dizer, eles não nos pagam e nós fazemos a compensação.
JC - Um encontro de contas.
Simon - Até hoje, não conseguimos unir o Rio Grande para defender essa tese. Quando falo isso, dizem "não, isso está superado, isso não tem como, isso não tem chance". Todo mundo só fala isso, "não dá, a União não tem como pagar" (as compensações pelas perdas com a Lei Kandir). Mas, se reparar nas finanças do Rio Grande do Sul, onde é que ela começou a degringolar? Quando a Lei Kandir entrou em vigor, a nossa economia deixou de arrecadar, aí é que está o déficit. Então, hoje, tudo é em função disso, "estamos devendo para a União". E a União está devendo para nós a Lei Kandir. Então o que quero é muito simples: a União não tem como pagar. Nós também não temos como pagar a União! Faz uma compensação. É simples essa questão, e não consigo reunir o pessoal. Ainda hoje, falando com o futuro presidente da Assembleia (Ernani Polo), disse: "Olha, quem sabe vamos fazer, presidente. Acho que você vai fazer um debate tranquilo e sereno em cima disso".
JC - Essa é a agenda que poderia unir o Rio Grande do Sul?
Simon - Evidente! Deveria unir o Rio Grande do Sul. E agora, com um novo presidente da Assembleia, sim, vale a pena discutir. A Lei Kandir até acho que é justa, porque em nenhuma parte do mundo as exportações pagam imposto. Quando pagam imposto, aumenta o valor da mercadoria e perde competitividade. Agora, o que não podia é o governo fazer isso sem nos dar um período para nos recolocar. Nem nos deu um imposto para entrar no lugar desse. Quando conversei com Lula, ele se comprometeu a fazer a compensação, está na lei. Só que na hora de cobrar...
JC - O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) prevê que o Estado não leve adiante ações judiciais contra a União. Entre elas, há o caso da Lei Kandir.
Simon - Esse é o medo que tenho, abrir mão em troca de migalha. O governo (federal) está com a faca no pescoço do Rio Grande do Sul. Por isso, acho importante fazermos um entendimento agora, para dar força ao governo (Leite). É uma questão muito importante. Vão dar 2 mil réis para o Rio Grande abrir mão do debate que está no Supremo. Aliás, o STF já tinha dado ganho para nós, determinando que o Congresso fixasse a forma de compensação, só que não aconteceu.
JC - Outra questão é o ajuste fiscal, feito por sucessivos governos, mas a situação segue difícil. Não é incompleto esse modelo?
Simon - É evidente que sim. A primeira coisa é que o nosso orçamento tem um vazio. Tirou o imposto de exportação e não colocou nada ali. Então ali tem um pilar, que está sendo substituído pelo endividamento. Isso que quero fazer a discussão: vamos sentar com o governo federal e fazer o acerto de contas. Devemos tanto para eles, eles devem tanto para nós: faz a compensação. Está na lei, mas o governo não cumpre, até porque é muito (o dinheiro a ser pago em função da Lei Kandir). Então vamos fazer de outra maneira.
JC - Qual é a sua avaliação do governo Eduardo Leite?
Simon - Coitado do Leite enquanto não fizermos essa compensação... Vai ficar cada vez pior, porque não tem como fazer milagre, nossas fontes de arrecadação são as mesmas, e essa dívida é impagável. Por um lado, Leite teve sorte, conseguiu os impostos (alta das alíquotas do ICMS) por mais dois anos, uma coisa até histórica, com o voto do PT. É uma vitória, fruto da capacidade dele e da grandeza que a oposição teve. Isso é positivo. Essas reformas que ele está fazendo são corretas... Fui governador, a gente fica assim, o professor de um lado e o governador do outro. A professora ganha pouco? Claro, mas o Estado não tem como pagar. O que fazer? Agora, quando se tem, por exemplo, alguns aumentos, aí fica sem graça, professora com mestrado em fim de carreira ganha tanto e o cara da Brigada Militar lá de baixo, cabo (ganha mais). Aí não tem como explicar, procurador, juiz... Concordo que professores são 200 mil e os outros são menos. Mas alguma coisa tem que ser feita. Como no ditado: "Em casa que não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão". Só que, no Rio Grande do Sul, todo mundo quer, mas alguns têm mais e outros, menos.
JC - E as reformas?
Simon - Ele (Leite) está fazendo o que pode fazer. Também, quando foi candidato, disse que, no primeiro ano, deixaria o pagamento em dia. Agora, isso é uma coisa que se faz em campanha. E o (ex-governador José Ivo) Sartori (MDB) foi um governador de alto estilo, fez uma campanha firme com o Leite, PT, todo mundo batendo, mas ele com muita seriedade, é um grande homem. E pode dormir tranquilo, porque o novo governo está fazendo o que ele quis fazer.
JC - O governo Leite é a continuidade do governo Sartori?
Simon - Sim, em termos dessas questões (financeiras), não tem como fazer diferente. Então está fazendo aquilo que Sartori fez.
JC - O senhor falou que Sartori seria o seu sucessor natural no MDB gaúcho. É o maior nome?
Simon - É no Rio Grande do Sul, e no Brasil é um grande nome, prefeito de Caxias foi fantástico, no Estado, governou muito bem e, cá entre nós, não teve sorte... E saiu com dignidade, um grande nome.
JC - Em 2014, ele não admitia que era candidato. Em 2019, já fez palestras falando do governo que fez. É candidato em 2022?
Simon - É um nome para a prefeitura - não vai querer de jeito nenhum! -, é um nome para governador e um nome para senador. Se depender dele, não quer mesmo. Mas de uma dessas duas não vai poder fugir (senador ou governador). Pode optar, até acho que, hoje, seria melhor ele ir ao Senado.
JC - Jornais do centro do País apontam Eduardo Leite como pré-candidato ao Planalto em 2022. Isso prejudica o Estado na negociação com a União?
Simon - Pelo contrário. Essa é uma questão de Congresso Nacional, não uma questão de presidente. E Leite, por ser um nome jovem, competente, do PSDB, acho até que é um grande nome. E tendo projeção, dá força para ele debater, acho muito bom.

Perfil

Pedro Jorge Simon é natural de Caxias do Sul e completa 90 anos na sexta-feira. Advogado e professor universitário, foi líder estudantil e vereador, a partir de 1960, em sua cidade natal. Em 1962, assumiu como deputado da Assembleia Legislativa, permanecendo por quatro mandatos, até 1978, quando se elegeu ao Senado. Simon foi um dos líderes do MDB, partido de oposição ao regime militar, e coordenou a campanha Diretas Já. No governo de José Sarney, foi ministro da Agricultura e liderou o governo Itamar Franco no Senado, quando aprovou o Plano Real no Parlamento. Em 1986, venceu a eleição para o governo do Estado, que comandou de 1987 a 1990. Depois, voltou ao Senado para mais três mandatos, tendo sido eleito em 1990, 1998 e 2006. Em 2014, não iria concorrer, mas a morte de Eduardo Campos, candidato do PSB ao Planalto, levou Beto Albuquerque à disputa presidencial como vice de Marina Silva, e Simon acabou disputando o Senado, mas não se reelegeu. Há cinco anos sem mandato, segue atuante, fazendo palestras, dando entrevistas e sendo ouvido pelo seu partido, o MDB, e por lideranças políticas do Rio Grande do Sul e do Brasil.