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entrevista especial

- Publicada em 06 de Janeiro de 2019 às 21:39

Sem Banrisul, Estado não adere ao RRF, avalia Padilha

Ex-ministro sustenta ainda que o MDB terá que 'renovar' os quadros e a postura política

Ex-ministro sustenta ainda que o MDB terá que 'renovar' os quadros e a postura política


fotos: CLAITON DORNELLES/JC
Chefe da Casa Civil no governo Michel Temer (MDB), o ex-ministro Eliseu Padilha (MDB) avalia que o Rio Grande do Sul só conseguirá aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) se incluir o Banrisul na oferta de ativos entregues à União como garantia.
Chefe da Casa Civil no governo Michel Temer (MDB), o ex-ministro Eliseu Padilha (MDB) avalia que o Rio Grande do Sul só conseguirá aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) se incluir o Banrisul na oferta de ativos entregues à União como garantia.
"Não é que tem que ser o Banrisul. É que tem que ter um determinado patamar de disponibilidade de ativos para que se possa firmar o acordo. E esse patamar não é alcançado, segundo o Ministério da Fazenda, sem a inclusão do Banrisul", explica.
Padilha diz que o Estado não poderia perder essa chance de renegociar sua dívida, defendendo a venda do Banrisul para viabilizar a negociação. E acrescenta que vê como inviável o encontro de contas com os débitos da União relativos à Lei Kandir.
Experiente na articulação política com o Congresso Nacional, Padilha afirma que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) terá que negociar com os parlamentares para viabilizar o seu governo. "Não vamos ter a ilusão de que se vai governar, depois de passada a lua de mel de seis meses, sem negociação política. Isso vai se impor naturalmente."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Padilha sustenta que o MDB terá que "renovar" os quadros e a postura política, pensando nas eleições municipais de 2020. E aponta o deputado estadual Gabriel Souza, um de seus afilhados políticos, como nova liderança do MDB no Rio Grande do Sul.
Jornal do Comércio - O senhor acompanhou, como ministro, nos últimos anos, a negociação sobre a dívida do Rio Grande do Sul com a União. É fato que o Banrisul sempre esteve em negociação, que o Estado sabia disso e que o governo federal só aceita fechar o acordo do RRF com esse ativo?
Eliseu Padilha - O Ministério da Fazenda sempre deixou claro que o Rio Grande do Sul teria que atingir um determinado patamar de garantia de disponibilidade de bens que pudesse alicerçar um regime de recuperação fiscal. Não se tratava do Banrisul. É um montante que tem que ser alcançado e que, no caso do Rio Grande do Sul, não é alcançado sem a inclusão do Banrisul. Esse é o problema. Não é que tem que ser o Banrisul. É que tem que ter um determinado patamar de disponibilidade de ativos para que se possa firmar o acordo. E esse patamar não é alcançado, segundo o Ministério da Fazenda, sem a inclusão do Banrisul. 
JC - Mesmo com as estatais do setor energético?
Padilha - Vamos fazer ou não vamos fazer, vamos entrar ou não vamos entrar no regime de recuperação, quem vai decidir é o Rio Grande do Sul. Só que terá que dizer se quer ou se não quer. E, em querendo, terá que atingir esse patamar de disponibilidade. E esse patamar de disponibilidade inclui, não sei se feliz ou infelizmente, o Banrisul. Essa é a verdade. Fora daí, é especulação.
JC - Já considerando as outras estatais, como CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração...
Padilha - Que foram ofertadas, sim. Existe um outro detalhe que não estava esclarecido - penso que ainda não está -, que é a questão de qual é realmente o percentual do gasto com o pessoal (em relação à receita corrente líquida). Tínhamos uma versão oferecida pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) e outra fornecida pelo Ministério da Fazenda. Temos que ajustar, isso é fundamental para aderir ao RRF.
JC - Muito se falou em um encontro de contas da dívida do Estado com o que a União deve como compensação pela Lei Kandir. O senador eleito Luis Carlos Heinze (PP) disse que vai articular esse tema com outros estados.
Padilha - Saí do governo, mas continuo tendo a concepção do que é possível. Penso que é uma luta importante, o agora senador Heinze deve levar adiante. Mas não vejo, no governo federal, condições - não que falte vontade - de transferir para outros estados o que é sonhado em favor dessa Lei Kandir. Não vejo nenhuma condição. Esse é um problema para um debate muito longo, e não vamos ter solução em curto prazo. Portanto, não vamos ter ilusão de que é com base nele que vamos resolver o RRF. Não será. Isso eu posso garantir.
