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50 ANOS DO GOLPE

- Publicada em 08 de Abril de 2014 às 00:00

Gilberto Natalini confronta Brilhante Ustra


CÂMARA DE SÃO PAULO/DIVULGAÇÃO/JC
Jornal do Comércio
São poucos os agentes de segurança pública que admitem ter torturado, desaparecido e assassinado militantes de esquerda durante a ditadura militar instaurada a partir de 1964 no Brasil. Paulo Malhães, coronel reformado do Exército, é uma destas exceções. À Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, confirmou as acusações de que torturou e executou opositores do regime. Perguntado sobre quantas pessoas matou na Casa da Morte, em Petrópolis, no Rio, respondeu friamente: “tantas quantas foram necessárias”.
São poucos os agentes de segurança pública que admitem ter torturado, desaparecido e assassinado militantes de esquerda durante a ditadura militar instaurada a partir de 1964 no Brasil. Paulo Malhães, coronel reformado do Exército, é uma destas exceções. À Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, confirmou as acusações de que torturou e executou opositores do regime. Perguntado sobre quantas pessoas matou na Casa da Morte, em Petrópolis, no Rio, respondeu friamente: “tantas quantas foram necessárias”.
Ao contrário de Malhães, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no início da década de 1970, é taxativo ao negar qualquer tipo de maus-tratos, torturas, assassinatos ou ocultação de cadáveres. Sempre repete que “se houve mortes dos terroristas que queriam implantar uma ditadura comunista no País, todas foram em confronto com as forças de segurança”. Ustra, que participou da Operação Bandeirantes (Oban), montada pelo Exército para perseguir militantes de esquerda, é acusado de coordenar ou autorizar cerca de 500 sessões de tortura no DOI-Codi de São Paulo.
O Jornal do Comércio apresenta os pontos de vista de dois personagens do DOI-Codi de São Paulo. O vereador paulista Gilberto Natalini (PV) tinha 19 anos quando foi preso, em 1972. Levado ao DOI-Codi, foi recepcionado pelo então major Carlos Brilhante Ustra, que usava o codinome de Dr. Tibiriçá. Questionado sobre o envolvimento do então estudante da Escola Paulista de Medicina com o jornal produzido pelo Movimento de Libertação Popular (Molipo), Natalini apenas disse que o jornal era distribuído na faculdade, mas que não tinha relação com o movimento.
Ustra, então, decidiu soltar o jovem com a condição de que ele, acompanhado de agentes, fosse até sua casa e entregasse as publicações. Ao chegar, acompanhado dos policiais, sua tia, inadvertidamente, diz: “Uns amigos seus vieram aqui e pegaram todos os jornais dizendo que era muito perigoso ficar com eles aqui.” Os agentes perceberam que Natalini havia mentido e o levaram para o DOI-Codi, novamente, onde ficou por mais de dois meses. A reportagem tentou entrevistar o coronel Ustra, mas não houve retorno. Por isso, transcreve seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 2013.