JC - Há ambiente para fechar um acordo com a União?
Padilha - Tem todo o ambiente, mas o ambiente tem que ser conduzido pelo governo do Rio Grande do Sul. O povo gaúcho tem que definir o que quer. O que tem que ser feito já sabemos. Se quer fazer, vai se submeter às condições. Se não quer, não faz, vai continuar no patamar que estamos hoje. Acho que não poderia ser perdida essa chance para, a longo prazo, termos a solução para a dívida do Rio Grande do Sul. E não se tenha ilusão de (solução para a dívida em) uma administração de quatro anos, e me atrevo a dizer, nem em oito, nem em 12 anos. Temos um problema estrutural que vem desde 1973. Isso não vai se corrigir de uma hora para a outra. Temos que conter as despesas, mas temos que gerar novas receitas. Se não tivermos capacidade de atrair novas fontes de receita para o Estado, vamos perpetuar essa dependência. Chegou a hora do ajuste de contas. Repito, deve se fazer de tudo para aderir ao RRF.
JC - Sem o Banrisul, não se consegue atingir o patamar da negociação exigido.
Padilha - Exatamente. É exigido pela lei. O Ministério da Fazenda é um cumpridor da lei.
JC - Na sua opinião, o Estado deve ingressar no RRF?
Padilha - Sim. Faria o possível e o impossível para isso.
JC - Apesar das derrotas na eleição ao governo do Estado e, antes, à prefeitura de Porto Alegre, o MDB gaúcho decidiu ingressar nas gestões do PSDB, vencedor dos pleitos e adversário no segundo turno. Qual é a sua avaliação sobre essas decisões?
Padilha - Sou membro dos diretórios estadual e municipal do partido. Não fui consultado, não opinei sobre as adesões. Foram decisões majoritárias do partido. Nas democracias, a maioria é que decide. Tomada a decisão, todos os emedebistas devem acompanhar a posição do partido. Se tiverem discordâncias, essas devem ser debatidas no partido. Em que pese não tenha participado das decisões, reconheço elas como legítimas.
JC - O vereador Valter Nagelstein (MDB) tem se colocado como pré-candidato à prefeitura de Porto Alegre em 2020. O MDB, agora, faz parte do governo Nelson Marchezan Júnior (PSDB). Isso significa que o apoio será só por um tempo?
Padilha - Não sei. A eleição que estamos falando será em 2020. Em política, isso é uma eternidade. Muita coisa pode acontecer sob o ponto de vista político, uma previsão dessas seria uma irresponsabilidade. Tem que deixar o tempo ir construindo sua história.
JC - Essas adesões não refletem uma perda de protagonismo do MDB no Estado?
Padilha - Qual seria a alternativa? Não aderir e fazer oposição. Então pergunto: era o melhor caminho para o MDB fazer oposição? Nacionalmente, o partido decidiu que vai ficar em uma posição de independência em relação ao governo federal. Aqui no Estado, se pensou diferente. Se tivermos consequências negativas, o futuro dirá. O MDB é o maior partido do Brasil, é o maior partido do Rio Grande do Sul. Agora, tem que ter coerência política para fazer com que essa sua grandeza consiga ser revertida em votos já na eleição municipal de 2020.
JC - Pela relação estabelecida durante a transição, não há interesse do MDB em participar do governo Bolsonaro?
Padilha - Não. De nenhuma forma. Esse trabalho foi conduzido por mim com o único objetivo de aportar elementos, dados, tudo aquilo que fosse relativo ao governo do presidente Temer e que fosse servir ao governo do presidente Bolsonaro.
JC - O MDB tem um ministro na nova gestão.
Padilha - A escolha do ministro Osmar Terra foi pessoal do presidente. É um quadro importante e histórico do MDB, mas o que aconteceu não tem vinculação com o partido. O MDB deve manter-se em uma posição de independência. Apoiará tudo o que entendemos que seja coerente com a proposta defendida pelo presidente Michel Temer, e colocar-se-á contrário àquilo que circunstancialmente seja contrário ao que estávamos fazendo.
JC - O senhor acredita que a experiência parlamentar de Bolsonaro somada à participação de Onyx Lorenzoni (DEM) no governo facilita a negociação do Executivo com o Congresso?
Padilha - Eu já fiz esse papel, de controle de articulação política com o Congresso Nacional. O presidente Bolsonaro e o ministro Onyx Lorenzoni terão, sim, que negociar politicamente no Congresso Nacional. Não vamos ter a ilusão de que se vai governar, depois de passada a lua de mel de seis meses, sem negociação política. Isso vai se impor naturalmente. Em que pese tenha havido uma grande renovação no Congresso Nacional, os que lá chegaram vão acabar sendo conduzidos pelos mais experientes, que vêm dessa prática da negociação política.
JC - O governo Bolsonaro sustenta que definiu o ministério sem negociação política tradicional.
Padilha - Na formação do governo, justiça se faça ao presidente Bolsonaro, não se negociou ministérios com partidos. Pelo contrário, ele escolheu por critérios definidos pela sua equipe, predominantemente técnicos. Teve partido com mais de um ministro indicado, mas por razões técnicas. O governo foi montado sem negociação político-partidária. Mas, no dia a dia com o Congresso Nacional, não será possível levar adiante, passados os primeiros seis meses do governo, e, talvez, até antes, sem a negociação com os partidos e com as lideranças políticas.
JC - Em 2010, o senhor declarou que havia passado o tempo de uma geração do velho MDB. E hoje? Quais são as novas lideranças no Estado?
Padilha - Surgiram novos líderes. No plano federal, temos (o deputado federal) Alceu Moreira. Aqui no Estado, o líder do governo, (deputado estadual) Gabriel Souza, uma jovem liderança. Temos novos quadros no MDB em todo o Brasil. Presidi durante vários anos e sou vice-presidente da Fundação Ulysses Guimarães, onde trabalhamos com um programa de formação política. E agora que deixo o governo, uma das minhas ocupações volta a ser essa formação política, para que possamos continuar renovando esses quadros. Indiscutivelmente, o MDB precisa, mais do que em 2010, de uma renovação de quadros.
JC - Alceu Moreira, presidente do MDB gaúcho, também citou Gabriel Souza como nova liderança. Será uma aposta para o Piratini em 2022?
Padilha - Ah, é muito cedo. Se 2020 é uma eternidade, 2022 é muita distância. O Gabriel Souza é o tipo do político para quem o céu é o limite. Quer dizer, ele pode perfeitamente disputar qualquer cargo na estrutura política do Brasil. Ele tem o que é fundamental, responsabilidade política e formação. Onde ele vai chegar, só o tempo dirá.
JC - O seu projeto, agora, é voltar a atuar na formação política do MDB? Tem algum outro horizonte?
Padilha - Sob o ponto de vista político, não tenho. Vou cuidar da formação política no plano nacional e, se possível, aqui no estadual.
JC - Ao deixar o governo, o senhor perdeu o foro privilegiado. Alguma das investigações em que seu nome foi citado lhe preocupa?
Padilha - Esse é um assunto que entreguei e entrego aos advogados que trabalham para mim. A atuação no Supremo Tribunal Federal (STF) ou em um juízo de primeiro grau muda, evidentemente. Vamos atuar em primeira instância, não é última instância. Então quem disser que existe uma investigação e que não lhe preocupa, tem que fazer algum tipo de análise. Há sempre preocupação, sim, de que se tenha todo o direito para mostrar que a gente é inocente em relação à imputação que é feita, para que possa pensar em ter a absolvição. Trabalho com meus advogados nessa direção, tenho a tranquilidade para o enfrentamento do processo, apenas o que se busca é a garantia para ter ampla defesa no inquérito, em um primeiro momento, depois, nos processos.

Perfil

Eliseu Lemos Padilha tem 73 anos e é natural de Canela (RS). Começou sua vida pública na política estudantil. Em 1966, Padilha foi indicado para ser secretário-geral da comissão do MDB em Canela. Atuou como contador e advogado, mas destacou-se como empresário do ramo imobiliário em Tramandaí, cidade para a qual se mudou antes de iniciar o curso de Direito na Unisinos. Em 1988, disputou sua primeira eleição e conquistou a prefeitura de Tramandaí pelo então PMDB. Em 1994, elegeu-se deputado federal. Foi secretário de Trabalho, Cidadania e Assistência Social no governo de Antonio Britto (PMDB) e ministro dos Transportes de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Reelegeu-se à Câmara dos Deputados em 2002 e 2006. Em 2010, ficou como suplente. Foi vice-presidente nacional da legenda (2003-2006). Atuou como ministro da Secretaria de Aviação Civil no governo Dilma Rousseff (PT) e ministro-chefe da Casa Civil no governo de Michel Temer (MDB). É, hoje, vice-presidente da Fundação Ulysses Guimarães (FUG), do MDB.