Hoje vereador, Natalini era um jovem militante

Jornal do Comércio – Quando os militares recrudesceram a tortura contra o senhor?
Gilberto Natalini – Quando eles descobriram que eu havia mentido sobre os jornais que eu tinha em casa. A primeira vez que eu estive no DOI-Codi, o Ustra e os agentes só me torturaram psicologicamente. Quando eu voltei preso ao DOI-Codi começou a tortura física, com choque elétrico nos dedos e órgãos genitais, além dos choques nas orelhas, por isso eu tenho uma audição menor. Fiquei muito tempo lá dentro sangrando pelos tímpanos de tanto choque que me deram.
JC – Qual foi o episódio mais marcante na sua convivência com o coronel Ustra?
Natalini – Eu era um poeta jovem, tinha 19 anos quando fui preso. Eu escrevia poesia de protesto, contra o regime militar. E eles recolheram toda a papelada nas minhas coisas junto com os jornais clandestinos do Molipo. Um dia, ele (Ustra) resolveu fazer uma sessão (de tortura) especial, juntou uma tropazinha de torturadores dentro de uma sala, me pôs despido, com água no chão. Às vezes me mandava subir descalço em cima de duas latas para poder fazer a tortura do pé. E, ao mesmo tempo, o Ustra, pessoalmente, com um pedaço de cipó, me bateu por várias horas dentro desta sala para que eu declamasse as poesias para os outros torturadores. Eu não declamei e apanhei muito por causa disso, dele pessoalmente. Na sala havia outras pessoas, soldados, para presenciar a humilhação contra o estudante que ousou escrever poesia contra o regime militar.
JC – Havia médicos apoiadores do regime nas salas de tortura?
Natalini – Sim, eu mesmo fui examinado por uma pessoa que eu presumo que era médico, tinha estetoscópio no pescoço. Havia médicos no DOI-Codi e no Dops, mas sempre sob o comando do Ustra, nada acontecia ali (DOI-Codi) sem o conhecimento ou ordens dele.
JC – Quais as perguntas mais comuns nos seus interrogatórios?
Natalini – A gente tinha muitos jornais do Molipo (Movimento de Libertação Popular, que atuava na guerrilha urbana e era formado por universitários paulistas), quem levava estes jornais era a Cida Horta, o irmão dela, o Paulo Horta, era quem tinha relação com o Molipo. Os militares prenderam um estudante no Mato Grosso para quem eu tinha dado o jornal. Quase massacraram o cara na porrada, e ele contou que era eu quem tinha dado o jornal para ele. Aí eles me seguiram durante 30 dias, não encontraram nada, mas resolveram me prender. Eles queriam saber quem dava os jornais. Um dia o Paulo Horta recebeu um recado, por ironia do destino, através de um guarda da muralha do DOI-Codi, que disse: “Seu pai mandou avisar que você pode dizer o nome da sua irmã porque ela já saiu do Brasil, assim vocês vão parar de apanhar”. O guarda falou duas ou três coisas e o Paulo Horta reconheceu que o recado tinha sido mesmo mandado pelo pai. No fim, decidimos falar o nome da Cida, depois da tortura. Foi uma correria no DOI-Codi. Eles foram atrás da Cida e viram que ela já tinha fugido, tinha ido para o Chile. Depois disso, fomos torturados por mais uns dias como vingança, pois não abrimos o nome dela antes.

Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado

Comissão Nacional da Verdade - O senhor tinha ciência das atividades de seus subordinados, ou eles agiram à revelia desrespeitando os seus comandos?
Carlos Brilhante Ustra - O comandante é o responsável por tudo que a sua tropa faz ou deixa de fazer. Eu era o comandante da unidade. Nunca aconteceu isso, é mentira. Nunca ninguém foi estuprado dentro daquele órgão. Eu digo isso em nome de Deus, é verdade o que eu estou falando.
CNV – O senhor diz no livro “A Verdade Sufocada” que jamais permitiu a tortura de parentes de presos. E também não permitiu corrupção, suborno, achaque... Com que frequência eram utilizados o “pau-de-arara” e a “cadeira do dragão”?
Ustra – Tá tudo escrito no meu livro, não vou responder.
CNV – O DOI de São Paulo possuía centros clandestinos de prisão e tortura?
Ustra – Nunca teve centro clandestino de tortura. Eu não tive conhecimento e nenhum subordinado meu. Há uma acusação infundada e mentirosa sobre a Fazenda 31 de Março (na zona Sul de São Paulo, apontada como um sítio onde presos políticos eram torturados e mortos). Reviraram a fazenda do homem (proprietário - Joaquim Fagundes “Coronel Fagundes”, que era amigo de Ustra) atrás de cadáver e não encontraram nada.
CNV – O senhor não se negaria a fazer uma acareação com ele (Gilberto Natalini), diante da Comissão Nacional da Verdade?
Ustra – Não faço acareação com este terrorista.
CNV – É comum que existam várias versões oficiais sobre uma mesma morte? Há vários casos que existem versões conflitantes entre os órgãos de segurança, ou em função de confusão interna do DOI.
Ustra – A gente tinha a versão oficial, a nossa.
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